A reitoria vai mudar, mas e o projeto da universidade, mudará?
Analisar a troca de reitoria pela qual passa a UNICAMP exige dos estudantes firmeza frente aos desafios e nos princípios que a história do movimento estudantil nos ensina.
A escolha de um novo reitor é feita pela via indireta, o que sem dúvidas limita nossa capacidade de interferir no resultado, como descrevemos na nossa opinião sobre o primeiro turno da consulta à comunidade onde explicamos em detalhes como funciona o processo. Contudo, reafirmamos que tal momento leva o conjunto dos estudantes, servidores e docentes a um rico debate democrático sobre os diferentes projetos de universidade, e devemos aproveitá-lo participando ativamente.
Após um ano, vivemos a pior fase da pandemia e a política genocida de Bolsonaro é a maior responsável. A UNICAMP adotou medidas mais restritas nas suas áreas, com um prazo indeterminado para a normalização das atividades presenciais. Com isso, iniciamos um novo ano, ainda enfrentando o ensino remoto e pela primeira vez recebendo calouros virtualmente. A cura para a pandemia já é conhecida – isolamento, vacina e o impeachment do defensor do vírus – mas não parece fácil alcançá-la. O Brasil acaba de superar a barreira dos 300 mil óbitos pela COVID 19, sendo que na região de Campinas já são mais de 5 mil vítimas da nova doença e as filas nos hospitais têm centenas na espera por atendimento.
Entre as vítimas estão servidores e terceirizades da UNICAMP que estiveram na linha de frente, atendendo nos hospitais e outras funções essenciais, como os casos recentes de Lourdes e Edivânia que eram funcionárias do RU. Estas tristes perdas nos lembram que a universidade não está isolada da sociedade, e o quanto a instituição e a comunidade são diretamente afetadas pelo contexto que as cercam. Como se vê por todo o país, e também na UNICAMP, a precarização imposta pelos cortes vindos dos governos federal e estadual levou à exaustão e à indignação os servidores do setor público, em especial da saúde, e todos os que necessitam destes serviços.
Nós do Juntos! acreditamos que este foi o principal motor para definir o primeiro turno da consulta, que tirou os sucessores da atual gestão – a chapa Sérgio Salles e Eliana Amaral – da disputa. A reitoria de Marcelo Knobel foi uma verdadeira representação do projeto elitista, excludente e precarizante que o governo Dória (PSDB) tem para as estaduais paulistas e que afeta diretamente o caráter público da universidade. Desde antes, mas principalmente durante a pandemia, a reitoria atual emplacou um programa de ajustes que levaram à demissão em massa de terceirizados; congelamento das contratações e nas carreiras de servidores e docentes, levando a sobrecarga de trabalho; além de tentativas e bem sucedidos cortes em políticas de acesso e permanência – como a aprovação da pós lato-sensu paga, tentativa de mudança meritocrática para os critérios das bolsas SAE, e um corte de R$72 milhões em 2020 que afetou diretamente o pagamento das bolsas aluno-artista. As urnas da consulta não deixaram barato e – apesar da grande divisão no resultado – derrotaram de imediato a continuação desse programa pelos próximos 4 anos.
A comunidade, em especial os servidores, indicaram que a experiência com o projeto neoliberal de Knobel deve ser interrompida, e acreditamos que foi assim porque este nunca representou os interesses da maioria na UNICAMP. Agora restam dois programas na disputa. Abaixo falaremos um pouco das chapas, e comparemos algumas das suas propostas:
1. Tom Zé (FEA) e Maria Luiza (FCM): Candidatos com uma forte base de apoio entre os docentes das áreas de humanidades e setores historicamente mais progressistas, contudo são comprometidos ao extremo com a institucionalidade e o limitado modelo atual de democracia universitária. Seu programa econômico em nada garante a autonomia do público, sendo entusiastas de alianças com o setor privado, e na verdade, pouco se difere do que vivemos recentemente. Defendem a informatização do máximo de processos – o que pode substituir a reposição com novas contratações e a precarização do trabalho servidor e docente. Nos debates e programa, apresentaram muitas promessas sem meios claros para concretizá-las, além de pouco se comprometerem ou formularem propostas para questões fundamentais pros estudantes, como no tema da permanência estudantil.
