Banco Central dependente do Mercado Financeiro
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Banco Central dependente do Mercado Financeiro

A disputa sobre a Taxa de Selic e a possível Crise Financeira Sistêmica

Victor Luccas 15 mar 2023, 11:30

O debate sobre a Política Monetária definida pelo Banco Central dominou o debate público nas últimas semanas. Um tema relevante da política econômica do Executivo que deve ter a atenção dos revolucionários a fim de compreender as tendências que se expressam nos órgãos do governo e atuar nas suas fissuras.

Teremos como ponto de partida a “Independência” do Banco Central instituída na Lei Complementar Nº 179/21. Com ela o presidente e os diretores do Banco, que já eram indicados pelo Presidente da República, passaram a ter mandatos fixos de 4 anos. Bolsonaro indicou, no seu 3º ano de governo, Roberto Campos Neto para tomar posse da presidência do Bacen, filho de Executivo do Mercado Financeiro com 18 anos de passagem pelo Banco Santander e neto do Ministro do Planejamento do governo de Castelo Branco na Ditadura Militar. 

Pelo determinado na lei, Campos Neto permaneceria no cargo até o 3º ano do Governo Lula, o que deixa a maior parte do novo governo refém da política adotada pelo bolsonarista. Enquanto o “Mercado”  aplaude a “independência”, pois ela daria mais estabilidade à política monetária por não estar sujeita a mudanças de governo, como se a economia fosse uma ciência dura no vácuo e não fosse política.

A defesa da Autonomia do Banco Central não é exclusividade da direita. Apesar do correto embate que se faz hoje contra a alta de Juros e a “Independência” do Bacen, Lula e Dilma já defenderam sua autonomia. Em 1988, o PT apresentou proposta de mandatos fixos para o Bacen, mas não foi acolhida pela Constituição.

Mas o que é a Política Monetária definida e executada pelo Bacen? De modo mais direto, é o controle de moeda no mercado visando “assegurar a estabilidade de preços” (inflação), “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, segundo a Lei da “Independência”, mas é praticamente consenso que o Bacen só está preocupado com a inflação. Esse controle ocorre de algumas formas, pode ser via (i) impressão de papel-moeda, (ii) a emissão ou compra de títulos da dívida pública, (iii) o depósito compulsório (parte dos valores depositados nos bancos comerciais que não pode ser emprestado) e (iv) a taxa de redesconto (taxa cobrada em empréstimos de curto prazo que o Bacen faz aos bancos comerciais).

Dentre elas, a mais comum de ser utilizada na Política Monetária é a emissão ou compra de títulos públicos (operações de Open Market, Mercado Aberto). Numa operação em que o Bacen vende um Título Público, alguém está pagando por esse título com uma promessa de receber no futuro uma taxa de juros, que pode ser a Selic ou a Inflação (IPCA) + porcentagem. Dessa forma está havendo uma retirada de moeda em circulação. Por outro lado, quando o Bacen compra um título, está pegando o título público de alguém e dando dinheiro em troca, ou seja, colocando moeda em circulação na economia. A alteração da quantidade de moeda em circulação é comum em toda economia.

“Assim, conforme a soma dos preços das mercadorias aumente ou diminua, também a quantidade de dinheiro em circulação tem de aumentar ou diminuir na mesma medida.”

– Karl Marx. O Capital Volume I, Capítulo 3.

O aumento da Taxa Selic, que é a taxa básica de juros da economia, torna os títulos públicos mais rentáveis e, portanto, mais atrativos do que outros tipos de investimentos. Disso resulta um aumento do desemprego que leva à redução da inflação, desejada pelo Banco Central. Esse fenômeno é descrito graficamente pela Curva de Phillips em que para ter uma baixa inflação deve haver um alto desemprego e para ter um baixo desemprego deve haver uma alta inflação.

Isso já mostra como o próprio capitalismo cria um prejuízo constante à classe trabalhadora que se vê jogada na dicotomia entre ter emprego e sofrer com alta inflação que corrói seu salário; ou diminuir a inflação, mas aumentando o desemprego. Com um maior desemprego, maior exército industrial de reserva, haverá uma maior pressão pela redução de salários. Não haveria saída… No Capitalismo.

“Mas se uma população trabalhadora excedente é um produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base capitalista, essa superpopulação se converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação capitalista, e até mesmo numa condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se ele o tivesse criado por sua própria conta. Ela fornece a suas necessidades variáveis de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro aumento populacional.”

– Karl Marx. O Capital Volume I, Capítulo 23.

No Brasil vigora o Regime de Metas de Inflação. Nele, o Conselho Monetário Nacional, atualmente composto pelo Ministro da Fazenda Haddad, pela Ministra do Planejamento Tebet e o Presidente do Banco Central Campos Neto, define qual será a meta de inflação, hoje de 3,25% com margem de erro 1,5 ponto percentual. Cabendo à política econômica adotar as medidas necessárias para alcançá-la.

Algumas críticas passam por afirmar que é uma meta de inflação muito baixa, praticamente irrealizável. Para diminuir a inflação a esse nível seria preciso uma política econômica muito restritiva, aumentando a Taxa Selic para os atuais 13,75%  que começou sua ascensão em 2021 quando ainda era de apenas 2%.

No entanto, com juros tão altos os investimentos no país diminuiriam, dificultando o crescimento, criação de empregos e o avanço da economia. Assim, debate-se a necessidade do aumento da meta de inflação, que internacionalmente tem a perspectiva de ser maior, colocando-a num patamar mais realista.

