O caminho será revolucionário?
Ao fim do ano de 2020, completaram-se 2 anos de governo do presidente Jair Bolsonaro e quase um ano do início da maior pandemia vivenciada pela nossa geração. O casamento entre um governante, inconsequente e extremista, e uma crise de proporções históricas não poderia ser mais catastrófico. A desigualdade do país ficou latentemente escancarada, a […]
Ao fim do ano de 2020, completaram-se 2 anos de governo do presidente Jair Bolsonaro e quase um ano do início da maior pandemia vivenciada pela nossa geração. O casamento entre um governante, inconsequente e extremista, e uma crise de proporções históricas não poderia ser mais catastrófico. A desigualdade do país ficou latentemente escancarada, a vida do povo virou moeda política, a credibilidade da ciência é continuamente posta em xeque e a lógica burguesa mostra pouco interesse em alterar essa realidade, se esforçando apenas para varrer-la, novamente, para baixo do tapete.
Neste ano também ocorreram as eleições municipais, onde o PSOL teve um saldo positivo, confirmando seu crescimento e se consolidando como uma alternativa à esquerda e, quem sabe, à política tradicional. Por mais que o bolsonarismo tenha se enfraquecido eleitoralmente, a lógica que o alimenta mal se abalou nos últimos anos. Os partidos que compõem o Centrão – espectro político que atua em favor dos interesses privados e que em momento algum irá se voltar contra o sistema – conseguiram se eleger em aproximadamente 45% dos municípios brasileiros, representando 35% da população. Em relação ao número de habitantes sendo governados por cada partido, temos os 3 primeiros, sendo PSDB, MDB e DEM.
A capacidade destrutiva de um governo como o de Bolsonaro é clara e a necessidade imediata de tirá-lo do poder até pode ser consenso entre o campo progressista. Infelizmente, ao sermos atacados por uma onça, pouco importa se suas unhas estão cortadas. O Messias da burguesia nacional deu o aval para a destruição descontrolada do meio ambiente, para a exploração cada vez mais cruel da classe trabalhadora, para o fortalecimento do racismo, da cultura patriarcal, do apagamento e descredibilização da luta dos grupos historicamente oprimidos. Todas essas barbaridades vêm acontecendo de maneira acentuada no governo atual, entretanto não são, em momento algum, exclusividade dele. Se quisermos acabar com tais atrocidades não podemos apenas mudar o governo, precisamos mudar o sistema.
Evidentemente, a derrubada do governo atual é urgente. A política bolsonarista exalta abertamente a morte, a opressão e pouco se importa em vestir a máscara de um governo democrático, pondo em xeque a legitimidade das instituições de maneira deliberada; rechaça qualquer possibilidade de argumentação e diálogo; além de buscar se impor através da violência, em suas múltiplas formas. Vale lembrar, no entanto, que apesar de todas as barbaridades cometidas até o momento, a presidência da câmara já declarou não ver motivos para dar andamento aos inúmeros pedidos de impeachment que pairam sobre sua mesa. Afinal, o povo sofre, mas os interesses da burguesia continuam sendo atendidos.
Urnas e ruas
O poder político no Brasil se concentrou na mão daqueles que buscam atender os interesses econômicos externos e próprios, utilizando seu capital econômico e cultural para explorar e subjugar a massa trabalhadora. Os avanços sociais se dão a conta gotas e a democracia só é válida enquanto os interesses da burguesia estiverem sendo atendidos. Afinal, se eles ditam as regras, como derrotar a ordem vigente no seu próprio jogo?
É muito comum dentro do campo progressista ouvirmos que “vivemos em uma democracia burguesa”, mas seu significado parece ser esvaziado, funcionando mais como uma justificativa para nossos problemas sociais do que um fator de análise concreta para a superação do sistema. Estarmos inseridos na lógica de uma democracia burguesa significa que o real poder de voto está nas mãos da burguesia, e não do povo. A participação da esquerda dentro desse esquema é fundamental, inclusive para justificar sua manutenção.
Precisamos ter consciência da máscara de democracia plena que o sistema utiliza para manter o povo atônito enquanto morrem todos os dias de fome, de saúde, de bala. Precisamos saber que, na democracia burguesa, as decisões vêm de cima para baixo, seja para acalmar os ânimos do povo e se manter no poder, cedendo direitos de maneira conveniente, seja para atender os próprios interesses e manter seus privilégios à custa das massas. Já não pode ser possível a conivência popular, precisamos de uma democracia proletária, onde o interesse da maioria seja realmente acatado e o governo trabalhe para o povo, não em cima dele.
Como um partido político, é evidente que o PSOL precisa participar dessa dança da democracia burguesa, porém não podemos deixar de ter em mente que o que podemos fazer dentro da estrutura política atual é mitigar os impactos nocivos do capitalismo. Sua superação não é possível de dentro para fora, apenas de fora para dentro. O objetivo não é ignorar a importância das urnas, tampouco crer que elas não tenham seu papel na superação do sistema. Entretanto, é preciso estar claro que essa superação não virá de lá, elas são apenas mais um instrumento de luta política e nossas vitórias nesse jogo servem apenas para minimizar o avanço da barbárie. Nossa verdadeira força e nossas verdadeiras armas estão nas ruas. Sem a participação popular, sem a ocupação massiva das ruas, continuaremos fadados à exploração cruel de nossa gente e de nossa terra.
São possíveis alianças dentro do campo da política tradicional para se combater os avanços mais perversos do capitalismo, afinal a barbárie vem mostrando sua face mais cruel em nossas terras e requer unidade do campo progressista, já que nenhum sistema se sustenta em terra arrasada. Nas ruas, no entanto, a unidade deve ser anticapitalista. Nos trabalhos de base, além de pregar a consciência e solidariedade de classe, é preciso pregar a indignação.
Não é mais possível acreditar na paz entre as classes se são os nossos que continuam morrendo todos os dias, se são os nossos que continuam explorados e humilhados. Não é mais possível acreditar que podemos operar a transformação em um sistema que funciona para poucos com cor, gênero, orientação e classe bem definidos.
Durante a maior parte deste século XXI, o Brasil esteve sob um governo de esquerda. Infelizmente, apesar de terem sido conquistados avanços sociais, não houve articulação para romper com a ordem dominante. O que tivemos foi um governo que domesticou as massas populares e buscou conciliar os avanços sociais com os interesses da burguesia. O resultado foi um golpe institucional e a destruição consistente e programática das conquistas obtidas.
A organização e implementação de políticas sociais leva tempo, assim como a efetivação de seus resultados. O processo de destruição, no entanto, ocorre de maneira muito mais acelerada, como estamos presenciando nos últimos quatro anos, em especial nos últimos dois. Com as lições recentes uma coisa fica muito clara, nenhuma vitória nas urnas pode levar à paz nas ruas. Acreditar que será possível trazer mudanças concretas dentro de um sistema que se mantém pela desigualdade irá retardar, se não extinguir, qualquer possibilidade de um futuro igualitário.
Lutamos contra o tempo e pagamos com vidas cada segundo a mais da burguesia no poder. Precisamos de mudanças não só radicais, mas urgentes. Por quanto tempo mais nossa fauna e flora vão sustentar a lógica acumulativa e predatória do capitalismo? Quanto tempo temos para que ainda seja possível reverter o avanço da barbárie que toma conta de nossa terra? Será possível pensar o futuro do Brasil em um sistema imerso na lógica colonial? A via precisa ser revolucionária e temos que estar preparados, pois a hora de acender o estopim está inevitavelmente chegando.