Derrotar Bolsonaro nas ruas e construir uma nova esquerda: uma resposta ao Afronte e ao Rebeldia
Derrotar Bolsonaro imediatamente é tarefa urgente para salvar as vidas do povo trabalhador
Nas últimas semanas tem ganhado força o debate a respeito de quais as melhores táticas que a esquerda deve adotar para derrotar Bolsonaro. As manifestações do 29 de Maio, que colocaram milhares de pessoas nas ruas contra o governo genocida que acomete o país, esquentaram essa discussão, sobretudo após a realização da Assembleia Povo na Rua #ForaBolsonaro no dia 01/07, impulsionada pelo Juntos! e por outros setores, e que contou com mais de 7 mil inscritos e reuniu mais de 2 mil pessoas para debater o balanço do dia 29 de maio e os próximos passos da luta. Diante disso, gostaríamos de dialogar com o texto assinado por Brenda Marques e Thales Lopes, do Afronte, (https://esquerdaonline.com.br/2021/06/14/pela-unidade-da-esquerda-para-derrotar-bolsonaro-uma-resposta-ao-coletivo-juntos/) em resposta ao texto dos companheiros Theo Lobato e João Pedro de Paula, do Juntos (https://juntos.org.br/2021/06/a-luta-nas-ruas-e-a-construcao-de-uma-nova-esquerda-uma-polemica-com-o-afronte/) que argumentava com nota do Afronte sobre o 19J (https://esquerdaonline.com.br/2021/06/08/nota-do-afronte-sobre-o-19j-seguir-nas-ruas-para-derrubar-bolsonaro-e-salvar-vidas/); e com o recente texto assinado pela Rebeldia (https://www.pstu.org.br/debate-com-juntos-e-afronte-sobre-a-luta-contra-bolsonaro-e-as-alternativas-da-esquerda/), que busca se situar diante da discussão.
A eleição de Bolsonaro abriu uma nova conjuntura no Brasil, mais defensiva, com uma força maior de elementos reacionários, e igualmente instável. Mas Bolsonaro não foi um raio em céu azul: ele foi a expressão brasileira de um processo internacional de escalada de líderes de extrema-direita, que ocorreu diante da falência dos regimes políticos tradicionais e da incapacidade de setores da esquerda radical ganharem peso de massas numa conjuntura na qual predomina a polarização social e política.
No Brasil, as jornadas de junho de 2013 impulsionaram um ascenso de lutas por todo o país, expresso nas lutas contra a Copa do Mundo, na Primavera Feminista, na onda de ocupação das escolas, e que se manifestou nos últimos anos nas greves e atos de massa pelo Fora Temer, no Ele Não, Tsunami da Educação e mais recentemente no ascenso da negritude. Politicamente, quem mais conseguiu empalmar esse ascenso foi o PSOL, ampliando sua presença nos movimentos e sua bancada de parlamentares, apesar das inúmeras vacilações da sua direção majoritária em afirmar o partido como uma alternativa real. Ao mesmo tempo, de forma combinada, a burguesia brasileira conseguiu derrotar a possibilidade de junho trazer uma mudança estrutural na sociedade brasileira a partir da associação de dois elementos principais: uma forte repressão às manifestações (operada principalmente pelos governos de PMDB, PSDB e PT), e produzindo um simulacro de junho, as jornadas da direita de 2015/2016 pelo impeachment de Dilma, que abriram caminho para o desenvolvimento de correntes da extrema-direita. Neste cenário, diante do descrédito do regime político brasileiro após inúmeras denúncias de corrupção e uma grande piora na condição de vida do povo, e na ausência de uma alternativa de esquerda radical com capacidade de disputa de massa, Bolsonaro se elegeu combinando um verniz de combate à velha política com um programa reacionário de extrema-direita. Sem dúvida, uma grande derrota para o movimento de massas.
Diante da conjuntura que estamos, portanto, duas tarefas prioritárias estão colocadas: a derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo, e a construção de uma nova esquerda que supere a experiência majoritária na esquerda no último período cuja expressão principal foi o projeto do PT de governar o Estado brasileiro. Enxergamos essas duas tarefas como combinadas, afinal construir uma direção alternativa na esquerda é muito mais difícil se não se derrotar Bolsonaro; ao mesmo tempo que os métodos da velha esquerda (especialmente a crença na institucionalidade) são muito insuficientes para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo. Na primeira aparência, além do Juntos, tanto Afronte quanto Rebeldia concordam com essa combinação de tarefas. Resta discutir, portanto, como combiná-las no concreto da luta política.
