Saúde não é mercadoria
Foto/Divulgação Juntos! SP

Saúde não é mercadoria

Precisamos lutar contra o sucateamento e a privatização da saúde pública e a lógica gerencial dos serviços!

Sophia Azevedo e Vinícius Rodrigues 24 jan 2022, 13:40

Saúde como Mercadoria

Na última quarta-feira, dia 19 de janeiro, tivemos uma roda de conversa com a professora Claudia March do departamento de planejamento em saúde da UFF. Esta atividade marcou o lançamento da campanha sobre direito à saúde que será promovida pelo Estudantes pela Saúde (EPS) UFF durante o ano de 2022. Nossa convidada, que é diretora sindical da associação dos docentes da Universidade Federal Fluminense (ADUFF) e faz parte da frente nacional de luta contra privatização da saúde, fez uma rica fala sobre o histórico da saúde e dos direitos da classe operária ao longos do último século construindo um cenário básico para entendermos como a presença de EBSERH nos hospitais universitários representa um risco à autonomia, já que seu modelo de gestão da saúde pública implica na contratação de serviços terceirizados e ferem não só a autonomia da universidade, como, também, a qualidade do tripé no qual se baseia nosso sistema educacional – ensino, pesquisa e extensão. 

Citando a pesquisadora Sara Granemann, Claudia explicou como esse modelo caracteriza uma forma de privatização não clássica, na qual o Estado abre mão da gestão de seu patrimônio (universidades, hospitais, escolas, empresas estatais, entre outros) em favor de entidades privadas, mas de forma não explícita. Diferentemente da privatização clássica, que passa por um processo tradicional de venda e transferência da administração e lucratividade sobre esse patrimônio para uma organização privada, a não clássica envolve um processo mais complexo e, propositalmente, menos explícito. Sob títulos de “Organizações Sociais (OS)” e “Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)”, definidas como “entidades privadas sem fins lucrativos”, o setor privado se interpõe entre a gestão pública e a prestação de serviços, assumindo a função do estado e submetendo aspectos de interesse coletivo à setores individuais que não, necessariamente, têm o dever de mantê-los. 

A quem interessa o adoecimento?

No setor da saúde, este modelo colide com o projeto Constitucional proposto para o nosso sistema de saúde. Desse modo, há um reordenamento na forma prevista para a produção do cuidado, gerando uma atenção fragmentada que, por sua vez, representa um ataque direto ao princípio da integralidade do SUS. Em outro aspecto, a terceirização encarece e precariza os serviços prestados, enquanto mantém o subsídio estatal para empresas privadas. 

O discurso gerencialista da saúde é ideológico e cumpre a função de legitimar a presença das empresas privadas na saúde pública sob o pretexto de que a lógica de administração privada é mais eficiente. No entanto, os casos de corrupção envolvendo as OS e as OSCIP, somados a atual condição de muitos serviços de saúde, como o nosso querido HUAP que sofre com o sucateamento de seus serviços, são demonstrações claras da fragilidade desse discurso. Essa dinâmica, na realidade, reforça a instrumentalização do Estado na sociedade capitalista, o qual se desvia do papel de atenção ao social e age como bote salva vidas do capital e seus detentores em meio a crises cíclicas.

Aos Bilionários, claro!

A questão de precificar a vida é um modelo não só da privatização, mas típico do sistema de gerenciamento de Hospitais Particulares e suas redes. Que lucram com a dor, mas muito além de lucrar com essa dor, necessitam de que essa dor e o tratamento desta se encaixe em um padrão de produção que gere lucro, ignorando incertezas do conceito de recuperação e saúde. Como foi o caso da Prevent Senior, uma “queridinha”, que não só tratava seus profissionais de forma grosseira, como, também, deturpava o conceito de bem-estar e cuidado paliativo, tendo suas empresas parceiras coniventes a esse tipo de trabalho. Dentre elas, uma em especial, teve um crescimento abrupto de seu patrimônio durante a pandemia sendo com o “dono” dentre os bilionários que mais enriqueceram na pandemia. 

Ponto de suma importância para ser debatido, pois dentre as pessoas indicadas como as que mais enriqueceram na pandemia, os apontados empresários da saúde são os que mais aumentaram seu patrimônio. O sucateamento aumenta o abismo entre a quantidade e qualidade de atendimento do setor público contra o privado, fazendo com que a busca por serviços privados seja maior para aqueles que mal o podem pagar. Seja em situação de pré-natal, seja em situação de COVID-19.

Autonomia Universitária

Além disso, no caso dos hospitais universitários, o modelo gerencialista representa uma ameaça também à formação dos futuros profissionais da saúde, na medida em que a gestão privada molda a seleção e a dinâmica de trabalho priorizando o lucro/produção, o que deixa de lado o papel destes como espaços de formação e acelera o éthos produtivista que invade a academia. 

A professora pontua, ainda, que as concessões públicas em favor dos interesses privados também se dão no âmbito da ciência, inovação e tecnologia, tendo como expoente o Marco Legal de Ciência e Tecnologia que foi sancionado em 2016 durante o governo Dilma. Com isso, atualmente, o SUS vive um processo de universalização excludente caracterizado pelo direito constitucional à universalidade que, na prática, coexiste com subfinanciamento e o esvaziamento dos ideais que foram propostos na reforma sanitária.

E os estudantes com isso?

Com a nova vitória para o sucateamento, a tomada dos HUs da UFRJ pela EBSERH, fica o questionamento: como nós, jovens e estudantes da saúde, devemos nos organizar para combater esse mal para a sociedade? Este tema também foi discutido pela Cláudia, primeiramente, ela instrui o entendimento histórico e social que envolve os novos mecanismos de privatização e seus efeitos na saúde, elogiando a Campanha de Direito à Saúde que o Estudantes Pela Saúde – UFF iniciou, fomentando o debate e aprendizagem de diferentes futuros profissionais da saúde sobre esse tema. 

Ainda, para além da área das ideias, a organização de movimentos que levem o que acontece dentro do Hospital e como isso afeta a comunidade de encontro à sociedade civil se tornam essenciais no combate à EBSERH. O discurso de uma saúde que vá além da assistência deve ir além dos muros da Universidade e do Hospital – hoje dissociados – e juntos ecoar para o mundo. Assim, a transformação pode se reestruturar e permitir que o SUS descrito na Constituição aconteça. Claudia, enfatiza que pode não ser no presente, mas a construção deve ser iniciada e continuada, pois a luta não acaba com a finitude da vida de um militante, ao contrário, as ideias por ele defendidas devem ser continuadas, sendo aqui onde a juventude entra.

Dado o impulso inicial para essa transformação, o Estudantes Pela Saúde terá o papel essencial de organizar e movimentar toda a base social em prol da revogação desse plano de desmonte e sucateamento da educação, saúde e cidadania. Construindo durante esse ano e união ao Juntos um Movimento Estudantil forte nos cursos da saúde. Somando-se à reabertura de debates sobre a EBSERH pela UFF este ano, o trabalho de formação e disseminação deverá ser uma das mais importantes pautas. 

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