Caos no Rio Grande do Norte: terror anunciado?
Foto: PMRN/Divulgação

Caos no Rio Grande do Norte: terror anunciado?

Demarco aqui o nosso repúdio aos episódios de violência que tem assolado o RN e solidariedade à população (…). Mas para isso não há como fechar os olhos para as questões centrais que o Governo Fátima segue ignorando em nosso estado, que dizem respeito à todo o povo potiguar.

Letícia Corrêa 16 mar 2023, 18:38

“ — Para a sociedade, eu não passo de um reles, rejeitado que nem cachorro sarnento. Se aqui na cadeia os manos não tratar eu como considerado, não vou ser nada para ninguém, sou um zero no mundo. Vou perder a identidade própria do ser humano. É sem chance!” Disse um detento com tuberculose para o Dr. Dráuzio Varela durante seu tempo trabalhando no Carandiru, presídio marcado na história do Brasil quando, no dia 2 de outubro de 1992, um dos maiores massacres que o país já presenciou aconteceu, iniciado por uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo para conter uma rebelião na Casa de Detenção de SP, que causou a morte de 111 detentos. No RN, há poucos anos presenciamos a rebelião mais sangrenta da história do nosso estado, no Complexo Penal de Alcaçuz. Início esse texto relembrando esses acontecimentos para que possamos juntos, então, refletir acerca da situação de hoje: esse terror foi anunciado? 

Desde terça-feira (14/03), as principais cidades potiguares enfrentam uma onda de ataques coordenados – com o aviso prévio ao Governo Fátima desde segunda (13). Ataques. Tiros. Incêndios. Toque de recolher. Transporte público retirado das ruas. Instaurando um verdadeiro caos que paralisou as universidades e fechou os comércios. Parou a capital. Nenhuma movimentação do Estado foi capaz de inibir tais articulações com antecedência, mesmo com apoio do Governo Federal. Isso se dá porque a solução é a mesma para todos os problemas no estado: mais polícia! Foi assim com os problemas de segurança pública no Beco da Lama também. Dessa vez, mais de 100 agentes da força nacional foram acionados, trazendo viaturas e armamentos. Dizem para a população que os acontecimentos são uma resposta direta ao enfrentamento da atual gestão à criminalidade e ao crime organizado… Mas que enfrentamento é esse cuja única tática é seguir empoderando o braço armado do estado, que segue aterrorizando jovens negros e periféricos, como acontece no Bairro das Rocas? 

Estamos passando por um momento muito mais complexo que isso. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no final do ano passado, o Brasil alcançou a marca de quase 1 milhão de pessoas em privação de liberdade para pouco mais de 500 mil vagas disponíveis, causando superlotação nos presídios. Desse total, 44,5% são provisórios, ou seja, ainda não foram condenados, nos colocando como a terceira maior população carcerária do mundo. Na quarta-feira (15/03), o portal de notícias G1 solta a manchete: “Órgão federal aponta tortura, comida estragada e contaminaçao proposital como tuberculose em presídios do RN”, denunciando uma situação que, infelizmente, tem muitos precedentes no país. Tortura legalizada e violação total dos direitos humanos dos presos. No mesmo dia, a esposa de um detento do Complexo Penal de Alcaçuz confidencia ao Saiba Mais “as ações criminosas tem como motivação uma série de violações aos direitos humanos dentro das unidades prisionais”, percepção compartilhada por Juliana Melo, antropóloga, professora da UFRN e pesquisadora do sistema prisional e da área de segurança pública. “Dizer que isso é apenas uma retaliação (pelo enfrentamento ao crime organizado), é invisibilizar um problema maior!”, disse ela à BBC News. 

Não faremos coro com o Governo do Estado do Rio Grande do Norte e suas soluções simplistas para problemas complexos. Há anos essa situação insustentável vem acontecendo nos presídios potiguares sob o descaso da atual gestão que, como já dito anteriormente, compreende segurança pública apenas como sinônimo de mais polícia. Essa lógica prejudica não somente os detentos e suas famílias, mas toda a população. A juventude negra é perseguida e assassinada nas periferias. Não temos acesso à saúde, não temos acesso à transporte verdadeiramente público, não temos acesso à cidade, com lazer e cultura. São problemas que se conectam e enraizam-se radicalmente na estrutura do sistema capitalista, que devem ser encarados com seriedade e combatidos coletivamente. Cabe também destacar o protesto pacífico que as famílias dos presos fizeram em frente ao Centro Administrativo do Governo do Estado pedindo liberação das visitas e alimentação digna aos apenados, que foi reprimido fortemente e terminou com duas mulheres presas aos puxões de cabelo. 

Demarco aqui o nosso repúdio aos episódios de violência que tem assolado o RN e solidariedade à população, que hoje tem medo de sair na rua. Mas para isso não há como fechar os olhos para as questões centrais que o Governo Fátima segue ignorando em nosso estado, que dizem respeito à todo o povo potiguar. Sendo uma jovem negra que constrói uma organização socialista, finalizo esse texto com um misto de revolta generalizada e disposição para contribuir ao debate propositivo à resolução definitiva da problemática em comento, bem como disse em nota o Diretório Estadual do PSOL/RN. 

Chega de tortura nos presídios!

Chega de violência policial nas periferias! 

Dignidade não é privilégio! 

Por uma política de segurança pública que nos represente! 


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