Acreditamos que os melhores caminhos para dar cabo dessas duas tarefas passam por 1. afirmar as unidades de ação pontuais com todos os setores que estejam dispostos a lutar contra os retrocessos do governo Bolsonaro; 2. ser entusiasta da conformação de espaços de frente única, como foram o Ele Não, o Tsunami da Educação e o 29M; e ao mesmo tempo 3. afirmar um pólo independente com cara própria sem cair na autoproclamação. Hoje, vemos no PSOL a ferramenta com maior capacidade de expressar esse pólo independente, que se concretiza no movimento de massas com a unidade com outros setores menores da esquerda radical, como é o caso da experiência da articulação Povo na Rua #ForaBolsonaro. Feito esse apontamento, vamos, portanto, à discussão com as organizações.
Em seu último texto, os militantes do Afronte apresentam suas posições a respeito da articulação Povo na Rua #ForaBolsonaro e da relação com o PT:
“Diferente do que o Juntos propõe, construindo espaços separados, o Afronte busca dar essa batalha por dentro dos legítimos espaços da frente única, que reúnem o conjunto das organizações que estão empenhadas pelo Fora Bolsonaro, ainda que com estratégias diferentes.”
“[…] na disputa com o PT, nós entendemos que vale mais uma política de exigências com o objetivo de disputar os setores mais à esquerda do partido, sua base e os ativistas que se referenciam em Lula e no PT (que segue sendo a maior direção da esquerda brasileira) para que estejam conosco nas ruas pelo Fora Bolsonaro antes de 2022, do que a política adotada pelo Juntos, que prioriza uma campanha de denúncias permanentes e pura agitação de diferenças que não convencem ninguém e não permite disputar esses ativistas e as suas conclusões sobre os limites estratégicos do PT.
“E é por dentro desta unidade, em meio a polêmicas, enfrentamentos e disputas políticas que queremos afirmar o nosso projeto e construir uma alternativa anticapitalista no Brasil. O caminho do isolamento e da autoproclamação, que só dialoga e disputa quem já concorda conosco, é muito mais confortável mas não serve à disputa real dos rumos da esquerda.”
Infelizmente, por desconhecimento ou desatenção, lançam mão de algumas confusões para defender suas posições. A começar, a articulação Povo na Rua #ForaBolsonaro não é contraditória com a Campanha Fora Bolsonaro, que reúne diversos setores políticos e movimentos sociais (não à toa que a maioria dos signatários da Povo na Rua – Juntos incluso – integra a Campanha Fora Bolsonaro). A Povo na Rua é uma iniciativa de um pólo que visa fortalecer a ideia de que temos que derrubar Bolsonaro agora, e não esperar até as eleições de 2022, conforme defende a maioria das direções da Campanha Fora Bolsonaro. Foram o levante contra o genocídio do povo negro, as lutas em defesa da educação pública e a mobilização permanente do movimento estudantil, por exemplo, que impulsionaram a construção de espaços como o Povo Na Rua, não como uma forma de autoproclamação, mas sobretudo de vazão das movimentações que corriam independentemente às escolhas letárgicas do PT, e que partiam de uma compreensão coletiva de que a disputa nas ruas não pode ser abandonada. Talvez o anseio de taxar o Juntos de “autoproclamatório” tenha origem na tentativa de se distanciar dessa perspectiva que durante tanto tempo orientou a política das e dos militantes do Afronte, que apostou dez anos numa autoproclamada reorganização do Movimento Estudantil através da ANEL, entidade paralela à UNE que cumpriu o papel de atrasar a luta do movimento estudantil na oposição aos governos do PT.
Diante disso, perguntamos aos camaradas do Afronte qual postura contribui mais para a derrota de Bolsonaro e a construção de um novo campo na esquerda: editoriais semanais exigindo a presença de Lula nas manifestações (https://esquerdaonline.com.br/2021/06/14/por-que-lula-deve-convocar-a-manifestacao-de-19-de-junho/) e votações em enquetes virtuais (https://www.facebook.com/esquerdaonline/photos/a.654341711400321/1981561805344965/) ou organizar uma assembleia nacional que reúna milhares e que busque se conectar com o que se teve de mais dinâmico com o ativismo nos atos do 29M? Diferentemente do que dizem, em Porto Alegre fomos protagonistas da construção da unidade com todos os setores sob a direção da esquerda radical; o Afronte considera que melhor teria sido deixar a direção do ato com a Frente Brasil Popular?
