ECOSSOCIALISMO: UMA PAUTA NECESSÁRIA AO MOVIMENTO DE JUVENTUDE
Projeto de formação teórica do Juntos! SP suscita debate sobre qual é a saída para a atual relação predatória do ser-humano sobre a natureza
Desertificação de biomas outrora cheios de diversidade, alteração intensa do regime de chuvas ao redor do globo, escassez de água em muitas regiões, aumento do nível dos mares, furacões, tempestades, destruição sistemática de ecossistemas, extinção de espécies inteiras: são muitos os sintomas da doença que acomete o nosso planeta. Cada vez mais, a ação humana no mundo natural tem trazido as suas consequências, que por sua vez se tornam não somente mais visíveis, como também mais palpáveis e próximas. Muitas também são as supostas medidas que as grandes corporações, sobretudo midiáticas, têm tomado para colocar a responsabilidade nas mãos das pessoas comuns, dos consumidores individuais: campanhas por uso de água e energia por menos tempo e em menor quantidade, reciclagem e cultivo de hortas pessoais são exemplos de ações que, segundo essas empresas, são efetivas dentro de uma ideia de preservação do meio-ambiente. No entanto, embora a adesão a tais práticas – que, vale ressaltar, são mesmo muito interessantes e benéficas – tenha acontecido e aumentado de maneira exponencial, o planeta continua marchando rumo a um abismo do qual, daqui a pouco tempo, não será possível voltar. Assim, cabe a nós nos fazermos as seguintes perguntas: quem é o verdadeiro culpado pela catástrofe iminente a que nos dirigimos? Será que é possível salvar a natureza e manter o atual modo de produção? Nós, com nossas posturas individuais, podemos realmente fazer algo?
No dia 25 de setembro, a seção do Juntos! em São Paulo fez a primeira parte da edição especial de seu projeto de formação teórica, o “Lendo Marxistas Juntos!”, sobre ecossocialismo e o direito à terra. A convidada especial foi Marcela Durante, bióloga, mestranda em Ciência Ambiental pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP, militante da setorial ecossocialista do MES e assessora do mandato do deputado estadual Raul Marcelo. Contando com a presença de dezenas de militantes e pessoas de fora, o debate girou em torno de textos do sociólogo Michael Löwy e suscitou a discussão sobre a necessidade imediata do implemento de uma ideia ecossocialista que norteie a produção dos países.
Em resumo, é necessário entender que já há centenas de anos (pelo menos desde a Primeira Revolução Industrial), o período da ação do homem na natureza – o dito “antropoceno” – vem transformando a paisagem de todo o planeta, mas não só isso. O capitalismo surge com o advento da Modernidade, e com ele a lógica predatória do lucro maior (ou, até mesmo, do lucro infinito, não se preocupando com as consequências disso). Desde o início do século XX, contudo, graças ao desenvolvimento da técnica e da indústria cada vez mais sofisticadas, a exploração do homem pelo homem, que por sua vez aumenta e se torna pior na medida em que o “progresso” tecnológico atinge níveis escatológicos, teve um paralelo tão detestável quanto: a exploração incomensurável da natureza pelo homem.
Para suprir as necessidades contínuas da alta burguesia internacional, os recursos naturais, sobretudo a matéria-prima advinda do Sul-Global, são extraídos sem misericórdia, em condições de trabalho que podem chegar às análogas à escravidão e cada vez mais recrudescem. Enquanto isso, por um lado, povos inteiros morrem em função da riqueza de suas terras, por outro, as grandes empresas transnacionais pintam um discurso de “capitalismo verde”, que por sua vez diz que, com certos tratados e acordos, certas medidas adotadas pelos Estados e pela iniciativa privada e certas ações de nível individual, é possível manter o atual sistema de “fartura” – que não é senão um sistema de miséria a pelo menos dois terços do mundo – de maneira sustentável. Isso, todavia, não passa de uma ideologia da pior espécie: coisas ineficazes são feitas para mascarar a realidade de que, cada vez mais, o meio-ambiente vai sendo destruído, os plutocratas ficam cada vez mais ricos e os mais pobres caminham em direção à paupérie. É a barbárie – e a solução não passa por pintar de verde caminhões de empresa, colocar adesivo de folha em chaminés fabris e coisas do gênero. Não, a solução é apenas uma: a revolução.
