O espírito das ocupações de escola pode voltar?
Reprodução Google Imagens

O espírito das ocupações de escola pode voltar?

O que precisamos lembrar para vencer em definitivo a reforma do ensino médio?

Fabiana Amorim 5 abr 2023, 16:28

O título desse texto logo já nos traz uma contradição: uma das principais pautas das ocupações de escola de 2016 foi ser contra a reforma do ensino médio, que logo depois foi aprovada. Por que então rememorar esse momento para vencer essa mesma pauta, se fomos derrotados no passado? Aí mora uma primeira reflexão importante a se fazer, mas vamos tratá-la mais pra frente. Antes de tudo, é importante pontuar que logo nos primeiros meses do novo governo Lula, a luta pela revogação da Reforma do Ensino Médio se tornou a principal bandeira dos estudantes e da educação como um todo. O abismo social que se ampliou na pandemia, se consolidou na educação com a implementação de uma “reforma” na educação básica que desmontou o caráter crítico da escola pública, já sucateada há anos, em troca de um ensino voltado para formação de mão-de-obra barata.

A primeira pergunta a se fazer é: por que o governo Lula e o PT, que se opuseram à agenda de Temer e Bolsonaro na educação, ainda não revogaram a reforma? É lógico que a suspensão de sua implementação anunciada foi um passo importante, mas ainda não significa seu engavetamento por completo. Basta analisar os conselheiros do MEC, como a ONG de um conglomerado empresarial “Todos pela Educação” que defende o Novo Ensino Médio e a própria Fundação Lehmann e Itaú, para compreender que essa indisposição não é à toa. Ao contrário deles, entre estudantes e professores, o que mais temos visto é a disposição para lutar para revogar a reforma nas ruas, redes e escolas públicas. Mas está evidente que dependerá necessariamente da força da nossa mobilização a derrota do Novo Ensino Médio.

A conclusão de que a mobilização coletiva é o nosso melhor método para expressar nossa voz e nossas demandas, foi atiçada nas ruas com as mobilizações multitudinárias de junho de 2013 no Brasil, rompendo com a lógica dos pactos republicanos afastados da maioria da população. Não tenho dúvidas de que sem a janela aberta em 2013, não teríamos as ocupações de escola de 2015 e 2016. O fio de continuidade que tivemos, inclusive com grandes greves da educação que se seguiram após 2013, transmitiram a ideia de confiar nas nossas próprias forças para vencer governos e pautas mesmo que pareçam invencíveis.

De lá para cá vivemos um aprofundamento da crise total que se expressa no Brasil. A extrema-direita buscou ocupar o espaço vazio e se apresentou com propostas como a “Escola Sem Partido”, disputando a narrativa de que a culpa da crise na educação é dos “professores militantes” que usam estudantes como “massa de manobra da esquerda”. Era evidente que em meio a fúria das ocupações de escola, fortalecida pelas greves de trabalhadores da educação, seria necessário calar estudantes e professores. Em muitos estados, como no Rio Grande do Sul, as ocupações de escola impediram projetos como esse de avançar nas casas legislativas, mas mais do que uma aprovação formal, o que a extrema-direita queria era criar um clima de intimidação nas escolas, causando conflitos dos mais diversos, e incentivando o autoritarismo e o pensamento único.

A partir desse momento, além do embate contra os interesses neoliberais na educação, nossa disputa passou a ser também para defender o caráter laico e democrático da escola pública. Vale um parênteses aqui para recordar elementos políticos que trouxeram consigo as ocupações de escola. Mais do que manifestações contra projeto X ou Y, a favor ou contra governo X ou Y, os estudantes questionaram o modelo de educação que Paulo Freire denominou como “bancária”. Ao invés de salas enfileiradas, regras inquestionáveis e hierarquias definitivas, vivenciamos rodas de discussão e oficinas dos mais diversos temas que os estudantes sempre buscaram ver em suas aulas, assembleias democráticas e decisões coletivas, divisão de tarefas e conexão com a comunidade externa, disputando a seriedade e a importância da escola pública frente a sociedade.

Percebam que esse nível de consciência e auto-organização, logicamente que com suas diferenças e contradições a nível nacional, seria um perigo caso se consolidasse como uma regra. Por isso a reforma do ensino médio caiu como uma luva para aqueles que buscam o sucateamento da escola pública de forma constante. O autoritarismo de sua implementação se acelerou com o momento de pandemia e ensino remoto, onde os profissionais da educação se viram à deriva, e assistimos no Brasil, um processo de retrocesso histórico em relação à democratização do ensino básico.

E hoje, uma das principais dificuldades que enfrentamos neste momento para avançar na luta pela revogação da reforma, é que fruto do período da pandemia e da ausência das aulas presenciais, tivemos um vácuo na transmissão e construção do movimento secundarista, com uma geração que passou pela escola sem participar de grandes debates, atos, paralisações, greves, assembléias, conselhos de classe. A perda de referência nos aponta a necessidade de construir novas pontes e referências, incentivando a auto-organização estudantil, pois assim como as ocupações de escola nos ensinaram, mais importante do que uma única organização política falar em nome dos estudantes por cima, é por baixo que precisamos incendiar para que cada escola seja um pólo de luta contra a reforma do ensino médio.

Por fim, e voltando ao começo, talvez para muitos possa parecer distante imaginar novamente um processo como esse no Brasil, a ponto das organizações e entidades estudantis perderem o controle e chegarmos novamente ao ponto de em um único estado, vermos 2 mil escolas ocupadas, como ocorreu no estado do Paraná. A história, seja a secular ou a nem tão longe assim, nos serve não para repetir fórmulas e métodos como se fossem bulas de remédio. Cada geração precisa buscar sua própria forma de vocalizar suas demandas, a luz das suas tarefas históricas. Mas o que as ocupações nos ensinam, é que mesmo quando parece inimaginável, a nossa força coletiva pode ultrapassar a barreira do possível. Ninguém esperava que os secundaristas de São Paulo derrotassem Alckmin no seu projeto de fechamento de escolas, assim como ninguém esperava que os metroviários fizessem uma greve que emparedasse o bolsonarista governador Tarcísio.

Nesse momento em que temos uma tarefa muito concreta, a pior saída para a juventude é se deixar cair no ceticismo. Em confiar suas expectativas em promessas vazias que nos sujeitam a processos burocráticos, na qual perdemos o protagonismo. Mais uma vez, Camilo Santana: não aceitamos nada menos do que a revogação da reforma do ensino médio. Mesmo jovens, temos memória. Não duvidar da força dos estudantes e dos professores é mais do que uma dica, mas também uma ameaça. Seguiremos ampliando e radicalizando. Buscando unidade entre todos aqueles que realmente buscam a ruptura com o passado de retrocessos, colocando de volta no debate político as vozes que irromperam de cima do portão do Fernão Dias.


Últimas notícias