Peru: um palco de resistência e repressão
Foto: Diego Ramos / AFP

Peru: um palco de resistência e repressão

Entenda o que está acontecendo a partir de uma entrevista com uma estudante peruana

Juntos! 18 jan 2023, 11:41

Vivendo em ebulição nas últimas semanas, o Peru é mais uma vez palco de repressão e resistência, com seu povo especialmente do Sul do país se levantando mesmo com dezenas de companheiros mortos. Dina Boluarte assume com as mãos em sangue o governo de Pedro Castillo, legitimamente eleito em 2021, mas que também não levou adiante a bandeira real de enfrentamento à crise política que se arrasta no Peru: a Assembleia Constituinte. No calor de uma semana que se desenrola com a chegada dos camponeses do Sul a Lima e de uma Greve nacional marcada para 19/1, conversamos com Marycielo Hidalgo, estudante de história e militante da região de Tacna, sobre os últimos acontecimentos.

1 – Nos diga o que está acontecendo no Peru, podes resumir rapidamente o que aconteceu com Castillo, quem e o quê representa Dina Boluarte? Por que vocês não a aceitam como presidente?

A vitória de Pedro Castillo nas eleições gerais de 2021 foi um ponto de quebra na política nacional. Desde que Pedro Castillo assumiu o palácio do governo, a direita peruana, o Congresso, as elites econômicas e a concentração de meios de comunicação de Lima, empreenderam um plano golpista desconhecendo a vontade popular reivindicada nas urnas. Além disso, se somou também a virada do governo ao centro, depois a divisão e o abandono do Perú Libre, partido com o qual Pedro Castillo disputou as eleições, e de seu líder Vladimir Cerrón, que aproveitou sua maioria congressual para exigir ministérios como cota de poder. Frente a isso, longe de apoiar seu governo no povo, abrindo caminho para um processo constituinte, Castillo começou a estabelecer alianças com partidos de centro-direita como Podemos Perú, Alianza para el Progreso, Somos Perú e outros setores, a fim de sustentar seu governo frente a dinâmica dominante do poder. Negando toda possibilidade de diálogo com a maioria de peruanos que viram em seu governo uma chance de mudança real, Castillo cometeu um grave erro político que a direita peruana aproveitou muito bem.

Em 2022, as denúncias por corrupção, que até hoje são matéria de investigação, foram um dos principais argumentos que deslegitimaram o governo de Pedro Castillo, os meios de comunicação, a Fiscal da Nação (Judiciário) e o Congresso golpista, já tinham empreendido um plano de vacância usando o termo “incapacidade moral” devido aos escândalos de corrupção. Foi assim que em dezembro de 2022, minutos antes da votação no Congresso pela vacância, Castillo dá um autogolpe de Estado chamando a fechar o Congresso, medida que foi automaticamente rechaçada por ser inconstitucional. Até hoje ficou pouco claro o que aconteceu, Castillo sofre vacância e é imediatamente preso, ações que quase nunca se vê na justiça peruana e por sucessão ascende quem até então era a vice-presidenta, Dina Boluarte. Os peruanos esperavam que ela renunciasse ao assumir a presidência, posto que assim o cargo cairia para o presidente do Congresso, que não tem o poder de governar e deveria chamar de imediato novas eleições, para que se fossem todos. Porém, ela se reuniu com as bancadas de direita como o fujimorismo, para logo se jurar como “a primeira mulher presidenta do Perú” e fazer caso omisso das demandas da população. O povo se sentiu traído. Pedro Castillo, um professor vindo de uma província que representa o Peru profundo, e essa maioria que votou por ele estava sendo desrespeitada.

