Futebol e política se misturam?
Uma sociedade desigual, machista, racista e LGBTfóbica não poderia produzir um futebol livre de preconceitos, opressões e desigualdades.
O futebol não está descolado da sociedade. Por isso, é suscetível à conjuntura social vigente. Na verdade, o futebol é uma espécie de retrato dessa: existe uma enorme desigualdade de receitas de times, salário de jogadores, desigualdade no tratamento de gênero e outras formas de desigualdades pouco abordadas. Uma sociedade desigual, machista, racista e LGBTfóbica não poderia produzir um futebol livre de preconceitos, opressões e desigualdades.
Em aproximadamente um século e meio o futebol se tornou o esporte mais popular do planeta e neste período ainda passa por revoluções dentro dos seu sistema. Porém, com o esporte demonstrando suas fragilidades e desigualdades as lutas setoriais ganham espaço em forma de resistência.
Podemos ver, por exemplo, que no Brasil o futebol feminino não nasceu apenas na década de noventa, data de suas primeiras copas do mundo, mas sim em um tempo onde este era proibido, onde as jogadoras eram consideradas fora da lei. A trajetória explica porque no futebol masculino os grandes craques estão usufruindo da sua grana milionária, enquanto no futebol feminino as grandes craques estão militando por mais direitos e igualdades.
As mulheres, além da falta de valorização do seu trabalho, lutam pelo seu reconhecimento. Quem nunca ouviu a frase: “A Marta é o Pelé do futebol feminino”?, mesmo que a jogadora já tenha ultrapassado o rei em número de gols. Em comparação direta, o jogador do Paris Saint-Germain, Neymar, recebe um salário de 36,8 milhões de euros, equivalente a 204,91 milhões de reais. O jogador ainda está envolvidos em diversos escândalos de sonegação de imposto e de machismo. A jogadora do Orlando Pride, Marta, que foi considerada a melhor jogadora do mundo por seis vezes, sendo cinco delas de forma consecutiva, recebe 400 mil dólares, equivalente a quase dois milhões de reais.
Nos espaços locais de futebol, a desigualdade de gênero é ainda mais gritante. Na perspectiva da cidade de Porto Alegre, os principais times precisam avançar muito na valorização do futebol feminino. As meninas não conseguem utilizar os estádios para as disputas de campeonatos, ficando com campos mais distantes e precarizados. As datas de jogos têm que se adaptar ao calendário dos jogos masculinos, tendo seus campeonatos alterados diversas vezes, muitas delas em cima da hora. O valor do ingresso, diferentemente do futebol masculino, é um quilo de alimento não perecível. O pódio, na final dos campeonatos, é uma mesa improvisada.
Os clubes de futebol necessitam criar uma política para as mulheres que vá muito além do uso de imagens para campanhas de dia da mulher, dia das mães e mês de prevenção do câncer de mama, como já estão acostumados. A valorização do trabalho feminino é essencial para que consigamos avançar para a paridade de gênero também nessa instância.
Em um país que o racismo estrutural mata um jovem negro a cada 23 minutos, o racismo dentro dos estádios é também histórico. Os negros e negras foram excluídos de times de futebol diversas vezes. Um grande exemplo disso é a exclusão dos jogadores negros na fundação do Grêmio, de Porto Alegre. Os cargos ocupados por pessoas negras não passava da limpeza e segurança. Os jogadores precisaram migrar para o co-irmão Internacional para poderem ocupar espaços de jogadores profissionais.
Barbosa foi o goleiro da seleção brasileira de 1950 e massacrado e perseguido pelo resto da sua carreira e vida pelo segundo gol marcado pelo Uruguai (Ghiggia) no famoso episódio conhecido como maracanazo. O racismo foi o fator e assim os goleiros negros tiveram uma trajetória complicada nesse período. Os negros estão presentes em campo, mas só. São a grande minoria em cargos como treinadores, dirigentes, presidente de clubes, presidente de federações, presidência da FIFA.
Em um espaço-tempo mais atual, no qual já se teve diversos avanços, o racismo ainda é muito presente no futebol. Dos cânticos das torcidas a xingamentos diretos a jogadores e árbitros. Os profissionais que passam por esses episódios de racismo não possuem o apoio dos clubes muitas vezes. Aqueles que procuram seus direitos na justiça são vistos como maus olhos Um exemplo disso foi o caso de racismo que o Goleiro Aranha sofreu em campo em um jogo de Grêmio x Santos em 2014. O goleiro foi chamado de “macaco” pela torcida e em relato concedido por ele mesmo, disse que os clubes olham com preocupação quando ele está em campo, como se fosse algum problema a vista para o clube.
A luta LGBT também é bem complicada. No Brasil, onde a população LGBT já somava, em 2012, cerca de 18 milhões de pessoas, os clubes insistem em manter essa pauta dentro do armário. Quando o jogador Sheik lançou uma foto em suas redes sociais, dando um selinho no empresário para instigar esse debate no país do futebol, foi atacado com faixas que pediam sua expulsão e o chamavam de “viadinho”. Infelizmente convivemos com a rotina de xingamentos de “jogar como uma bicha” e cânticos LGBTfobicos entre torcidas rivais e destes, o principal “bicha” logo depois que o tiro de meta era cobrado até a FIFA (órgão burocrático envolvido em escândalos enormes de corrupção) começar a punir clubes e federações pelos preconceitos.
