O futebol brasileiro conhece o fundo do poço
Precisamos admitir o quanto antes que um dos maiores símbolos da identidade e da cultura do nosso povo corre risco de extinção enquanto tal.
Neste sábado, exibindo um futebol de doer os olhos de quem perdeu tempo assistindo, a Seleção Canarinha bateu asas da Copa América e tão precoce quanto justamente se despediu do Chile.
O tempo passa e das arquibancadas, nós, os infelizes torcedores, abrimos os blogs esportivos com a incômoda sensação de que um “7×1” insiste em renascer diariamente sob diversas facetas: é treinador racista, é cartola envolvido em esquemas milionários de corrupção, é arena gourmetizada vendendo ingressos de ópera, é campeonato desprovido de craques, é time com gosto de sem-gosto. Precisamos admitir o quanto antes que um dos maiores símbolos da identidade e da cultura do nosso povo corre risco de extinção enquanto tal. A intenção desse texto é falar um pouco de cada sintoma já citado e quem sabe achar algumas frestas de luz nesse poço em que arremessaram o nosso futebol
Comecemos com o mais urgente. Dunga, além de burro, é racista. Ponto. Nada de relativismos ou amenidades. Alguém o retire dali o quanto antes. A sua manutenção no cargo que um dia já foi de João Saldanha denota indecência, atraso, obscurantismo. A violência dos capitães-de-mato contra os negros, quer seja no século XVII, XVIII, XIX, XX ou XXI, não pode ser escada para comédia. Esse pensamento nojento e seus porta-vozes racistas devem ser combatidos sem trégua. Não custa lembrar que no fundo da cabeça de todo reacionário pró-encarceramento da juventude negra e pobre sempre há um volume [aparentemente] morto de piadas e frases veiculadas na opinião pública, sob o rótulo de inofensivas.
Mas quem irá levantar o cartão vermelho para Dunga? A CBF? Essa quadrilha de cartolas que comandam a farra da financeirização corrupta da bola, enquanto a esmagadora maioria dos profissionais da chuteira recebem salários de fome? Essa alcateia de Marins, Del Neros, Havelanges, Euricos, proprietários de bancadas nas casas legislativas do país, contas na Suíça e casarões em Miami, e que apesar disso tudo continua a ser recebida pelos chefes de governo como homens sérios? Esses filhotes da ditadura que hoje gerenciam o produto de entretenimento mais lucrativo da TV Globo? Todos sabemos: sono tutti mafiosi. Derrubá-los toca interesses políticos (deem um google imagens com os termos “políticos e cbf”) e econômicos (deem um google pesquisa com “faturamento cbf patrocínios”) que dificilmente temos condições de estimar com exatidão. Daí a importância de se fazê-lo.
Na outra ponta dessa situação indignante estamos nós, os indignados fiéis dessa religião chamada futebol. Fiéis expulsos dos templos (digo, arenas) por motivos de: falta de grana para pagar os dízimos (digo, ingressos), horários esdrúxulos de cultos (digo, jogos), polícia racista perigosamente estruturada para reprimir coletividades massivamente reunidas que fujam da ordem que lhes convém, calendário formulado sem a consulta das nossas opiniões, etc. Em suma, uma religião, cujas condições propiciadas a seus cultuadores são infernais, enquanto os bispos (digo, cartolas) vão para o paraíso (fiscal).
Mas há quem se sacrifique em nome da paixão clubística e vá roer as unhas diante de um “espetacular” futebol mixuruca. As unhas se vão com as lembranças dos bons tempos do nosso futebol. O que vemos constantemente em gramados nacionais são 22 corpos disciplinados militarmente desde muito cedo (muitos deles provavelmente foram submetidos a trabalho infantil, disfarçado de categoria de base, dormiram em alojamentos infestados por ratos e tomaram calotes em vários lugares) disciplinados para serem máquinas de fazerem passes laterais inofensivos, ligações diretas sem muito sentido e compactação sem a bola. Uma correria desvairada cada vez menos artística. Um ópio cada vez menos arrebatador. Um miserável “um” que explica os “sete”.
Pois é. Este é o quadro. Desolador, mas incompleto, porque não falamos ainda das alternativas que estão se desenvolvendo. Como sabemos, a esperança de torcedor nunca morre e o Bom-Senso FC (um dos legados produzidos pelas jornadas de junho de 2013) tem organizado e liderado as nossas esperanças que resistiram. A luta do dia é pela aprovação da MP do Futebol (http://www.mp671.com/), um verdadeiro raio democratizador na gestão desse que é um patrimônio cultural do nosso povo. O caminho da saída do poço passa por aí. Uma revolução na maneira como se estrutura as condições de produção do nosso futebol seguramente ajudará a recuperar a estética tupiniquim de brincar com a bola, estética que um dia possibilitou que o mundo nos chamasse de País do Futebol.