O que tem feito o DCE da UFRN para a luta das mulheres na universidade?
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O que tem feito o DCE da UFRN para a luta das mulheres na universidade?

Convocamos o DCE da UFRN a fomentar um debate público com toda a base estudantil sobre a violência política de gênero, para que não somente possamos aprender coletivamente o que isso realmente significa num país em que Marielle Franco foi assassinada a tiros, mas também discutir quais rumos queremos para o movimento feminista da nossa universidade.

Laura Ravana e Letícia Corrêa 23 ago 2023, 12:36

Nesta terça-feira (22/08), o Diretório Central dos Estudantes da UFRN, dirigido pelas juventudes do PT e PCdoB, publicou em suas redes sociais a carta aberta “a violência e perseguição contra mulheres não será tolerada”, que levanta graves acusações contra o campo da oposição de esquerda e demais setores do movimento estudantil que adota uma postura crítica frente às movimentações da entidade. Antes de qualquer coisa, gostaríamos de abrir essa discussão afirmando que não toleramos ou compactuamos com métodos sectaristas, machistas ou misóginos, de disputa no movimento estudantil. Enquanto uma organização dirigida no RN por mulheres, temos uma responsabilidade histórica, inclusive para com nossas militantes, da construção de um horizonte onde possamos atuar politicamente de maneira segura e longe de violências. 

  1. Sobre o personalismo:

O debate das pautas ditas “identitárias”, como o feminismo, e o seu papel em conjunturas gerais, nesse caso o movimento estudantil universitário, ganhou felizmente no último período um grande foco, ainda que seja passível de distorções do seu sentido fundante. De um lado, uma visão estreita de que essas pautas devem ser suprimidas para engrandecimento da luta econômica, e, de outro, um discurso descolado da realidade de que gênero deve vir antes da classe e da raça. Acreditamos que essas pautas não estão separadas e desconexas, e, por isso, não faz sentido defender outra posição que não a coesão delas na luta anti-capitalista, longe da concepção onde gênero, raça e classe estão separados ou muito menos onde exista uma hierarquia entre eles, como bem nos fala Angela Davis.

O principal equívoco que recai sob as afirmações postas na nota do DCE, também sendo reproduzidas no canal de comunicação com os CAs, é que não existe uma visão de totalidade quando se fala da pauta feminista, nem mesmo na atuação concreta da entidade quando se trata, por exemplo, do combate ao assédio, batalha incansável das estudantes da UFRN. O que temos visto é um personalismo do debate, que se esconde na suposta acusação de violência de gênero no contexto das críticas gerais que recebem, o que muitas vezes retira o caráter político do próprio feminismo.

O personalismo acaba por promover a despolitização de um debate caríssimo para nós, desde a retirada do contexto de totalidade até a transformação dele em um apelo constante à identidade pessoal, que gire em torno sempre não da emancipação total de gênero, não do fim dos discursos violentos contra todas as mulheres, mas de um ataque individual, preso em torno de uma figura.

A gestão Todas as Vozes recebeu muitas críticas políticas vindas da Oposição de Esquerda no último período, algo normal num movimento tão grande quanto o ME na UFRN, e na grande maioria das vezes, respondeu às essas críticas como um ataque direto às figuras das três Coordenadoras Gerais, desrespeitando não só o direito ao livre debate de como o maior DCE do Rio Grande do Norte atua, ou se omite em alguns casos, na direção do movimento estudantil potiguar, como também a atuação das outras 26 cadeiras que fazem parte da gestão e parecem estar irresponsabilizadas desse debate.  Além disso, o mais grave: se utilizou da pauta feminista para distorcer as críticas direcionadas a gestão, impedindo o debate politico sério com os estudantes e Centros Acadêmicos. 

