Na última sexta-feira o Hip Hop completou seu aniversário de 50 anos. O dia estava lindo! Era evento com apoio de prefeituras pra cá, era presença da nossa cultura na grande mídia nacional e internacional pra lá, até mesmo o vice-presidente do Brasil “tirando o boné” para o Hip Hop essa data nos rendeu. Aqui no Paraná, no ano que marca o meio século de luta e organização do Hip Hop, tivemos a aprovação das Batalhas de Rima como Patrimônio Cultural Imaterial do estado.

Parece que tá tudo uma uva né? Enfim a favela venceu, correto?

Em 2022 tivemos uma exposição dos grafiteiros Os Gêmeos no Museu Oscar Niemeyer (Curitiba), foi uma exposição extremamente potente e que gerou uma enorme movimentação de debates na mídia, especialmente pela intervenção na fachada do museu, que provocou debates e fez colidir a perspectiva de uma elite local profundamente conservadora (e anti Hip Hop) e outra parte da elite local que defendia a incorporação das diferentes artes do Hip Hop no circuito artístico local. O prestígio internacional dos artistas foi o que ocasionou o atual prefeito de Curitiba, Rafael Greca, de aplaudir a intervenção na fachada, mesmo o prefeito sendo reconhecido pela cena local como um inimigo da arte de rua. Não são poucos os grafites na cidade “cinzados” e apagados pela prefeitura, mesmo os murais pintados em viadutos e outros espaços públicos (produzidos com apoio da fundação cultural da cidade) são “repaginados” nessa gestão atual através do apagamento e a negação do diálogo com artistas locais. Não se busca uma renovação e a incorporação do grafite na paisagem urbana, a menos que você tenha prestígio e reconhecimento por quem ainda controla os instrumentos de produção cultural na cidade. O grafite pode entrar no museu (e não sem resistência), mas qualquer artista do grafite é barrado ou seguido por seguranças e pela policia se não se encaixar nos padrões da elite cultural curitibana, ainda mais se vier de uma periferia e especialmente se for negro ou negra.

Hoje por hoje o Grafite, o Break, o DJing e até mesmo parte do Rap, são incorporados pela grande mídia, mostrando a potência da criatividade do povo trabalhador e periférico, que fundou, adaptou e criou um movimento, de Hip Hop nacional, dos mais potentes no mundo. A arte que vem da quebrada hoje movimenta milhões e milhões no mercado cultural, temos artistas do Brasil que são referências internacionais com suas produções, temos avançado no reconhecimento do Hip Hop enquanto patrimônio cultural das periferias do Brasil, ainda assim todo avanço que reforma esse sistema não aboli completamente a opressão, exploração e violência que vivemos no cotidiano de nossa vida nas comunidades e também na nossa produção cultural.

Saímos de um país que tinha como política a posição única do enfrentamento: De um ministério público que abre inquéritos contra artistas do Hip Hop, na tentativa de criminalizar quem utilizasse a arte como denúncia e como protesto, a política das polícias e guardas de realizar batidas frequentes em bailes, festas e eventos culturais, onde destruíam equipamentos, apreendiam e ameaçavam as organizações e organizadores.

Hoje a política do país continua sendo o do enfrentamento para todos e todas que são a base do movimento, nas periferias, nas quebradas e favelas, mas também hoje se abrem editais, tomba-se em câmaras legislativas as artes do Hip Hop enquanto patrimônio, incorporam nos mercados e geram lucro através da exploração do trabalho cultural, incorporando também quem for mais palatável para a parte mais progressista da elite.

O movimento Hip Hop continua avançando para cima do sistema. O sistema, por sua vez, tem tido como estratégia atual a adaptação, não é atoa que hoje a juventude periférica também encara o Hip Hop enquanto possibilidade de ascensão social, uma tentativa de transformação da sua realidade através do trabalho, da produção cultural e da arte.

Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e atual vice-presidente do Brasil, “tirar o boné” para o Hip Hop nos demonstra que a cultura tem chegado longe, pois esse mesmo Geraldo Alckmin é um conhecido inimigo das periferias, comandou uma PM opressora e violenta, que fez despejos em comunidades e favelas pelo interesse no lucro de grandes empresas, além disso sob seu comando a PM de São Paulo reprimiu inúmeros eventos de Hip Hop, matou pessoas e artistas.

Realmente acreditamos que Rafael Greca e Geraldo Alckmin, assim como tantos outros políticos, que fizeram governos voltados para as elites e que negaram às periferias direitos básicos e humanos, comemoram o aniversário de 50 anos do Hip Hop por respeito e não por interesse?

Em 2023 na câmara municipal de Curitiba o Vereador Eder Borges (PP) fez comentários racistas e tentou vincular o movimento Hip Hop a criminalidade, tática recorrente do sistema que busca criminalizar a periferia que se organiza na busca por direitos, que constrói cultura e política nos territórios. Eder Borges é a cara sem máscara da elite que olha para a favela e vê inimigos (e não tem receio de assumir tal posição), Geraldo Alckmin e Rafael Greca, por sua vez, apesar de na política concreta apresentarem os mesmos interesses, se fantasiam de apoiadores do movimento.

A nossa cultura, enfim, tem vencido e ascendido, mas talvez tenhamos esquecido de avisar o favelado que trabalha de segunda a sábado em outros trampos pra bancar a produção cultural que é tão bem recebida agora pelo sistema. Esquecemos de avisar a juventude periférica que, ao se reunir em campos, praças e pistas públicas para organizar batalhas de rima e fazer crescer o movimento Hip Hop, continua sendo vista como “suspeita” ou como “ameaça à ordem”. No Paraná, mesmo que declaradas Patrimônio Cultural Imaterial do estado, quem vai para as batalhas culturais de rima está cansado de (vi)ver a opressão policial no movimento, com as apreensões de caixas de som e equipamentos, com batidas e revistas em geral, com a apreensão e tentativa de criminalização da juventude que se coloca para ocupar os espaços públicos, tudo isso sendo mais recorrente e violento nas periferias mais afastadas dos centros urbanos.

Nossas artes por vezes são acolhidas, mas nós não somos bem vindos nem bem vindas para produzi-las, quem controla as grandes gravadoras, quem faz curadoria em museus e galerias, quem controla os editais, quem organiza os grandes eventos, nenhum desses passa o que as bases do movimento passam diariamente, e a ascensão social que acreditamos obter a partir do “sucesso” nunca abala as estruturas que nos marginalizam.

É aquelas: Para alguém estar no topo alguém tem que ser base e a favela vencer é só ilusão, enquanto a favela não for o espaço de decisão política e o favelado estiver sendo criminalizado e assassinado.

O Hip Hop fez aniversário, é nossa vitória! Esse aniversário é às custas do nosso sangue, lágrimas e suor, mas e daqui 50 anos? Quem daqui vai estar vivo para comemorar? Muitos jovens que hoje são a base da cultura não vão estar.

Por isso que o Hip Hop que eu acredito e construo é um Hip Hop de favela, feito para ela e por ela.

Vamos comemorar, receber os aplausos e apoio, mas vamos também estar com os punhos erguidos e preparados para lutar pelo que é nosso, porque ou sobe todo mundo ou não sobe ninguém.

Para finalizar vai um trechinho de uma poesia minha:

E essa aqui é só pra quem sabe!

“…A polícia entra aqui e a favela chora o que?
Sangue, sangue

80 tiros é o que separa o militar do militante
E o que vocês querem ver?
Nossa arte!
Não o nosso sangue!

Parem com o sangue nosso de cada dia
Nos deixem com o pão e com nossa poesia
Pique revolução, que o povo abençoe a luta
E que nossos e nossas artistas não esqueçam do nosso luto
E não esqueçam de lutar

Estamos na mesma trincheira
Contra o mesmo inimigo

Nossa tarefa é viver
Para revolucionar”.

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