O fato é que Lula e as lideranças petistas não serão comovidos, como os companheiros do Afronte e da Resistência parecem acreditar, por um “pedido fraternal” para que ingressem com o peso potencial que possuem na convocação dos atos de rua, nem darão um giro à esquerda para conformar uma Frente de Esquerda com um programa anticapitalista (https://juntos.org.br/2021/06/sobre-as-reunioes-com-lula-e-o-papel-do-psol/). Já houveram demonstrações de que caminham para reproduzir os erros do passado, buscando alianças eleitorais com setores da burguesia que, inclusive, foram protagonistas das reformas antipovo antes e durante a crise sanitária. Sequer as camadas do povo perceberão a letargia da direção PTista se nos limitarmos a ser os mais entusiastas publicamente de uma frente dirigida pelo PT, se diluindo nela, como faz o Afronte com a Campanha Fora Bolsonaro. Foi a aposta nas lutas populares que culminou nas grandes mobilizações do dia 29 de maio, aspecto determinante para que a frente única finalmente fosse forjada em torno do #ForaBolsonaro e se desatasse a possibilidade de um ascenso das lutas no Brasil.
Dito isso, buscamos dialogar com o texto do Rebeldia. Dizem eles, se referindo ao Afronte e ao Juntos:
“[…] as duas organizações citadas cometem erros aparentemente opostos. Afronte tenta enquadrar a luta obrigatoriamente sob o manto da direção do PT. Apoiam-se na opinião de que o PT ainda tem grande peso entre os trabalhadores. Por outro lado, o Juntos erra quando, para tentar construir um polo alternativo à ingerência petista, faz uma política como a da Assembleia Popular, com aparência de ser algo de base para unificar todo o movimento, mas que se demonstrou fértil a manobras burocráticas de setores que vem das tradições do PC (UP e PCB), como ficou demonstrado tanto pela convocação como pelo fato de terem impedido uma fala do PSTU naquele espaço.”
“[…] o fato é que sequer é correto dizer que a tal “unidade para lutar” hoje esteja garantida. Ou mesmo que haja acordo pela derrubada do Bolsonaro entre os setores de oposição ao governo. Por exemplo, vejamos a postura do PT com Quaquá e o do presidente do PT da Bahia, ou mesmo o silêncio de Lula sobre os atos. Então, é preciso lutar contra essa política do PT e de todos os setores da oposição que vacilam na luta pela derrubada do presidente, ou a postergar para as eleições em 2022. Isso não se faz nem construindo espaços artificias de unificação com manobras burocráticas que impeçam a participação de outros setores como fez o Juntos. Nem com simples apelos à direção do PT como faz o Afronte, como se houvesse esperança de mudar em 2021 um projeto político que só se degenerou e se tornou cada vez mais burguês desde 1989.”
Em linhas gerais, temos acordo com a crítica que fazem ao Afronte, de que buscam entregar a liderança do movimento de massas à direção PTista. Entretanto, fazem uma crítica desonesta e precipitada quando acusam o Juntos de realizar manobras burocráticas para impedir a fala do PSTU. A articulação Povo na Rua é uma primeira iniciativa que busca reunir setores favoráveis à derrubada de Bolsonaro desde já, e precisa ser ampliada para cumprir com esse papel. Diferentemente do que dizem, o Juntos é favorável à entrada do PSTU nessa articulação, como já foi expresso outras vezes. Os desafios para essa ampliação são parte dos desafios da construção da unidade entre setores radicais, unidade da qual o Juntos é entusiasta. É no mínimo curioso que o PSTU, que também impulsionou a ANEL durante muitos anos, faça esse tipo de acusação ao Juntos.
