México: “Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo!”
Nos cartazes, nos memes, nas palavras de ordem, nos tweets, nas intervenções artísticas, a denúncia é uníssona: o sangue da juventude mexicana escorre pelas mãos dos políticos do país. E isso já não é mais suportável.
*Charles Rosa
“Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo”
Emiliano Zapata
“A dónde van los desaparecidos
busca en el agua y en los matorrales
y por qué es que se desaparecen
por qué no todos somos iguales
y cuándo vuelve el desaparecido
cada vez que lo trae el pensamiento
cómo se le habla al desaparecido
con la emoción apretando por dentro”
(Trecho da canção “Desapariciones”, Maná)
“Fue el Estado! Fue el Estado!”
Cartaz na marcha em vigília pelos estudantes
Desde o dia 26 de setembro, quarenta e três estudantes da Escola Normal Rural ‘Isidro Burgos” gritam. Foram e continuam desaparecidos pelo Estado mexicano e pelo cartel Guerreros Unidos, mas mesmo assim gritam. Se não diretamente, gritam por intermédio de milhares de mexicanos que diariamente (há 6 semanas) vêm saindo às ruas, ocupando praças, paralisando escolas e universidades, interrompendo estradas, incendiando palácios, ocupando pedágios, derrubando governantes, agitando as redes sociais do México. Nos cartazes, nos memes, nas palavras de ordem, nos tweets, nas intervenções artísticas, a denúncia é uníssona: o sangue da juventude mexicana escorre pelas mãos dos políticos do país. E isso já não é mais suportável.
De fato, viver no México, quando se nasce pobre, é mais perigoso do que na média dos países de capitalismo periférico. Os pobres de lá como os daqui sentem na pele a guerra que lhes foi declarada há bastante tempo, sob o pretexto de Guerra às Drogas. Os últimos 8 anos produziram mais de 120 mil assassinatos reconhecidos oficialmente sem maiores esclarecimentos e mais de 60 mil desaparecimentos obscuros. Desde 2010, foram registradas 7 mil denúncias de tortura contra agentes públicos. Desde sempre, a impunidade para qualquer crime atinge patamares acima de 95%. E isto é o que falam as estatísticas. Segundo dados de 2014, 93,8% dos delitos não se denunciam, em sua maioria, por desconfiança em relação à autoridade, nos cabendo imaginar quantas violações de direitos humanos ocorrem neste exato momento no território mexicano. Assassinatos seletivos de quem os incomoda, emboscadas, tiroteios, atentados com carros-bomba e bloqueios de rodovia são a normalidade do México. Os corpos mutilados, crivados de balas ou decapitados são deixados em espaços públicos para mostrar o poder dos cartéis de matar sem consciência nem consequência. Não é de se espantar, portanto, as comunidades rurais que se armam para se autodefender tanto do narcotráfico quanto das forças de segurança, que no fundo remam para o mesmo lado.
Uma grande tragédia social patrocinada pelas estruturas políticas do país e que vem se consolidando com o modelo neoliberal de reprodução e acumulação de riquezas. As polícias municipais, o sistema judicial , os partidos políticos, as milícias armadas constituem a “mafiocracia” que garante o funcionamento das engrenagens do narcotráfico. Este ramo da economia mexicana movimenta anualmente 40 bilhões de dólares, que passam pelos bancos estadunidenses (parcela modesta do PIB mexicano, 3,5%, a bem da verdade) até chegar nas cirandas dos grandes cassinos financeiros do mundo, fortemente vinculado com o empresariado de diversos setores da economia e as das finanças em praticamente todas as regiões do país. Isso sem pagar um centavo de imposto. Neste novelo de interesses, a corrupção e a impunidade são mecanismos estatais de gerenciamento da aliança clientelista das diferentes oligarquias, seja a oligarquia dos rentistas, seja a oligarquia dos chefões do narcotráfico, seja a a oligarquia de todos partidos políticos no México.
Enquanto isso, o desemprego juvenil (os jovens representam 32% da população total) cresceu 40% em 5 anos, incrementando o exército de recrutamento dos cartéis e a mão-de-obra super-precarizada das indústrias mexicanas. Convém lembrar que o estado de Guerrero, que conta com joias turísticas como Acapulco e Ixtapa Zihuatanejo, abriga também os municípios mais pobres do país, com níveis de miséria equivalentes a países africanos como o Mali ou Maláui, segundo relatórios da ONU.