1.1. Estimulam o aumento do investimento privado e diversas outras formas de relação deste setor com a UNICAMP, ignorando quanto estas privilegiam os interesses do lucro acima dos da comunidade universitária e da sociedade ao redor:
“Identificar fontes alternativas de financiamento, […] de forma a estimular que que docentes e pesquisadores apresentem candidaturas a esses financiamentos alternativos. […] propomos a criação de um escritório de buscas de oportunidades de financiamento atrelado à PRP (pró-reitoria de pesquisa).” (Programa de Gestão – Unicamp construindo o amanhã, pag. 20).
“[…] (e) Criar canais oficiais de contato com empresas, setor público e instituições do terceiro setor interessadas em colaborar com os programas de pós-graduação, com vistas à inovação em seus processos ou produtos […]” (Programa de Gestão – Unicamp construindo o amanhã, pag. 17).
Há um capítulo inteiro no programa dedicado a Inova UNICAMP, órgão que, como eles mesmos apresentam, tem como um dos pilares “articulação entre a Unicamp e a sociedade (empresas, setor público, institutos e fundações)” (Programa de Gestão – Unicamp construindo o amanhã, pag. 35)
1.2. Nos debates, não se comprometeram com nenhum aumento no repasse para as políticas de permanência. No programa sensibilizam-se com a questão trágica na moradia e prometem a reforma, mas como em outros temas, vemos poucas garantias já que não há o comprometimento orçamentário com a pauta:
“Garantir um contínuo processo de melhoria da qualidade da moradia estudantil, cuidando das reformas prediais ou ambientais necessárias e entamando todos os esforços de ampliação.” (Programa de Gestão – Unicamp construindo o amanhã pag. 13).
Além disso, para a pós-graduação, não defendem acesso à permanência para os estudantes do mestrado profissional (lato-sensu) que passou a ser cobrado, a partir da gestão Knobel.
“[…] Apoiar ações que promovam a diversidade nos programas de pós-graduação stricto sensu e que auxiliem a permanência de grupos étnicos sub-representados” (Programa de Gestão – Unicamp construindo o amanhã, pag 17).
1.3. Visam adotar o ensino híbrido (virtual + presencial) de forma permanente:
“Reposicionar o EA2* e o seu papel para que se torne um polo interdisciplinar que congregue docentes de diferentes áreas. […] (b) Criar espaços onde docentes possam compartilhar suas experiências didáticas – ação especialmente importante no contexto de ensino remoto. […] (d) Apoiar a renovação de currículo (RenovaGRAD) […]” (Programa de Gestão – Unicamp construindo o amanhã, pag. 14)
*EA2 é o órgão que elabora as ferramentas digitais para atividades de ensino.
1. Mário Saad (FCM) e Marco A. Zezzi (IQ): Estes candidatos chegaram ao segundo turno impulsionados por uma votação significativa dos servidores. O resultado pode ser fruto da referência de Saad como ex-diretor na FCM, além da concentração da chapa na construção de debates com este setor. A chapa desconhecia a maior parte das demandas estudantis, e reconhecemos um viés mais conservador em falas e posturas, em contradição com seu programa que se atém diversas vezes a defesa da democracia e da universidade pública. Defendem informatização a nivel radical – o que pode significar cortes nos postos e nas contratações, levando a ainda maior precarização do trabalho servidor e docente. O programa econômico e político, assim como a base de apoio da chapa, são bem alinhados aos interesses do governo Dória (PSDB) para as universidades públicas. As propostas no programa parecem abstratas e abertas a interpretações.
2.1. São ainda mais entusiastas da adoção do ensino híbrido:
“Proposição de uma reforma de ensino ousada, com as seguintes características: redução do tempo em sala de aula […]” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 17).
