A primavera das mulheres chega de mansinho no futebol
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A primavera das mulheres chega de mansinho no futebol

Anúncio de 2 de setembro demonstrou que a luta das mulheres por reconhecimento e igualdade salarial está surtindo efeitos inclusive nos espaços de futebol.

Victória Farias 4 set 2020, 20:31

Era uma entrevista após a derrota da Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 2019, na qual Marta, considerada a melhor jogadora do mundo 6 vezes, 5 delas em anos consecutivos, escutou a seguinte pergunta: “Você se considera parte da história do futebol, mesmo nunca tendo ganhado uma Copa do Mundo?”. A resposta com certeza fez o jornalismo esportivo refletir e serviu de incentivo para tantas outras meninas que sonham em estar nesse espaço: “Vocês perguntam isso aos jogadores homens? Que eu saiba, Messi nunca ganhou uma Copa do Mundo e é parte da história do futebol”.

As trabalhadoras do futebol sempre são questionadas do seu trabalho e desempenho dentro de campo. Árbitras, gandulas, assistentes, bandeirinhas e jogadoras de futebol precisam o tempo inteiro reafirmar a sua capacidade num espaço predominantemente masculino, apesar de serem as principais figuras do futebol. Marta é a maior goleadora do futebol brasileiro, ultrapassando a marca do rei do futebol, Pelé. Cristiane Silva é a maior artilheira dos jogos olímpicos, independente do gênero.

Mas o destaque das jogadoras de futebol não reflete nas condições de trabalho e muito menos nos salários que recebem. Por estarmos em um contexto capitalista e patriarcal, a desigualdade salarial, baseada em gênero, também está presente nesse espaço. As jogadoras mais “bem pagas” do mundo, recebem em média 350 mil euros por ano, enquanto um dos jogadores mais bem pagos recebe 93 milhões de euros por ano.

Um exemplo nítido disso é em pleno setembro de 2020 ter acontecido a contratação mais cara do futebol feminino e não equivaler nem 1 milhão de euros por mês. Em uma comparação direta, o valor da contratação chega a ser 600x menor do valor que o Neymar recebe, fazendo a mesma função: jogando futebol.

Desde a criação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 1914 e com a história descontínua do futebol feminino, por diversas vezes considerado proibido, e tendo retornado “à legalidade” em 1979, as direções das federações e da confederação foram ocupadas por homens. A hipervalorização do futebol masculino escanteou e colocou no esquecimento a nossa seleção feminina e os times femininos dos mais diversos clubes. A falta de espaço nos próprios clubes dificulta o acesso dos torcedores. As jogadoras, diversas vezes, precisam jogar em campos distantes e não recebem o mesmo prestígio do clube quando ganham campeonatos. A disparidade dos espaços na mídia fazem com que quem quer acompanhar precisa procurar mídias alternativas e, por muitas vezes, sem sucesso.

Mas desde 2019 o cenário institucional tem se modificado: A contratação da técnica Pia Sundhage, por diversas vezes campeã, deu um salto de qualidade na valorização do futebol feminino e demonstrou que a luta das mulheres está invadindo todos os espaços, inclusive a CBF.

O ano de 2020 trouxe grandes avanços. Em março deste ano foi anunciada a equiparação de salários de ambas seleções, ou seja, as mulheres passaram a receber o mesmo valor de diária e das premiações de olimpíadas e copas do mundo que os homens recebem. Na entrevista coletiva do dia 2 de setembro, o presidente Rogério Caboclo anunciou Duda Luizelli como a nova coordenadora das Seleções Brasileiras Femininas e Aline Pellegrino vai estar à frente da Coordenação de Competições Femininas.

A partir de agora, a coordenação das seleções femininas estarão nas mãos daquelas que lutaram muito por um espaço mais igualitário e que enfrentaram todos obstáculos que esse espaço ríspido oferece às mulheres. São mulheres que conhecem a realidade do esporte e que lutam para que a nova geração possa estar num espaço mais igualitário e reconhecido, tanto socialmente quanto institucionalmente.

Que esse seja o primeiro passo de muitos para o avanço efetivo de combate às desigualdades de gênero no futebol, que indique aos clubes valorizar o futebol feminino, que coloque o foco da mídia também nos campeonatos femininos e que incentive muitas Martas, Christianes, Formigas, Pretinhas, Ludmillas, Bárbaras e tantas outras a ocuparem as quatro linhas do campo e os espaços de poder de um esporte tão masculinizado. Que sejamos árbitras, treinadoras, gandulas, assistentes, comentaristas, narradoras e jogadoras e que sejamos reconhecidas por isso!


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