Há de se ter responsabilidade e compromisso com lutas tão fundamentais para nós. É inadmissível tamanha instrumentalização para esquivar a atual gestão do DCE do balanço real que as bases do ME estão fazendo. É justo que quando ocorram casos de violência moral e política sejam prontamente denunciados e repudiados. Foi por isso que imediatamente prestamos nossa solidariedade quando presenciamos situações cujo método de disputa discordamos, inclusive dentro de nosso próprio campo, mas não é de hoje que as companheiras absorvem o balanço da gestão, que tem muitas falhas, como violência às coordenadoras mulheres numa clara personalização do debate, até que as críticas se esvaiam e a gestão siga no imobilismo.

Nas palavras de Nancy Fraser:

 “[…] A identidade de grupo suplanta o interesse de classe como o meio principal de mobilização política. A dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural toma o lugar da redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e objetivo da luta política”

  1. Um breve balanço dos primeiros meses de atuação da gestão do PT e PCdoB 

A verdade é que após a posse da Gestão Todas As Vozes, pela primeira vez o DCE da UFRN não esteve presente em um ato pedindo Justiça por Gabriel, jovem negro brutalmente assassinado pela polícia militar do Rio Grande do Norte três anos atrás, pois a gestão optou por estar em atividade sobre juventude negra com o Governo do Estado, também responsável pela morte de Gabriel. 

Também é verdade que em quase 7 dias de mobilização e greve dos terceirizados do Canteiro de Obras da UFRN, que enfrentam péssimas condições de trabalho até hoje, o DCE não publicou nenhuma nota de apoio, mobilizou ou compareceu em plenária auto-organizada desses trabalhadores senão a última, com exatamente dois membros da gestão presentes. Não mobilizou ou divulgou a luta dos indeferimentos em massa que prejudicaram alunos de diversos cursos, em especial os de BTI do IMD. 

Não soltou uma arte sequer sobre Mãe Bernadete, líder quilombola brutalmente assassinada a tiros em quilombo na Bahia, crime que chocou o país todo e agora desaguará em uma jornada de lutas do movimento negro do Brasil, com um primeiro ato nacional marcado para o dia 24 – que o DCE também não se propôs a convocar. 

E mesmo prometendo na campanha eleitoral um Conselho de Entidades de Base na primeira semana do retorno às aulas, o convocou somente para o dia 05/09, daqui a mais ou menos quinze dias, colocando um freio na organização e ascensão de lutas que estão eclodindo pela nossa universidade desde o início da semana passada. Essas críticas não dizem respeito a um ou outro diretor em específico, e sim ao conjunto de diretores e forças políticas que hoje dirigem a entidade e se propõem a dirigir o ME da UFRN. Quem tocou e esteve presente com peso em todas essas lutas foi a Oposição de Esquerda, através de seus movimentos e Centros Acadêmicos.

  Tendo isso dito, a nível de honestidade, precisamos também publicamente registrar que nos últimos meses militantes do próprio Juntos! Potiguar foram vítimas de racismo, misoginia e transfobia, em mais de uma situação, pelos Coordenadores de Pós-Graduação e Meio Ambiente da atual gestão do DCE da UFRN, que não somente seguem na entidade, como participando de absolutamente todos os espaços políticos da universidade sem constrangimento nenhum por parte da majoritária. A política se faz pelo exemplo. Não permitem violência de gênero na construção de movimento estudantil, mas permitem transfóbicos e racistas na construção de uma entidade histórica como a nossa? As situações aqui citadas aconteceram na frente de dezenas de pessoas e também nas redes sociais, e, ainda assim, nenhuma medida disciplinar foi tomada pelas organizações e, menos ainda, esses coordenadores foram afastados ou expulsos da entidade. Já que estamos aqui, exigimos imediatamente a expulsão de ambos da gestão do DCE da UFRN, assim como do movimento estudantil potiguar de maneira geral. Não toleraremos esse nível de hipocrisia e desrespeito para as construções em unidade que traçamos até aqui.