Walter Benjamin, filósofo alemão, dizia que a revolução não deve ser a locomotiva da história, como dizem certas interpretações antiquadas e ortodoxas do marxismo. Não, antes, deve ser seu freio de emergência¹: frente à catástrofe, ao cataclismo, à extinção, não se devem fazer reformas que supostamente vão melhorar a “máquina da morte” capitalista. Isso seria a gestão da “máquina de morte” e, nesse sentido, a própria e bárbara gestão das mortes. É uma crítica à ideia de “progresso”, muito presente em suas obras. Para ele, portanto, deve-se subverter a orientação do modo de produção. Se, como o próprio Engels – e posteriormente Lênine – postulou que seria necessária destituição do Estado burguês e a criação da república operária, e não somente o controle desse aparato, também a economia deve alterar-se e limpar-se de qualquer caráter “produtivista”, isto é, devem-se alterar suas bases para que seja quebrada a lógica de “produção cada vez maior”. O valor das mercadorias – se é que pode haver mercadorias numa sociedade na qual o mercado tenha sido extinguido, mas isso é outra discussão – deve ser intrínseco ao seu valor de uso e utilidade: qualquer fetiche, qualquer obsolescência programada, qualquer coisa que denote continuidade com o modo de produção capitalista precisa acabar. É imperativo: ou o ecossocialismo ou o fim da espécie humana.
É necessário, queremos ter deixado claro, pensar um novo tipo de produção. Uma produção voltada para as necessidades do povo, nunca para o lucro. Mas isso não se pode dar apenas num país ou numa região – se a burguesia e o capitalismo são fenômenos internacionais, se o aquecimento é global, não poderia ser diferente: é necessário que uma revolução ecossocialista seja permanente, internacionalista e abarque as nações do mundo inteiro. O próprio capitalismo tem para si a manutenção da desigualdade em nível planetário e os donos das grandes riquezas bem sabem disso: segundo Löwy, se todos os povos do mundo se desenvolvessem e chegassem simultânea e espontaneamente ao grau dos países do primeiro mundo, a Terra não aguentaria. Daí, seguem-se duas conclusões: 1-o capitalismo necessita manter as desigualdades da divisão internacional do trabalho, para que o Norte-Global fique cada vez mais rico e 2-o mundo, dentro da lógica capitalista, não suportaria o desenvolvimento dos povos do Sul, o que faz preciso, para a existência não só do capitalismo como do mundo inteiro sob o modo capitalista de produção, a pobreza intencional e sistemática de todos os países subdesenvolvidos. Entretanto, a atual configuração do próprio sistema capitalista pode levar ao fim do mundo como o conhecemos, isso negando a possibilidade de desenvolvimento a todos os povos.
Tudo isso nos leva à resposta das perguntas feitas no início do texto: quem é o verdadeiro culpado por tudo isso? É o capitalismo e sua lógica predatória de lucro e extração. É possível salvar a natureza mantendo o atual modo de produção? Não, não é possível salvar o mundo se continuarmos sob o domínio do capitalismo, porque a manutenção da atual ordem de coisas é intrínseca ao próprio sistema, e a manutenção da atual ordem de coisas nos levará inevitavelmente à destruição. Por último, é possível fazer algo a respeito disso individualmente? Por mais que ações práticas no nosso dia-a-dia sejam benquistas, só é possível lutar coletivamente, em movimento, em grupo. Só é possível lutar em conjunto, e só a luta muda a vida – e só a luta e a vida podem mudar o mundo!
Vale lembrar, por fim, que o capitalismo mostra a irracionalidade do seu sistema, na medida em que tem uma visão de rapinagem e lucro infinitos dentro de um mundo que, como bem se sabe, é finito. E, se as coisas continuarem como estão, o fim desse mesmo mundo estará muito mais próximo do que pensamos. Ecossocialismo ou barbárie!!! Ecossocialismo ou extinção!!!
¹ LÖWY, M. “A revolução é o freio de emergência”. Autonomia Literária, 1ª edição, São Paulo: 2019.