Amanhã vai ser outro dia – por que o movimento estudantil deve seguir independente em 2023
Caminhão de mudança saindo do Planalto

Amanhã vai ser outro dia – por que o movimento estudantil deve seguir independente em 2023

Finalmente estamos nos últimos dias do governo Bolsonaro. O pesadelo que parecia não ter fim, está prestes a terminar. Diante dessa virada de ciclo, a pergunta que o movimento estudantil, que foi tão fundamental para o desgaste e derrota de Bolsonaro deve se fazer nesse momento é: qual o nosso papel daqui pra frente?

Fabiana Amorim e Letícia Chagas 23 dez 2022, 13:24

Finalmente estamos nos últimos dias do governo Bolsonaro. O pesadelo que parecia não ter fim, está prestes a terminar. Com sua derrota eleitoral, temos boas razões para acreditar que 2023 será um ano melhor para nosso país. Por quatro anos, Bolsonaro desenvolveu uma política de morte, pautada em um discurso e uma prática política violenta, incentivando o armamento, disseminando o negacionismo que levou milhares à morte durante a pandemia. Além do desmonte dos serviços públicos, de proteção ambiental e de políticas públicas das mais diversas áreas. A expectativa dos milhões que se mobilizaram por Lula é que ele faça um governo bastante diferente disso, considerando que seus governos passados trouxeram avanços importantes ainda que incompletos para o Brasil – como a ampliação do acesso ao ensino superior e programas sociais de combate à fome como o Bolsa Família.


Nossa geração passou os últimos anos na defensiva, tendo que se defender dos ataques que vinham dos mais diversos lugares. Perdemos direitos, vimos o Dia do Fogo na Amazônia, a ampliação da desigualdade, tivemos que lutar para as universidades não fecharem suas portas, sem falar no avanço da violência como prática cotidiana, que é resultado do avanço do bolsonarismo para além da institucionalidade. Virar essa página é sem dúvida um alento e motivo de muita comemoração.
O anúncio dos ministérios de Lula parece um óasis perto do que era ter Ricardo Salles, Paulo Guedes e Damares Alves como ministros. Ao mesmo tempo, sabemos que essa turma ainda não foi totalmente varrida do mapa. Pelo contrário. Muitos viraram senadores, deputados ou até governadores, como Tarcísio em São Paulo. Não poderemos baixar a guarda pois esses seguirão atuando contra os direitos do povo e a serviço de uma agenda conservadora, como a farsa do Escola Sem Partido.


Diante dessa virada de ciclo, a pergunta que o movimento estudantil, que foi tão fundamental para o desgaste e derrota de Bolsonaro deve se fazer nesse momento é: qual o nosso papel daqui pra frente? Essa não é uma pergunta simples nem tão óbvia quanto parece, e poderá ser divisora de águas entre os setores que construíram unitariamente as lutas contra Bolsonaro nesse último período. Isso porque, apesar de muito melhor do que Bolsonaro (não que precise de muito pra isso), nós sabemos também que o governo Lula buscará conciliar com setores que ajudaram a sustentar o bolsonarismo e que são também responsáveis pela crise econômica e social em que vivemos. Isso, inclusive, já vem acontecendo: o PT apoiará Arthur Lira em sua tentativa de reeleição como presidente da Câmara dos Deputados, sendo ele um dos principais aliados de Bolsonaro e responsável por arquivar as centenas de denúncias por crime de responsabilidade que foram atribuídas a Jair Bolsonaro. Não deve ser uma surpresa que políticas de austeridade e de defesa da burguesia sejam parte também da pauta deste governo.


Embora tenhamos algumas indicações de pessoas negras para ministérios, mesmo que não seja nas pastas mais centrais do governo, também será necessário muito luta para romper com a lógica de extermínio e encarceramento da população negra no Brasil. Nos últimos dias vimos a indicação, pelo futuro ministro Flávio Dino, do Coronel Nivaldo Cesar Restivo, envolvido no massacre do Carandiru, para secretário nacional de Políticas Penais. Os movimentos sociais já estão se movimentando para exigir sua saída, e precisaremos seguir alertas e lutar muito para que esse e outros agentes de extermínio e de barbárie não tenham espaço no governo e também sejam devidamente responsabilizados pelos seus crimes.


É por isso que temos o dever de defender que o movimento estudantil continue a ser independente, apoiando o governo naquilo que beneficia o povo trabalhador, mas lutando contra políticas que ataquem as populações mais vulnerabilizadas e impeçam a construção de uma sociedade sem hierarquias sociais. O nosso horizonte não pode se restringir aos limites que a institucionalidade que a máquina governamental nos impor e devemos aproveitar a oportunidade desse novo ciclo, para fortalecer as nossas agendas e pautas históricas do movimento estudantil e do povo trabalhador, não só exigindo o fim de todas as reformas feitas nestes últimos anos por Temer e Bolsonaro, mas também buscando avançar na taxação das grandes fortunas, na ampliação do investimento na educação, na demarcação de terras indígenas e na reforma agrária, na defesa de que nenhum trabalho deva existir sem direitos, na legalização da maconha e do aborto, na revisão da política de encarceramento e do modelo de militarização das polícias, dentre tantas outras pautas fundamentais que tivemos que deixar de lado nesses últimos anos para nos defender do perigo autoritário de Bolsonaro.


A melhor forma para fazer avançar as lutas que acreditamos serem necessárias, é tendo como nosso principal palco de disputa, as ruas e as organizações de base, não os gabinetes. Não podemos nos limitar ao que a governabilidade tem a nos oferecer. Queremos que as ruas pautem a política e não o contrário. As ruas não devem ser palco dos golpistas que só desejam retrocesso, mas daqueles que querem e necessitam que avancemos mais e mais em nossas pautas. Apostar na luta de classes como ferramenta para defender e conquistar direitos. E só com a independência do movimento estudantil teremos um movimento propulsor de mudanças sociais e linha de frente contra retrocessos. Não podemos perder essa oportunidade de avançar na disputa de consciência para enterrar a extrema direita. Temos muito a comemorar nessa virada de ano sem Bolsonaro. Mas a situação do nosso povo e do país não permite euforia. Seguiremos fazendo o que de melhor sabemos fazer: mobilizar de forma permanente para mudar nosso futuro. Pois, nem a fome e nem os bilionários deveriam existir.


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