Construindo um futuro com nossas vozes: por outros dias para nossas crianças
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Construindo um futuro com nossas vozes: por outros dias para nossas crianças

Sobre os desafios na luta antirracista contra a violência policial

O racismo é parte de nossa estrutura social, molda o funcionamento do Estado burguês branco, que também faz uso dessa ferramenta para aniquilar corpos negros em todos os âmbitos. A população negra é condicionada à precarização da vida. A partir do momento em que a sociedade faz a leitura de que aquele indivíduo é negro, ele começa a ser bombardedo de estímulos negativos, de traumas, de violências, que afetam nossa saúde mental e física, nossa condição social, nosso acesso a alguns serviços. Em outras palavras, o negro é alertado todos os dias de que o seu corpo não é bem vindo em nenhum espaço. A gente presencia todo dia a população negra sendo morta, agredida, xingada, maltratada e internamente, passamos a normalizar essa situação. Todos nós. Muitos acreditam firmemente que as ações da polícia não possuem intenções racistas ou até mesmo defendem que neste país não há racismo. Esse discurso vem de um longo período histórico marcado, inicialmente, pela escravização de corpos negros e, após a abolição, a exploração capitalista sobre corpos negros, que compõem a base de sustentação desse sistema que precariza a vida de muitos, especialmente a população negra. 

Levando em consideração a mídia burguesa, imperialista e higienista, que vive historicamente das falsas e forçadas construções de identidade nacional, como o mito da democracia racial, pode-se observar como a sua cobertura de casos envolvendo trágicas “operações policiais” nas favelas é dada de maneira sensacionalista e tendenciosa. O sensacionalismo e os sentidos políticos de seus noticiários policiais, são, não apenas, representações da violência de Estado, mas também reguladores do comportamento dos agentes de segurança pública e privada e também instrumento de alienação da população, a fim de esconder o projeto político por trás de todas essas camadas: o racismo estrutural. A gente está falando de uma elite branca que ainda utilizam as principais instituições para realizar a manutenção do racismo, a fim de permanecer no poder. Temos que ter em mente que a branquitude promove a própria manutenção dos seus privilégios, embora não seja algo, talvez, muito refletido internamente na consciência das pessoas brancas. E se é essa população quem mais ocupa cargos de decisão de poder, não resta dúvidas de que a política de todos os setores vai servir para aniquilar pessoas negras. 

Isso inclui a polícia militar, com seus requintes de crueldade e impunidade, defendendo honras pessoais e usando de escudo a tal guerra às drogas, modelo este já falido nos dados analisados nos países o qual adotaram, sem resolução do tráfico e matando jovens caracterizados como bandidos apenas por causa de seu endereço e cor da pele. Quem mora nas favelas e periferias, sabe bem como é diferente qualquer ronda, incursão ou abordagem policial nos seus bairros em relação aos bairros elitizados. A abordagem difere de acordo com o CEP. O camburão só entra danificando carro e moto nas vielas das favelas. Em bairro de rico, chegam de cabeça baixa falando “sim, senhor”. Só entra “atirando na cabecinha” quando entra na favela. A gente não aguenta mais ver tantas notícias como essas na mídia. São injustiças expostas de forma tão dura, cumprindo um papel de alienação, para vender uma narrativa racista sobre as operações policiais, que muita gente reproduz. 

Por outro lado, o poder burguês enquanto acúmulo de decisões, conhecimento, concentração de riqueza e propriedade, promove uma desigualdade social cada vez mais profunda, a partir de um modus operandi do capitalismo de dependência, vivido pelos países da América Latina, por exemplo. Especialmente no caso do Brasil, a disputa de correlação de forças sempre apresenta a corda arrebentada para o nosso lado e faz com que a população alimente um sentimento de inferioridade por si mesmo, diminuindo sua própria cultura, enaltecendo apenas a história contada pela Europa sobre o Brasil, aceitando a condição de submissão influenciada, historicamente, pela colonização e o imperialismo estadunidense sobre os países latino-americanos. Ideia esta que compõem as grades curriculares das escolas e das universidades e que produzem no senso comum a noção de que o racismo não existe no Brasil, que se tornam argumentos na mão da extrema-direita para continuar uma política de extermínio de pessoas negras, com a desculpa de que a polícia está só “fazendo o seu trabalho” promovendo a “segurança” pública. 