Apenas com uma breve análise ao instagram da entidade, qualquer estudante pode perceber a total ausência de independência estudantil no DCE da UFRN. Não há nenhum registro de passagens em sala debatendo os assuntos que mais importam aos alunos na universidade, nenhuma convocação à organização de nossas pautas e sim, uma série exaustiva de elogios e contribuições ao governismo do PT e, de maneira lateral, o estreitamento cego de reuniões com a reitoria da nossa universidade. Na última postagem, por exemplo, a gestão comemora a entrega de um manifesto ao MEC, cujo conteúdo não foi debatido entre os estudantes da UFRN e sequer foi compartilhado publicamente, e posam sorrindo junto à Camilo Santana, um dos responsáveis pela não revogação da Nova Reforma do Ensino Médio e que, honestamente, merecia uma recepção em formato de protesto vinda dos estudantes potiguares. O DCE não pode seguir sendo apenas uma correia de transmissão do que pensam os governos estadual e federal! 

  1. Como construir uma agenda feminista real na UFRN 

Acreditamos e defendemos a auto-organização das mulheres de nossa universidade e a luta em unidade na construção de um novo horizonte. A UFRN tem diversos problemas relacionados à segurança de gênero, desde mais estruturais, como os problemas de iluminação em setores afastados e sub-notificação de denúncias, até os mais políticos, como o acobertamento institucional dos assediadores. Nessa perspectiva, dar prosseguimento a uma agenda feminista real é fundamental para fortalecimento e proteção das nossas estudantes. Enquanto a Oposição de Esquerda dirigiu o DCE da UFRN, aprovamos no CONSAD, durante a pandemia, o Auxílio Menstrual para as mulheres em vulnerabilidade da nossa universidade, como resposta à política bolsonarista de proibição de distribuição gratuita de absorventes. Um ano atrás, estávamos em protesto no CONSUNI denunciando a omissão da universidade quanto aos casos de assédio, após as denúncias protagonizadas pela Escola de Música, que desaguaram também nas denúncias acerca dos arquivamentos em massa de processos. E, além disso, utilizamos as redes do DCE para não somente dar amparo e proteção às vítimas de violência de gênero, mas as colocamos à disposição enquanto megafone organizador de nossas lutas, que ecoaram por toda a universidade. Foram diversos os atos em diversos os setores, foram diversas as atividades e rodas de conversa, e é esse compromisso que a atual gestão precisa assumir com o movimento feminista, em especial com a negritude. 

Enquanto militantes negras, nos cabe também destacar a ausência da política para as mulheres negras da nossa universidade. Somos as que recebem os menores salários, que pagam mais tributo ao estado e que, em síntese, estão na base da divisão estrutural da nossa sociedade, tendo isso refletido inclusive na universidade. Não foram poucos também os casos de racismo contra mulheres negras nos últimos anos e a ausência da Gestão Todas As Vozes nesse debate, além da omissão perante a legalização das drogas, desmilitarização da polícia e casos de violência policial no geral (certamente pela ligação com Fátima Bezerra, governadora do PT no RN, cuja policia é extremamente violenta), é sintoma de uma política de embranquecimento das nossas pautas que não nos representa. 

O Movimento Juntos é dirigido por mulheres no RN e majoritariamente dirigido por mulheres também nacionalmente. Por isso, nos sentimos convocadas a responder às acusações generalistas, despolitizadas e oportunistas da majoritária que, de maneira desproporcional, recaíram sobre toda a Oposição de Esquerda, inclusive a nós, que nunca endossamos nenhum tipo de comportamento violento com as companheiras, pelo contrário, fomos vítimas mais de uma vez e, ainda assim, apostamos na superação desses problemas na esperança da construção de um movimento estudantil onde possamos, apesar das diferenças programáticas, atuar em unidade na defesa da educação e de nossas vidas. 

Convocamos o DCE da UFRN a fomentar um debate público com toda a base estudantil sobre a violência política de gênero, para que não somente possamos aprender coletivamente o que isso realmente significa num país em que Marielle Franco foi assassinada a tiros, mas também discutir quais rumos queremos para o movimento feminista da nossa universidade. 


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