Hoje a revolta generalizada é canalizada contra o governo de Enrique Peña Nieto (PRI). O anúncio do procurador-geral da República do México (uma espécie de Ministro da Justiça), Jesús Murillo Karam, em coletiva de imprensa, de que os jovens estudantes desaparecidos em Iguala foram assassinados e de que estava cansado dos trabalhos investigativos pode ser interpretado como a certidão de óbito da legitimidade do governo de EPN e da concertação partidária que o sustenta. Além de pairar fortes suspeitas de fraude na eleição de 2012 e de ter apenas 38% dos votos totais, o seu primeiro ano de administração foi pior que os dois últimos de Felipe Calderón. Houve mais sequestros no primeiro ano de Peña Nieto que em qualquer um dos seis de Calderón. Em 2013 houve 10,7 milhões de lares que sofreram algum delito (33.9% da população). Mas o pior de tudo, é a sua completa insensibilidade frente às carnificinas. Se não bastasse a má condução do caso, neste instante, enquanto um grupo de manifestantes tenta colocar fogo na porta do Palácio presidencial, Peña Nieto viaja “a negócios” na China. Atitude lamentável, mas coerente com um governo, cujo um dos membros declarou recentemente que o Estado tinha assuntos mais importantes para tratar do que o “feminicídio” de Ciudad Juarez que aumentou 40% desde 2006… Por outra parte, a oposição institucional não fica atrás. O PRD albergava nos seus quadros o ex-prefeito de Iguala (chefão dos Guerreros Unidos) e o ex-governador de Guerrero (comprovadamente cúmplice da matança).
O fato é que os últimos 45 dias entraram dramaticamente para a história do México. O sentimento de “Que se vayan todos” ganha corpo à medida que os cidadãos vão se mobilizando. O questionamento ao atual establishment é forte e o cenário político muito diferente de alguns meses atrás quando, por exemplo, se passaram propostas de mais privatizações no Congresso Nacional. Para o dia 20 de novembro, os trabalhadores articulam uma paralisação nacional reivindicando justiça.
E é por essas razões que os 43 estudantes seguem gritando, vivos ou não. Inspirados no legado revolucionário de guerrilheiros célebres dos anos 1960-1970, como Lucio Cabañas, da escola de Ayotzinapa, eles já estão sendo e serão ainda mais a inspiração para a juventude mexicana seguir lutando para que o México troque a sua “mafiocracia” por uma democracia com real participação popular que zele pelos direitos humanos.
“Desgraciados los pueblos donde la juventud no haga temblar al mundo y los estudiantes se mantengan sumisos ante el tirano”.- Lucio Cabañas.
Abel García Hernández
Abelardo Vázquez Periten
Adán Abrajan de la Cruz
Alexander Mora Venancio
Antonio Santana Maestro
Benjamín Ascencio Bautista
Carlos Iván Ramírez Villarreal
Carlos Lorenzo Hernández Muñoz
César Manuel González Hernández
Christian Alfonso Rodríguez Telumbre
Christian Tomas Colon Garnica
Cutberto Ortiz Ramos
Dorian González Parral
Emiliano Alen Gaspar de la Cruz
Everardo Rodríguez Bello
Felipe Arnulfo Rosas
Giovanni Galindes Guerrero
Israel Caballero Sánchez
Israel Jacinto Lugardo
Jesús Jovany Rodríguez Tlatempa
Jonas Trujillo González
Jorge Álvarez Nava
Jorge Aníbal Cruz Mendoza
Jorge Antonio Tizapa Legideño
Jorge Luis González Parral
José Ángel Campos Cantor
José Ángel Navarrete González
José Eduardo Bartolo Tlatempa
José Luis Luna Torres
Joshvani Guerrero de la Cruz
Julio César López Patolzin
Julio César Ramírez Nava
Leonel Castro Abarca
Luis Ángel Abarca Carrillo
Luis Ángel Francisco Arzola
Magdaleno Rubén Lauro Villegas
Marcial Pablo Baranda
Marco Antonio Gómez Molina
Martín Getsemany Sánchez García
Mauricio Ortega Valerio
Miguel Ángel Hernández Martínez
Miguel Ángel Mendoza Zacarías
Saúl Bruno García
VIVOS SE LOS LLEVARON, VIVOS LOS QUEREMOS
*Charles Rosa é estudante de história e faz parte do Juntos!