Após isso, ambas as organizações fazem acusações infundadas na expectativa de justificar uma política oportunista, no caso do Afronte, ou uma política ultraesquerdista no caso do PSTU. Diz o Afronte:
Este tipo de raciocínio, formal e sectário, não é novidade nas elaborações do Juntos, e da corrente do PSOL que eles tomam como referência: o MES (Movimento Esquerda Socialista). De fundo, são elaborações contaminadas pelo antipetismo, que dentre outros fatores, foi responsável pelo apoio explícito do Juntos e do MES à operação lava-jato, no auge do golpe parlamentar contra Dilma em 2016. Segundo a posição dos companheiros, para superar o PT (que eles consideram uma organização já desmoralizada perante amplas parcelas da esquerda) vale tudo, inclusive romper fronteiras de classe e aplicar a unidade de ação com Sérgio Moro. É essa a lógica que segue imperando nas elaborações do Juntos no que diz respeito à disputa contra o petismo.”
Se utilizam de um raciocínio mecânico e fácil ao colocar sobre todas as posições que buscam superar a direção do PT a pecha de “antipetistas”, concluindo que todo o sentimento de oposição ao PT é regressivo (um erro grave, ainda que parte dele seja regressivo), e portanto a política do Juntos contribuiria para o fortalecimento da direita. Não enxergam que deixar de disputar amplas camadas do povo que rejeitam o modelo petista de governar (que envolveu negociatas com setores reacionários, adesão aos esquemas burgueses de corrupção, implementação de medidas neoliberais) significa entregá-las novamente ao Bolsonarismo, especialmente num momento no qual muitos estão fazendo a experiência com Bolsonaro, e poderiam ser atraídos para a esquerda radical se essa se apresentasse com mais força. Somos signatários da necessidade de um novo campo político que supere a hegemonia da direção petista na esquerda brasileira. O PSOL, ferramenta ampla que muitos disputamos, nasceu com a vocação histórica de ser um instrumento à disposição dela e que não se perdesse nos vícios do sectarismo e das vaidades autoproclamatórias, com amplitude de dialogar e ganhar as massas.
Sobre as posições à época do golpe parlamentar, basta consultar os textos que publicamos para desmentir a falácia de que não denunciamos o impeachment que destituiu Dilma Rousseff (https://movimentorevista.com.br/2016/09/sobre-a-manobra-parlamentar-do-impeachment/), como chegam a afirmar em muitos momentos, ou fechamos os olhos para as contradições da operação que prendeu Lula injustamente em 2018 (https://movimentorevista.com.br/2018/01/pelo-direito-de-lula-ser-candidato/). Mesmo depois de Lula retornar à disputa presidencial para 2022, fomos assertivos na importância de sua candidatura (https://movimentorevista.com.br/2021/03/lula-livre-para-disputar/).
Já o PSTU faz acusações infundadas sem apresentar onde estão se baseando (“O Juntos […] são críticos da aproximação eleitoral com o PT, defendem uma candidatura do PSOL e para isso já lançaram Glauber Braga, mas não negam alianças com alguns partidos burgueses como o PDT, por exemplo”; “O Juntos, embora defenda uma frente mais restrita que a do Afronte, e com críticas ao PT, também defende acordos com setores da burguesia ainda que com amplitude menor”). Não dizem onde o Juntos faz aliança com partidos burgueses, em qual momento defendemos a candidatura de Glauber em unidade com o PDT, nem onde defendemos acordos com setores da burguesia. Confundem aliança com unidade de ação, ao contrário do que fizemos corretamente, por exemplo, no ato contra as ameaças a Glenn Greenwald no Rio de Janeiro em 2019. Lançam esse tipo de confusão porque têm dificuldade de apresentar o motivo de não serem entusiastas da pré-candidatura de Glauber, que apresenta um programa de medidas mais profundas que a simples crítica ao neoliberalismo, como dizem, vide a proposta de auditoria pública da dívida.
Por fim, terminamos a escrita desse texto às vésperas do 19 de Junho, mais um dia de lutas contra o governo, retirado felizmente a partir de uma construção unitária. Lula, que não participou dos protestos do 29 de Maio, apenas se manifestou até o presente momento contestando o caráter dos atos. Em franca pré-campanha, alegou se preocupar com a possibilidade de que o movimento seja lido com viés eleitoral. É verdade que as ruas hoje têm o poder não somente de pressionar a queda imediata de Bolsonaro, como também balizar o cenário de 2022. É hora de se inspirar na luta do povo latinoamericano e disputar os corações e mentes de uma juventude que não se limita às misérias do possível. Fora Bolsonaro já!