Outro aspecto relevante, é a pressão que se faz sobre a Política Fiscal (de gasto e receita do governo) para uma política de austeridade fiscal, a qual Haddad sinaliza dar continuidade reafirmando o risco fiscal das contas públicas. O déficit das contas do governo geraria uma insegurança quanto à “saúde financeira” da União já que parte de seus gastos são financiados pela Dívida Pública que segue aumentando e,  portanto, exigiria-se uma taxa de juros maior na compra dos títulos públicos devido ao risco maior que se está tomando.

A discussão da mudança da regra do Teto de Gastos corrobora para tal insegurança. Dessa forma, como alguns dizem, primeiro deveria-se ajustar a política fiscal (aumentar o corte de gastos, retraindo ainda mais a economia) para possibilitar uma diminuição da Selic. Um argumento que lembra a Regra do Bolo de “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo” criada por Delfim Netto, Ministro da Fazenda durante a Ditadura Militar, referindo-se ao crescimento econômico do país e desigualdade de renda. No fim das contas, o crescimento foi feito às custas de uma maior exploração dos trabalhadores e o “bolo” nunca foi dividido.

Apesar disso, é curioso a grande preocupação com o aumento da Dívida Pública pelo déficit da Política Fiscal, quando a proporção em que a Dívida aumenta é determinada também pela Taxa Selic. Quanto maior a Selic, maior o juros que será pago aos detentores dos títulos públicos, ou seja, maior será o valor da própria dívida pública. Portanto, os mesmos que se preocupam com o aumento da dívida, utilizando-a para justificar a reforma da previdência e privatizações, deveriam se preocupar também com a alta da Taxa Selic.

Por fim, como marxistas, devemos nos perguntar qual a origem da valorização do dinheiro nesse processo de enriquecimento com a Dívida Pública. No capitalismo, o trabalho concreto produz mercadorias que possuem valor devido ao trabalho abstrato. Assim, no processo de produção, o trabalho cria valor e permite o dinheiro inicial do capitalista se valorizar ao comprar a força de trabalho e fazê-la trabalhar.

D – M – D’

Como seria possível, então, que o mercado financeiro valorize seu capital? Isso ocorre, porque no processo de circulação e distribuição, o valor produzido é distribuído entre os demais setores da economia. Parte do mais-valor obtido pelo capitalista é dividido com a renda da terra, aluguéis, juros e com todos os demais setores da economia. Não há valorização de capital sem trabalho, pois a força de trabalho é a única mercadoria capaz de criar valor.

“Sem que os capitalistas tenham a menor ideia disso, sem nenhum acordo consciente entre eles, procedem de tal maneira na troca de suas mercadorias que é como se compartilhassem em massa a mais-valia extraída de seus trabalhadores e dividissem fraternalmente entre eles a colheita coletiva da exploração, de acordo com o volume de seu capital. Portanto, o capitalista individual não desfruta de forma nenhuma do lucro obtido pessoalmente, mas apenas da parte que lhe cabe no lucro obtido por todos os seus colegas.”

– Rosa Luxemburgo. O segundo e o terceiro volumes d’O capital.

Assim, mesmo a valorização do capital aplicado no mercado financeiro, que faz o dinheiro render num passe de mágica, vem da exploração da força de trabalho da sociedade. O valor criado por toda a classe trabalhadora é dividido entre a burguesia e parte desse valor é apropriado pelo Capital Financeiro.

D – D’

O aumento da Taxa Selic faz com que os investimentos financeiros sejam mais rentáveis, ou seja, façam com que uma porção maior ainda do valor criado pela classe trabalhadora seja destinado à burguesia financeira e rentista. Ela aplica seu capital num título público que é um investimento seguro, diferente de investir num negócio e correr o risco de falir, e obtém uma alta rentabilidade de 13,75%. Essa Política Monetária revela que não há nenhuma “independência”, mas sim um Banco Central dependente do Mercado Financeiro.

A alta de juros, por sua vez, já tem efeitos no mercado privado, encarecendo o financiamento empresarial. Empresas passam a ter gastos maiores para arcar com seus custos financeiros. Além dos riscos de desconfiança no mercado de crédito devido à fraude da Americanas que encarece o crédito. Mais ainda, acabamos de presenciar a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) em cerca de 48 horas nos EUA também devido à alta na taxa de juros americana que levou à uma deterioração da sua carteira de títulos públicos e uma onda de saques simultâneos de U$42 bilhões. Reguladores americanos fecharam o Signature Bank dois dias depois do SVB diante do que consideram um “risco sistêmico”, enquanto o governo americano atua para garantir os depósitos dos correntistas. O SVB era utilizado por empresas e fundos de investimentos brasileiros, espera-se, portanto, algum impacto no Brasil, mesmo que não seja tão evidente o tamanho do problema.

O capitalismo produz crises periódicas aumentando a miséria, o desemprego e fazendo o povo pagar pela crise com a retirada do direito à aposentadoria, direitos trabalhistas e à educação. Saímos de um governo genocida que muito nos massacrou e não podemos pagar novamente por uma crise que não fomos nós que criamos.

Juros Baixos Já!
Limite de Juros!

Revogação da Independência do Banco Central!
Auditoria Integral da Dívida Pública com Participação Popular!

“Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, que morra!”

– Leon Trotsky. O Programa de Transição.


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