A gente que lute: Sobre a comissão gestora da UBES e os desafios do movimento secundarista
Para muitos de nós, o feriado do primeiro de maio teria sido de muita luta e de encontro de estudantes secundaristas de todo o Brasil.
Para muitos de nós, o feriado do primeiro de maio teria sido de muita luta e de encontro de estudantes secundaristas de todo o Brasil. Nas nossas escolas e grêmios, estávamos nos preparando para o 43º Congresso da UBES, com a certeza de que seria um espaço de reorganização do movimento estudantil para levantar a luta em defesa das escolas. Mas fomos pegos no furação que está sendo a pandemia do COVID-19, que impediu não só o CONUBES, mas também as nossas aulas. Muitos de nós estamos passando por momentos difíceis inclusive para a nossa saúde mental, vivendo na incerteza de como ficará a nossa educação. A incerteza afeta inclusive as nossas famílias, que estão lutando pelo direito à renda básica, e enfrentando os obstáculos burocráticos colocados para dificultar o acesso a esse direito.
Toda essa situação, infelizmente, não impede Bolsonaro e seu governo de continuar atacando a educação, como já vinha fazendo. Inclusive eles buscam novos ataques, como as nomeações de reitores interventores nos IFs, sendo o IFRN (Rio Grande do Norte) e o IFSC (Santa Catarina) os casos mais recentes. Isso é uma chacota com a comunidade acadêmica, que tem o direito de eleger seus representantes. Essas intervenções foram feitas só para colocar substitutos que de fato representem a agenda nefasta do governo, e que felizmente estão sendo barradas, como aconteceu no RN, graças à força do movimento da educação.
A situação chegou ao cúmulo com a decisão do ministro Weintraub de manter o cronograma do Enem em meio à pandemia de COVID-19 e o fechamento das escolas. Essa decisão, que se manteve mesmo com a determinação da Justiça para a sua suspensão, coloca os estudantes mais pobres do país em uma condição ainda mais desigual ao prestarem o vestibular. Vale lembrar que, no começo do ano, o descaso do MEC com o Enem resultou na nota de milhares de estudantes corrigidas de forma errada, impossibilitando a entrada nas universidades. Para completar, o ministro está sendo investigado pelo STF por falas racistas. Esse é o pacote que Weintraub e Bolsonaro querem apresentar: educação, especialmente a superior, para poucos e privilegiados.
Bolsonaro, que busca aplicar o processo de militarização em larga escala nas escolas, hoje pede a reabertura das mesmas, colocando ainda mais em risco a saúde dos estudantes e profissionais da educação, e demonstrando sua incompetência e uma agenda de destruição da educação pública no país. Um governo que desde o início já conta com ministros investigados, e ainda com o título de presidente mais rejeitado em menos tempo. Essa rejeição tem hoje sua expressão com a marca de 54% de apoio do povo brasileiro ao impeachment de Bolsonaro.
As tarefas do movimento secundarista
“A crise da educação no Brasil, não é uma crise, é um projeto”. Essa frase dita por Darcy Ribeiro reflete exatamente a política reacionária e anticiência de Jair Bolsonaro e de seu ministro da educação.
Bolsonaro ataca a educação porque sabe que esta é o motor principal das ideias e dos debates, da pluralidade, do conhecimento científico e ideológico e que é pela educação que seu governo vai cair. A força do movimento estudantil foi a maior ferramenta de oposição ao governo Bolsonaro no ano de 2019, como reconheceu o próprio presidente ao lembrar, no seu pronunciamento, que Weintraub era o seu ministro que “mais apanhava”. Em 2020 os estudantes já mostraram sua indignação em diversos momentos, deixando claro que não deixarão tratar a educação como mercadoria.
A postura de Bolsonaro com a educação é um sintoma do que existe de mais podre do nosso sistema capitalista, impulsionado pelo projeto neoliberal do presidente. Essa política excludente acontece num país que tem uma concentração de renda altíssima, e que só tem aumentado a quantidade de pessoas que vivem na pobreza. Mesmo estando entre as 20 maiores economias do mundo, o Brasil está entre as 10 economias mais desiguais. É por isso que os estudantes mais pobres do país, aquelas e aqueles que moram nas periferias, que moram em áreas rurais, são os que mais sofrem com medidas como a manutenção do calendário do Enem.
Os governadores dos estados, como João Doria em SP e Wilson Witzel no RJ, tentam se colocar como “sensatos” comparados a Bolsonaro, mas a saída que eles mais defendem para a educação nesse momento é a difusão do ensino EAD. Para nós essa medida não tem nenhum cabimento, já que muitos de nós não possuimos acesso à Internet com facilidade, ou um ambiente propício para os estudos em casa. Mais do que uma política ineficiente, a implementação do EAD é um retrocesso na universalização do ensino básico, que foi uma conquista da luta dos estudantes e professores para garantir educação para todos e todas.
Defendemos que nenhum estudante possa ser (ainda mais) prejudicado, e por isso defendemos, como já fizeram outros países, a suspensão do calendário escolar, assim como o adiamento do Enem. É uma barbaridade tratar a educação na lógica da competição, e não como um direito. Está em marcha no nosso país uma luta entre estudantes versus Bolsonaro, a ciência versus o negacionismo. Acreditamos na força do movimento estudantil secundarista, que já foi protagonista de diversas lutas em nosso país, para fazer uma batalha para convencer a maioria da sociedade de que é possível derrotar o governo de Bolsonaro. O conhecimento destrói mitos.
A luta exige uma UBES democrática
No momento atual do país, o movimento estudantil precisa que nós estejamos juntos, mesmo que estejamos separados. Não temos previsão de fim deste momento historicamente específico e dificultoso. É nesse momento em que a direção majoritária da União Brasileira dos Estudantes (UBES) está buscando implementar uma gestão provisória, por conta do vencimento da antiga gestão e da impossibilidade de se eleger uma nova pela via tradicional, que seria o Congresso da UBES.
Nós do Juntos vemos com bons olhos a eleição de uma gestão provisória. Mas o método em que esta gestão está sendo eleita, a toque de caixa e sem a presença da base dos estudantes, prejudica a UBES muito mais do que a fortalece. Para nós, é importante que essa comissão gestora seja ligada à base, e que seja eleita num Conselho Nacional de Entidades Gerais (CONEG) online, com a presença de entidades e grêmios estudantis. Além disso, defendemos que essa comissão gestora tenha, como é costume no movimento estudantil, um caráter diferente de uma gestão normal da entidade. Exatamente porque não temos como promover uma eleição pelo Congresso, essa comissão gestora para nós deve ter a participação, com direito a voto, de todos os coletivos que constróem a UBES. Estamos em defesa de uma UBES mais democrática possível, que possa construir uma verdadeira frente estudantil para organizar a luta em defesa da educação pública.
Precisamos nesse momento buscar a união, e dessa maneira, se faz necessário combater o personalismo e qualquer perfil burocrático. Não podemos e não devemos nesse momento nos fincar em velhos hábitos. Pessoas estão morrendo, nossa educação e nossos direitos estão em jogo com este governo assassino. Precisamos construir abertamente as trincheiras da luta, garantido uma luta forte contra o EAD e pelo adiamento do ENEM. Não queremos falar por pessoas ou ídolos a serem erguidos, mas sim por um coletivo maior que qualquer um de nós.