É assim que no início de dezembro de 2022 se iniciaram protestos e mobilizações exigindo a restituição de Pedro Castillo, adiantamento das eleições e uma nova constituição. Quem iniciou os protestos foram as cidades do sul peruano, a situação se agudizou quando as Forças Armadas começaram a reprimir e se deram enfrentamentos entre polícia e manifestantes, a tomada de aeroportos, incêndio em delegacias, fechamento de estradas, paralisações totais em cidades como Arequipa, Puno, Ayacucho, Cusco, Apurímac e La Libertad, deixando até o final dessa entrevista, 49 mortos por balas em apenas 40 dias do novo governo.

2 – Quais são os principais setores que estão se mobilizando e quais suas principais reivindicações?

Principalmente os setores populares, frentes de defesa das regiões, associações de comerciantes, operários da construção civil, rodoviários, sindicatos de professores e organizações de juventude. No início, se pedia o adiantamento das eleições gerais e um setor pedia a restituição do ex-presidente Pedro Castillo, mas quando o governo começou a assassinar os manifestantes, o pedido generalizado se tornou a renúncia de Dina Boluarte, novas eleições e assembleia constituinte.

3 – As regiões de Puno e Arequipa passaram por grandes massacres contra o povo que está em luta, como foi a resposta do sul do país a isso?

Em Puno, a população vinha se manifestando pacificamente pela manhã e na parte da tarde se deram enfrentamentos. Em só um dia, 19 pessoas foram assassinadas, entre eles menores de idade como Elmer de 16 anos que só se deslocava para ajudar sua mãe no centro de Juliaca e um profissional de saúde que atendia os feridos, mas ambos foram atingidos por balas. As famílias dos assassinados, em sua maioria de baixos recursos, pediram apoio da população para poder comprar os caixões. Os irmãos do sul rechaçam energicamente esse massacre, e não demoraram para manifestar sua solidariedade, saindo a manifestar-se e realizando três dias de paralisação contundente para exigir a renúncia do governo.

4 – Qual o papel dos jovens nesse processo?

A diferença das mobilizações de 2020 que eram protagonizadas pelos jovens, as mobilizações de hoje possuem outras características. Apesar da maioria das vítimas da repressão policial serem jovens, não tivemos uma resposta massiva desse setor. Algumas federações de estudantes realizaram atos de solidariedade como vigílias e tomada de praças, também ações de solidariedade por parte dos coletivos de jovens, mas pouco articuladas. Hoje, diante da indiferença do governo às pessoas das províncias, muitas delegações de todo o país se dirigem a Lima para fazer escutar sua voz de protesto, e são os centros de estudantes quem busca alojar as delegações que chegam na capital. Esperamos que a juventude possa ter um papel mais ativo para ser parte da articulação com as demandas do povo.

5 – Quais são os principais desafios para que a luta peruana saia vitoriosa?

A essa altura, a consigna mais imediata é a renúncia de Dina Boluarte e o adiantamento das eleições. Mas quando temos um sistema político que a cada 4 anos entra em crise total, devemos saber que as regras do jogo precisam mudar e só será possível com uma nova Constituição. Eu diria que o processo constituinte já iniciou, as condições objetivas já estão, só devemos começar a apostar na organização de fortes movimentos sociais que forcem a balança a favor dessas maiorias, a quem se nega constantemente a condição de cidadãos e com isso, a capacidade de decidir qual país querem.

6 – Por fim, o que acredita que podemos fazer aqui do Brasil para fortalecer a luta peruana?

A solidariedade dos diferentes países da América Latina frente ao massacre desse governo foi e sempre será importante. Quando se deu a vacância de Pedro Castillo, a opinião de Gustavo Petro na Colômbia, Evo Morales na Bolívia, Obrador no México (quem outorgou asilo político à família do ex-presidente Pedro Castillo) foi de grande importância. Hoje também é necessário estabelecer links com a chegada de novos ventos na América Latina, porque diante do avanço dos progressismos, também veremos o avanço da direita em decadência com expressões mais agressivas, fascistas e de ataque violento contra o povo. Hoje mais do que nunca a luta é internacional e a solidariedade também.

Entrevista realizada por Fabiana Amorim, diretora da UNE e da Coordenação Nacional do Juntos!


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