Ainda é pouco: os desafios do 59º CONUNE
57º CONUNE

Ainda é pouco: os desafios do 59º CONUNE

Entenda o que o Juntos! defende para o Congresso da UNE, que ocorrerá nos dias 12 a 16 de julho em Brasília

Estamos nas vésperas do Congresso da União Nacional dos Estudantes. O maior congresso estudantil da América Latina e o primeiro encontro dessa proporção desde a pandemia e o fim do governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo um espaço de disputa sobre o projeto educacional brasileiro e sobre qual tipo de movimento estudantil teremos pelos próximos dois anos. Achamos que, por isso, é fundamental abrir desde já um debate sobre o que acreditamos que esse espaço precisa ser.

Os marcos do Congresso se dão, em nossa opinião, em dois grandes desafios políticos. O primeiro está ligado a perspectiva de que o movimento estudantil pode ser um polo antifascista importante no país. A vitória eleitoral de Lula no ano passado foi um momento definidor da conjuntura – abriu a porta para a possibilidade do combate à extrema direita em outro patamar. O exemplo do julgamento do TSE considerando o próprio Bolsonaro inelegível mostra que, após a derrota da tentativa de golpe no 8 de Janeiro, existem rupturas e fraturas dentro do setor mais reacionário do país que criam maior fragilidade no projeto bolsonarista nesse momento.

Isso, não necessariamente significa que esse setor está morto ou se encaminha para a irrelevância. Bolsonaro ainda é um dos principais líderes brasileiros e outros representantes do seu campo, como Zema e Tarcísio, seguem no centro da política do país. Nesse sentido, a necessidade de construir uma contínua ação de ruas como a capacidade de atuações da unidade antifascista segue sendo fundamental. A mobilização que tem sido feita em defesa do MST durante a CPI que visa criminalizar a luta dos sem terra para nós é um exemplo. Temos participado, junto com Sâmia Bomfim, de uma árdua e ativa defesa do MST como forma de defendermos todos movimentos sociais do país  – achamos fundamental a UNE fazer disso um centro.

Mas o horizonte da luta antifascista, por mais fundamental que seja, não pode ser o limite das perspectivas do movimento estudantil. A defesa de outro projeto de educação foi um ponto fundamental das nossas lutas durante o Governo Bolsonaro. O Tsunami da Educação representou não só um levante contra os cortes e o projeto de desmonte das universidades, mas um questionamento geral à lógica de que a educação pública era tratada, ou seja, foi uma luta contra a perspectiva econômica neoliberal: enquanto as universidades corriam o risco de fechar e os estudantes bolsistas de não terem mais como estudar, os bilionários seguiam com lucros recordes.

A realidade é que a atual política de governo não altera o cenário dramático das universidades brasileiras. O arcabouço fiscal é uma reprodução do teto de gastos em nova forma perfumada. Universidades como a UFF já expressam que a não recomposição orçamental fará com que o funcionamento das universidades se precarize cada vez mais. A inclusão do FUNDEB e do Piso da Enfermagem no arcabouço ainda pioram a situação. É preocupante que a UNE não tenha tido uma posição abertamente contrária a essa política como um todo e demonstra os limites da direção majoritária. Precisamos portanto refletir um novo programa para a entidade, que coloque também as lutas por outro projeto educacional no centro da nossa política.

Um balanço da UNE – o que mudou nos últimos anos?

A UNE cresceu junto com as mobilizações que o movimento estudantil construiu durante os anos do bolsonarismo. Se tornou uma referência maior após ter perdido espaço durante anos de defesa dos governos petistas, mesmo quando, para isso, era necessário defender também os cortes na educação. O Tsunami da Educação foi uma imposição da realidade, construída de forma ampla pelas entidades estudantes, mas que permitiu a UNE, numa política unitária do movimento, dar um salto.

Isso, porém, não mudou a limitação estratégica da direção da entidade durante o período bolsonarista. A aposta em atos domingueiros de caráter semi-eleitoral demonstrou que ainda havia muita conexão da majoritária com a estratégia petista. A linha política do PT de não avançar com a luta pelo impeachment e focar em uma saída eleitoral se demonstrou muito arriscada e incapaz de derrotar o bolsonarismo como projeto. De alguma forma, a direção da UNE, ao não utilizar sua referência adquirida para buscar outra via mais dinâmica pelas ruas, demonstrou também os limites de seus horizontes.