A coligay, torcida LGBT do Grêmio, time de Porto Alegre, foi uma organização corajosa, muito a frente de seu tempo. A torcida lutava por respeito nos espaços de futebol, no auge do período dos anos de chumbo. Mesmo assim se tornou chacota e usada como xingamento e forma de desprezo pela torcida rival.
Mas e atualmente, qual o papel do futebol na conjuntura política? Por diversas vezes escutamos que futebol e política não se misturam. A nossa resposta para isso é: muito pelo contrário, os dois se combinam e sempre se misturaram. Por diversas vezes jogadores e jogadoras são porta-vozes e megafones das lutas sociais. E aqui está o maior exemplo da melhor forma de se misturar futebol e política. Na última copa do mundo do futebol feminino, Marta utilizou da sua influência enquanto melhor jogadora do mundo para pedir que o futebol feminino fosse valorizado tal qual o masculino. O ex-árbitro e comentarista Márcio Chagas, atual pré-candidato e vice prefeito de Porto Alegre pelo PSOL, é um expoente da luta antirracista nos espaços de futebol.
E em período de pandemia, o que o futebol tem com isso? Vivemos na maior crise sanitária, econômica e política do século. Sobe drasticamente o número de casos do novo coronavírus diariamente e diversas regiões do Brasil nem chegaram ao pico do contágio. O governo e sua “familícia” atacam diariamente a democracia e a saúde do povo brasileiro. Nesse cenário, mais uma vez o futebol não nega que pode ser uma ferramenta política, com as chamadas torcidas antifascistas.
A primeira torcida autodenominada antifascista surgiu em 2004, com intuito de lutar por democracia nos espaços, e por respeito aos grupos de minoria. Com a alavancada da família Bolsonaro em 2014, quando se elegeu deputado federal mais votado do Rio de Janeiro e prometeu que viria para a disputa da presidência nas próximas eleições, o número de torcidas antifascistas chegou a 28 espalhadas pelos 4 cantos do país. Em 2018, com a vitória de Bolsonaro da disputa presidencial, as torcidas antifas chegaram a 68, todas com o mote de luta pela democracia e trazendo a memória da importância das torcidas que lutavam pela democracia na Ditadura Civil-Militar.
Na crise que nos encontramos e com os bolsonaristas tentando ocupar ruas do país aos domingos, integrantes de torcidas antifascistas deram uma resposta concreta: nem um passo atrás! As manifestações denominadas antifascistas foram tomando corpo chegando a um número expressivo no domingo (7/6) se somando a luta antirracista que explodiu mundialmente cobrando por justiça pelas vidas negras tiradas pelo Estado.
Falar do futebol é falar, também de o quanto esse esporte movimenta a economia, seja nacional ou internacionalmente, pois além de um espaço de socialização e aprendizagem é um espaço econômico estratégico para o capitalismo e seus gerentes, e a corrupção – intrínseca a esse sistema – anda de mãos dadas com os grandes dirigentes do futebol.
A verdade é que a paixão que move torcedores e torcedoras no mundo inteiro tornou-se um grande negócio. Por exemplo, em 2015 o Ministério Público Federal dos EUA divulgou casos de corrupção por pessoas ligadas à FIFA sobre o processo de escolha das sedes da Copa do Mundo de 2018 e 2022. Os esquemas de corrupção que envolviam fraudes e lavagem de dinheiro funcionavam há anos, e tem pelo menos duas gerações de dirigentes estavam envolvidas nisso tudo, segundo a justiça.Os dirigentes que usavam da sua posição para fechar contratos com executivos de marketing esportivo, fazendo com que ninguém tivesse acesso aos documentos desses contratos e negociando tudo através propina.
Mas por outro lado, o posicionamento de atletas ou de clubes por pautas progressistas, assim como a de qualquer figura ou influenciador na sociedade não é visto com bons olhos. A polarização contribuí para isso. A polarização é formada pelo ódio, pela indiferença política, o ódio é formado porque não somos preparados para debater política , não debatemos política por causa do ódio, debater política não é ensinado na formação educacional, não se debate política na escola, na verdade não se pode debater na escola, pois querem nos implementar a escola sem partido. Qualquer debate é um posicionamento tomado, qualquer posicionamento tomado é político. Viver é tomar partido.O futebol é o esporte mais reconhecido no Brasil, é o grande esporte de massas e por conseguinte, mínimas atitudes influenciam ao máximo de pessoas. O clube tem de ser do povo, como diz o slogan do Internacional, e não apenas uma estratégia de marketing. O futebol tem de se tornar um espaço social e de transformação comunitária e não um circo de oportunismos, sonegações e enriquecimentos. Que a história do futebol não seja esquecida e que o futuro possa proporcionar um espaço saudável para as meninas, para a negritude e para a comunidade LGBT. Que a nova geração conheça uma nova ferramenta dentro do futebol: a de mudança social.