Promove-se uma ideia de que se o indivíduo está na mira da bala é porque algo de errado fez. Essa lógica é reproduzida nas formações dos policiais e no cotidiano de trabalho deles, além de estar na boca do povo. Presenciamos diversas chacinas, como a do Acari (1990), a Chacina da Candelária e a de Vigário Geral (1993). Mais recentemente, também tivemos a Chacina do Jacarezinho (2021) e Chacina do Salgueiro (2021), uma das mais letais da história do Rio de Janeiro, e até algumas mais recentes, como a do Guarujá e muitas outras pelo Brasil. Os governos da Bahia de Jeronimo Silva, São Paulo de Tarcísio de Freitas e Rio de Janeiro de Claúdio Castro tem executado ações policiais com características que se assemelham: chacinas nas favelas, brutalidade dos agentes, inconclusão de inquérito sobre os casos que dê sentido à motivação das abordagens e uma impunidade dos agentes que só são questionados enquanto estão na mira das lentes da mídia. 

Este é o tratamento que o estado capitalista tem com a juventude negra, e deixa notável a falência do entendimento de que podemos coexistir nesse sistema de exploração da nossa força, sangue e ideias. Frases que tratam a morte do outro como salvação da nossa pátria, que estão destruindo nossas crianças, são frases mentirosas e genocidas. Pois não estamos resolvendo problema nenhum de segurança pública e sim, reforçando o que o Estado brasileiro faz com nossas vidas, que é negociá-las. Estão ceifando a existência, a cultura dos corpos pretos e favelados em favor do lucro descontrolado dos mais ricos. Falar sobre genocidio da juventude negra e indígena é falar sobre projeto de morte, enfeitado de segurança pública. É importante destacar que esse projeto não existe de hoje, ele é histórico!

Poder econômico em função do projeto de morte da população negra

Este poder tem a racialidade como ferramenta central para sua manutenção e permanência. Instituído pela ideologia neoliberal estamos a postos para um mercado que busca configurar até nossa educação em função de seus interesses. Como diz o doutor Silvio Almeida em seus escritos sobre racismo estrutural, a modernização das relações humanas diz que estamos entre pessoas providas de direitos e para esta relação ser mediada é necessário um Estado neutro. Mas como? É a questão. Como, se  os espaços de poder e decisão referentes à caracterização social do bem e do mal, do certo e errado, são enraizados em disputas violentas de colonização e desumanização da maior parte da população brasileira? 

Temos uma democracia ditada pelas noções de poder e liberdade diretamente relacionadas com a cor da pele e a cultura com a qual o indivíduo se identifica. Representado pela Polícia Militar e o Exército, dão continuidade à tarefa social de moralidade, que expressa as aspirações de controle social e racial das culturas que compõem a nossa República. É necessário repensar nossa segurança pública, repensar o combate ao chamado crime organizado, repensar a política de criminalização das drogas e a militarização das polícias. Precisamos ser capazes de propor um outro tipo de política econômica, de pensamento social, filosófico e científico. Nesse sentido, o Coletivo Juntos! cumpre um papel fundamental nessa luta, defendendo a descriminalização das drogas, promovendo debates sobre o tráfico de drogas sem tabu, sem receios, apresentando para a população uma alternativa sem mortes. Nós precisamos continuar pressionando para que o uso de câmeras nos uniformes seja posto em prática e executado corretamente e continuar exigindo que o governo federal se posicione com responsabilidade sobre esses casos. 

Vale ressaltar que a Bahia é o estado que mais mata pelas mãos da polícia e é governado pelo Partido dos Trabalhadores. Portanto, cobrar uma resposta da atual presidência é o nosso dever! Cobrar um maior comprometimento com a luta antirracista, com a vida das pessoas negras, indígenas e do campo, que estão tendo seus corpos atravessados por balas todo dia. É preciso pensar alternativas para aniquilar os grupos milicianos que dominam o Rio de Janeiro e que contribuem para estabelecer o medo na população, o aumento da violência e da criminalidade, incorporados na Polícia Militar devido a presença de alguns policiais nesses esquemas. E, também, que ceifa a vida de muitos jovens negros que são mortos ou ficam desaparecidos, como acontece na Baixada fluminense do Rio de Janeiro. 

No útimo dia 24/08, o movimento negro e diversos grupos políticos foram às ruas para exigir o fim dessa violência policial, mas para além disso, é necessário expor todo o cenário de reprodução do racismo no qual nós, pessoas negras, estamos inseridas. Quando não acessamos um serviço de saúde, quando não conseguimos sair de nossas cidades pela falta de transporte, quando somos empurrados para a informalidade, quando mulheres negras sofrem violência obstétrica, quando atiram em crianças e em mulher grávida, quando operações policiais interrompem aulas, quando entram em escolas armados e atiram em pessoas na frente de crianças. Todo esse conjunto de atrocidades demonstram que o racismo no Brasil não só existe sim, como também é um projeto político de extermínio que hoje tem sido articulado principalmente pela extrema-direita e os setores que a compõe. 

Segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, de 2012 a 2021, 1.368 crianças e jovens de até 19 anos foram mortos pelo braço armado do estado do Rio de Janeiro. Com a justificativa da guerra às drogas, historicamente a violência policial vem interrompendo vidas nas favelas e mostrando que as ditas “operações policiais” não são casos isolados. Ágatha Félix. Thiago Menezes. João Pedro. Eloah. Moacir Junior. Mãe Bernadete. Esses são alguns dos nomes de vítimas que ainda estão frescos em nossa memória e luta por justiça. Atualmente os governadores Claúdio Castro e Tarcisio de Freitas são os principais responsáveis pelo avanço e naturalização dessa política de mortes, que também é a que mais mata policiais, em sua maioria negros e pobres. O genocídio sistematizado do povo negro é parte também de uma agenda eleitoral da extrema direita para disputar a sociedade a respeito de qual política de segurança pública deve ser implementada, onde a normalização do extermínio dos corpos negros e favelados é colocada como uma prioridade escourada no racismo para ganhar e aumentar intenções de votos.

No entanto, não basta apenas denunciarmos o que vem sendo orquestrado por Claúdio Castro e a extrema direita como fim para o povo negro. É urgente construirmos um levante antirracista nacionalmente frente a política de genocídio da juventude negra aplicada nas favelas e uma política ofensiva aos governos das chacinas. Para isso, no Rio de Janeiro, é fundamental exigir o Impeachment de Cláudio Castro como uma primeira resposta concreta e imediata, bem como o Fora Tarcísio. Não podemos aceitar que as nossas vidas sejam ceifadas. Transformar nosso luto em indignação é uma questão de sobrevivência. 

Além disso, é preciso coragem na política econômica, colocando como prioridade do orçamento e da receita do país, o investimento público nos serviços públicos, para garantir uma educação de qualidade e o acesso da população negra ao ensino básico e superior, bem como apresente soluções para as dificuldades enfrentadas pelas populações negras e indígenas nas periferias, como o saneamento básico, geração de emprego e transporte público. Por isso, afirmamos que o compromisso da esquerda precisa ser de lutar por uma política socialista, lutar pela Revogação do Novo Ensino Médio e contra o Arcabouço Fiscal, para que seja possível apresentar novos horizontes para a população negra também. Foi uma importante vitória a manutenção da Lei de Cotas, mas é preciso ampliar as políticas de permanência através da recomposição orçamentária das universidades. Além disso, é fundamental investir no aumento do salário mínimo para garantir dignidade na vida da classe trabalhadora, composta majoritariamente por pessoas não-brancas. 

A polícia militar precisa saber bem mais do que diferenciar quem é bandido e quem não é, como o presidente Lula discursou recentemente. Pois sabemos que esta continua sendo o principal argumento da instituição para justificar as chacinas e as operações violentas. É preciso investir em uma educação de qualidade, nos serviços públicos, na manutenção das políticas de permanência e assistência estudantil, na geração de emprego e na descriminalização das drogas. Esse é o caminho quando o objetivo é dar um fim ao extermínio da população negra. Morremos cravejados de bala, mas também tentam nos matar limitando nossa existência, oferecendo condições de vida precárias e infelizes. Portanto, é um dever da esquerda, especialmente do PSOL, de dialogar com a maioria social e apresentar uma alternativa política anticapitalista, que priorize a vida, a felicidade, o fim das desigualdades e das violências. 

Nós, população negra, estamos de maneira generalizada ainda longe do ideal, dos espaços de decisão e discussão sobre as políticas necessárias para avançarmos no fim do racismo, é preciso toda uma reestruturação da nossa sociedade e do modo de produzir. Mas estamos avançando, as sementes de Marielle e de muitos outros ancestrais que lutaram pelo nosso povo, estão germinando e gerando novos frutos. Uma juventude com total capacidade de movimentar a política, de ocupar espaços de poder e de realizar transformação social. Tomemos como inspiração as culturas de África, que trazem como princípio a coletividade em prol do fortalecimento de todos, já que o  neoliberalismo ocidental tem a disputa como princípio democrático. Essa nunca foi nossa ideia de família/comunidade, então saibamos apresentar novas ideias a uma maioria social que está sendo cooptada por um discurso de ódio que mata seus filhos, netos, sobrinhos, seja de exaustão, doença ou tiro. 

Nós resistimos. Estamos nas disputas, conseguimos derrotar o bolsonarismo e o seu projeto genocida nas urnas, mas ainda há muito trabalho pela frente para barrar o avanço da extrema-direita. Por esse motivo, não podemos aceitar um governo que se diz de esquerda, seguir em frente com essa mesma política de extermínio e de precarização da vida, sem propor medidas radicais para manutenção dos direitos da classe trabalhadora que foram atropelados nos últimos anos. É isso que a juventude negra do Juntos! tem pautado e não iremos nos calar enquanto ainda estiverem matando os nossos. Impeachment de Claúdio Castro já! Fora Tarcísio! Contra a violência policial! Parem de nos matar!


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