Isso ficou ainda mais evidente em 2023, após a vitória eleitoral de Lula. A vacilação e demora para resposta sobre o projeto do Novo Ensino Médio já foi um exemplo. Mas a falta de posicionamento firme sobre o arcabouço fiscal explicitou que a direção majoritária segue e seguirá numa posição de dependência ao governo federal, sem espaço para as críticas necessárias dos limites de seu projeto educacional. Se nem o arcabouço pode ser combatido, como vamos refletir a recomposição orçamentária, os maiores investimentos na permanência estudantil, a defesa das cotas trans, entre tantas outras pautas de reestruturação do modelo educacional brasileiro?

Esse limite da política se complementa com o funcionamento da UNE e a forma que tem se dado a construção do próprio Congresso. Já colocamos em outros textos nossa crítica a artificialização da construção de dezenas de DCEs sem processos reais de construção nas universidades na véspera do congresso com o objetivo de controlar o mapa dos delegados do CONUNE. Mas o desenvolvimento das próprias eleições demonstraram situações ainda mais graves – eleições sem votação, direções inteiras de organizações políticas majoritárias de um Estado sendo inscritas como estudantes de ensino remoto de outro, entre tantos outros casos. No Estado do Tocantins, uma das juventudes do PT chegou a inscrever mais de 50 delegados do EAD – definindo mais de 80% do mapa sem nenhum processo eleitoral.

Ou seja, a atual direção segue mais preocupada em manter a estrutura da UNE como está do que refletir a real mobilização dos estudantes do cenário do movimento estudantil como um todo, nisso não podemos nos enganar. A unidade antifascista seguirá um desafio nosso, mas isso não significar deixar de ver as coisas como estão. Precisamos que exista a possibilidade de um polo que coloque a necessidade de independência do movimento estudantil perante o governo e que não coadune com os métodos antidemocráticos de construção dos espaços da própria UNE.

A oposição à esquerda, suas possibilidades e desafios

As eleições deste CONUNE foram atípicas comparadas a anos anteriores, em diversas partes do país primou a dispersão das chapas e a dificuldade da construção de intervenções em comum dos setores de oposição da UNE. Colocamos em todo congresso que nossa opinião é que os processos eleitorais todos deveriam se hierarquizar pela disputa da política educacional e de projeto de país. Ou seja, era necessária para nós uma unidade da oposição em marcos da luta contra o arcabouço fiscal e o Novo Ensino Médio e numa crítica à majoritária pela falta de democracia e distorções da entidade. A chegada da Oposição de Esquerda na Secretaria Geral em 2019 foi um marco que expressou a potencialidade da unidade dos que lutam, algo que para nós segue fundamental em 2023.

Esse sentido, porém, ainda está em disputa, essa dispersão das chapas de oposição foi um demonstrativo de que a atual falta de processos amplo de lutas do movimento estudantil permitiu que as confusões dentro do campo da oposição dessem o tom da disputa. A estratégia de “demonstrar seu tamanho” como prioridade, elaborada pela UJC e Correnteza, fez com que diversas eleições fossem disputadas em chapa separadas – permitindo que a majoritária tivesse resultados importantes onde não teriam condições em um cenário de unidade, já que o debate sobre o projeto educacional não ficou no centro.

Achamos que essa dispersão não pode ser o centro da nossa intervenção no congresso. A existência de uma oposição de esquerda durante anos serviu a uma necessidade política de disputa de concepção de movimento estudantil – algo que se hierarquiza perante quaisquer diferenças táticas. Sem uma maturidade para construir uma unidade em torno de um programa de mobilizações do movimento estudantil contra a política neoliberal do arcabouço e que imponha a necessidade de luta, a dificuldade de que sejam possíveis mobilizações reais nas ruas aumentam.

Por isso temos feito um debate com todos setores conectados ao PSOL sobre a necessidade de fortalecer um polo de oposição, sem que haja quaisquer ilusões sobre a majoritária. Achamos que as chapas que construímos com a Juventude Sem Medo e outras juventudes como o Ecoar, Alicerce, Pajeú, CST e PSTU têm sido exemplos importantes de como um polo democrático e socialista pode se apresentar no movimento de forma independente. Mas achamos importante construir as pontes com a esquerda revolucionária em sua totalidade, buscando meios de que se possa construir sínteses em comum com Correnteza e a UJC a partir de um debate político franco e sem hegemonismos. A possibilidade da construção de uma oposição combativa e plural é um desafio no atual estágio das nossas disputas. 