“Estimular a criação de Fórum de Ensino e Aprendizagem, tendo como objetivos o aprimoramento e o aprendizado no ensino superior alinhado ao século XXI, pautados sob as premissas de Inovação e Ousadia” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 19).
2.2. Junto das propostas de ensino híbrido há outras, que num contexto averiguado pela pandemia de grande desigualdade de acesso entre os estudantes, demonstram estar em favor da manutenção do perfil elitizado dos estudantes nas estaduais paulistas. A exemplo da proposta de critérios meritocráticos para o acesso a permanência:
“Refinar os mecanismos de suporte socioeconômico e de avaliação periódica, visando à permanência dos estudantes na universidade e excelência de rendimento” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 20).
E ainda combinam sua ambição privatista às políticas de permanência: “[…] estabelecer parcerias com empresas privadas para atuarem como tutores financeiros de cotistas, como opção para garantir a permanência na universidade” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 21).
2.1. Ao longo do programa a palavra “mercado” é utilizada mais de 10 vezes como parâmetro de referência para construção das atividades bases da universidade – ensino, pesquisa e extensão – deixando claro as prioridades da chapa, como exemplo:
“Apoiar ações que visem aproximar o Cotil e o Cotuca do mercado” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 36).
“A desburocratização da contratação de professores externos que tenham notório saber e currículo compatível com as ementas dos cursos. Atualmente são feitos processos […] que tornam difícil e desestimulante o convite de especialistas do mercado para atuar nos cursos da Extecamp. […]
Redução no prazo de abertura de cursos na Extecamp, para estimular a criação de novos cursos de acordo as demandas do mercado” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 69).
Chegam a afirmar que “A universidade é impelida, cada vez mais, a ampliar a sua cooperação com empresas para a disseminação do conhecimento gerado para a sociedade.” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 70), priorizando a universidade a serviço das privatizações em detrimento das demandas do povo, quando o Brasil mais precisa de nós. Há também todo um capítulo dedicado à Inova UNICAMP. Entre as propostas, se destaca a intenção de expandir e facilitar o investimento privado através da agência, que também a defendem ter maior autonomia:
“Criar oportunidades para expandir a renda auferida pela Inova, por meio de consultorias e serviços especializados em PI (propriedade intelectual), às empresas e indústrias, e setor produtivo em geral.” (Programa de gestão – Harmonia, Ousadia e Responsabilidade, pág 57).
Fica notável que ambas as chapas estão distantes das necessidades estudantis e principalmente da nossa concepção de UNICAMP. Neste processo de escolha de uma nova reitoria, nós do Juntos! reafirmamos nas urnas da consulta a negação às propostas colocadas através do voto nulo. Seguimos firmes pela construção da mobilização dos estudantes no hoje e nos próximos 4 anos, independente de quem assumir a frente da reitoria. Acreditamos que a melhor representação da nossa voz no cenário posto será a reafirmação do projeto de universidade pública, gratuita, com qualidade de ensino, pesquisa e extensão e de acesso livre e em prol da sociedade, que historicamente as lutas do movimento estudantil carregam e nenhuma das duas chapas se comprometem. Defendemos e lutamos pela/por:
- A unidade de todos os setores para derrotar o autoritarismo negacionista de Bolsonaro!
- Universidade Pública, gratuita e para todes!
- Permanência estudantil!
- Reforma imediata e ampliação da moradia estudantil!
- Maior democracia universitária – paridade nos órgãos e decisões institucionais!
- Fim do vestibular – filtro excludente de acesso à universidade pública!
- Ciência, pesquisa e maiores investimentos públicos!
- Legado das cotas sociais e raciais e sua expansão, como cotas para pessoas trans e nos concursos!
- Uma universidade para às mulheres, negros, LGBTs e pobres!
- Uma universidade sem opressão sexual e de gênero!
- pelos empregos e contratação de novos docentes, servidores e dos trabalhadores terceirizados!