Para isso é necessário que possamos refletir como a construção desse polo não seja uma artificialidade ou só uma correia de transmissão de quaisquer correntes. Nisso, precisamos refletir um programa capaz de transformar a UNE e o projeto educacional brasileiro e criar as condições objetivas para que a pluralidade seja expressada nessa construção. Uma alternativa construída de baixo pra cima ou com base somente na diferenciação e no sectarismo iria impedir a possibilidade de efetivamente existir um polo capaz do tamanho da tarefa que uma oposição à esquerda da UNE pode ter. Nosso compromisso tem que ir além da construção de nossas organizações ou interesses pragmáticos: precisa se hierarquizar para um programa que reflita o atual estágio da luta de classes no país.

O que defendemos para o Congresso da UNE?

Nesse sentido acreditamos ser importante elencar alguns pontos que achamos que são fundamentais a serem aprovados e armados nesse CONUNE.

1- A unidade antifascista em defesa do MST e contra a criminalização dos movimentos sociais

A CPI do MST é um projeto de criminalização dos movimentos sociais brasileiros. Não se pode querer prender aqueles que lutam por um pedaço de terra: assim como Zé Rainha foi vítima desses ataques, temos que defender o MST como exemplo da unidade necessária contra a extrema direita. Se essa CPI não for derrotada, haverá mais espaço para a extrema-direita na sua política de perseguição dos lutadores sociais. A CPI da UNE pode se tornar outra realidade para colocar a universidade como espaço de balbúrdia e atacar não só a direção majoritária da UNE, mas o movimento estudantil. Por isso é fundamental que o CONUNE se posicione e coloque esse tema como um dos seus centros

2- A luta contra a política neoliberal do arcabouço fiscal e do Novo Ensino Médio

Esses dois são os temas centrais na política educacional brasileira. Nisso a UNE não pode ser refém do governo federal. A lógica de contingenciamento e do desmonte da universidade pública foi herdada de alguma medida na atual política dos ministérios da educação e da fazenda. Não há outra palavra, o arcabouço precisa ser derrotado. O Novo Ensino Médio também não é secundário: é a concretização da lógica mercadológica dentro das bases da educação brasileira. Ou seja, é um tema central para o movimento universitário se debruçar. Isso só é possível com uma UNE independente dos governos e focada nas mobilizações.

3- Nem a fome nem os bilionários deveriam existir.

A UNE precisa abraçar um programa de mudanças estruturais no país. Se aceitamos o jogo como ele está, sempre vamos cair em armadilhas como o arcabouço fiscal. Por isso defendemos a taxação das grandes fortunas, dos itens de luxo, a reforma agrária e urbana e o combate à existência dos bilionários em um mundo da fome no geral. É preciso que a UNE abarque e incorpore essas lutas, tendo um programa mais definido e crítico às estruturas do capital, também colocando o debate climático como centro do seu programa.

4- Por uma UNE democrática e plural

Não é possível que o principal congresso de estudantes do Brasil seja definido pelo tamanho grau de distorções que vemos atualmente no CONUNE. Das entidades artificiais, às regras draconianas e até mesmo às fraudes abertas, muito foi feito para a distorção do cenário do congresso. É preciso refletir como a UNE pode ser um reflexo mais real da realidade dos estudantes e do movimento estudantil e não a imposição de uma maioria política. Nisso, temos o espaço para construção de ações unitárias a todos que não praticam, rejeitam e combatem esses métodos.

5- 11A – um dia fundamental para dar o gás necessário ao movimento estudantil

A centralidade da disputa contra o NEM já foi colocada em todo nosso texto. Se trata da disputa do que será a educação e até mesmo o mundo do trabalho nas próximas décadas. Precisamos construir um calendário de lutas capaz de derrotar esse modelo de ensino. Por isso achamos que a UNE precisa puxar um forte 11 de Agosto contra o NEM para dar força e peso às mobilizações estudantis. É preciso retomar às ruas para defender uma educação verdadeiramente pública – isso só será feito com um calendário que precisa partir desse congresso.


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