Em defesa do passaporte vacinal: uma polêmica com a JR do PT
Desde o início das discussões sobre um possível retorno ainda em 2020, nós do Juntos! ventilamos o passaporte como uma necessidade frente à campanha antivacina de Bolsonaro e a realidade da pandemia.
As discussões sobre a retomada das atividades presenciais simbolizaram um enorme desafio para o Movimento Estudantil (ME). Diante de um governo negacionista e genocida, que por diversas vezes recusou vacinas, a necessidade de impor, via mobilização, medidas sérias de segurança imperou nas ações do ME na UnB. Nesse sentido, escrevemos esse texto para aprofundar o debate sobre a polêmica aberta pela Juventude Revolução do PT, que tem se colocado contrária ao passaporte vacinal para atividades presenciais diversas vezes em reuniões do Conselho de Entidades de Base (CEB) e na última plenária do DCE. Desde o início das discussões sobre um possível retorno ainda em 2020, nós do Juntos! ventilamos o passaporte como uma necessidade frente à campanha antivacina de Bolsonaro e a realidade da pandemia.
Direito individual X política de Saúde
A polêmica sobre se o ME deveria ou não adotar em suas reivindicações a obrigatoriedade do ciclo vacinal completo para que um indivíduo pudesse frequentar as atividades presenciais da UnB já havia sido apresentada em reuniões da gestão do DCE, que, em conjunto, deliberou por manter a proposta em sua plataforma política sobre o retorno. No entanto, a polêmica ganhou força após um professor defender publicamente em reunião da CAD que não se deveria cobrar comprovante vacinal, pois as vacinas não teriam eficácia comprovada (uma das principais fake news propagadas pela trupe bolsonarista). A partir de um pontapé técnico dado pela procuradoria dizendo que a UnB estaria ferindo a legislação impedindo estudantes não vacinados de frequentarem aulas, a polêmica ganhou contornos parecidos com o do professor negacionista, já acusado de autoritarismo e de truculência com os alunos frente a gestão de sua unidade.
A questão técnica apresentada pela procuradoria possui facílima resolução legal, não impedindo a necessidade de que, em ambientes presenciais, todos estivessem devidamente vacinados. Lutamos no CAD para que se construísse, com vitória, o entendimento que o passaporte vacinal deve ser implementado na UnB, em especial em ambientes de grande circulação, sem prejuízos legais na sua adoção. O que, depois, surge politicamente para ir contra o passaporte parte de um aprofundamento em uma concepção inflada de direito individual, deixando de lado toda uma questão de prática de segurança e saúde coletiva, bem como de combate à desinformação produzida pelo Governo Bolsonaro.
É nesse cenário que abrimos nossa polêmica com a JR do PT. Os argumentos da posição do coletivo passaram a ser abertamente expressos na penúltima reunião de discussão do CEB sobre a plataforma política do retorno. Sua posição se alicerça no entendimento de que, uma vez instituído o passaporte, a UnB estaria privando os alunos que não se vacinaram da liberdade de acompanhar as aulas, bem como impedindo professores, técnicos e demais profissionais de exercerem sua profissão de forma presencial.
Duas observações. A primeira é que tal pensamento se baseia em uma posição de caráter esquerdista: Ou tudo remoto ou tudo presencial, agora! Essa posição preto no branco força a ir contra a solução de os não vacinados por opção permanecerem no ensino remoto. Em última instância, para manter uma posição que em si já desconsidera todo um debate sobre retorno gradual analisando as balanças de segurança, a qualidade do ensino e o enfrentamento à política governamental, se adota um discurso eminentemente bolsonarista (!!) de que a liberdade do aluno escolher ou não se vacinar está acima dos entendimentos de saúde.
A questão da obrigatoriedade vacinal não possui um caráter individual. Sabemos que, embora exista uma enorme vantagem individual em se tomar uma vacina, o maior ganho dela aparece na proteção coletiva que ela oferece. Não é à toa que estamos tão preocupados com a porcentagem da vacinação, sabemos que apenas quando todos estiverem vacinados é que realmente todos estarão protegidos. Ou seja, para a esquerda, as pautas ligadas à vacinação dizem respeito à luta pelo acesso e planejamento universal à saúde de qualidade.
Vejamos um exemplo. A variante que tem segurado a respiração de todos, a Ômicron – com uma possivel origem Nerlandesa -, foi detectada na África do Sul, país pertencente à um continente que tem sido vítima de um apartheid mundial ao acesso aos produtos vacinais. Hoje, apenas 7% da população do continente africano foi imunizada, ao mesmo tempo em que Europa e EUA esbanjam a sobra de doses frente à populações resistentes e movimentos antivax. O resultado é que enquanto todos não estiverem protegidos, a pandemia continuará criando novas cepas e tomando de assalto os países mais vulneráveis primeiro, para logo se espalhar mundialmente. O pensamento liberal, ao contrário, pensa apenas na proteção individual, como observa-se na mobilização dos países centrais que agora preparam uma nova onda de acúmulo de doses para garantir a 3a dose, enquanto África e Ásia seguem acumulando novas ondas.
A esquerda deve, portanto, mobilizar suas forças no entendimento coletivo, na busca de planos tanto nacionais como internacionais que resolvam a crise para os 99%, não para a burguesia administrar seu mercado e interesses.
O acúmulo sobre o passaporte vacinal, assim, caminha no mesmo entendimento de posicionamento à esquerda. Para nós, desde que começou a discussão sobre obrigatoriedade ou não da vacina, estava dado que o “direito individual” de não se vacinar estaria corroborando para minar algum resquício de política pública referente a imunização que Bolsonaro tanto tentou destruir. A aferição do comprovante nada mais é do que garantir que em espaços públicos com circulação de pessoas, o vírus terá mais dificuldade de circular, protegendo a todos naquele lugar e, consequentemente, toda a sociedade.
Nos surpreende sobremaneira quando um coletivo ligado à esquerda, como a JR do PT, defende que o comprovante vacinal é em si excludente e vai contra o direito individual das pessoas. Argumentam que tal medida não é suficiente, que devemos ter outras. Ora, nisso estamos de acordo, lutamos desde novembro de 2020 para que a vacinação fosse de acesso à todos, que as campanhas fossem fortes, que as outras medidas de contenção do vírus fossem utilizadas, enfim, sabíamos e sabemos que para garantir a segurança sanitária são necessárias diversas medidas, mas que todas são fundamentais, portanto, não podem ser simplesmente excluídas. Dizer que o passaporte vacinal pode ser excluído se substituído por uma campanha forte de vacinação é apostar na sorte de que nenhum sujeito negacionista coloque a vida dos demais em risco e que, sem luta por políticas públicas de qualidade e integradas, as instituições irão operar a favor do povo.
A luta pelo passaporte não é fim, nem começo – há luta pela frente!
O momento pelo qual passa o ME impõe cada vez mais uma visão de conjunto da realidade enfrentada, seja pelos estudantes – pauperizados pelas crises social e epidêmica -, seja pelas próprias instituições de ensino, cada vez mais sucateadas pelas políticas governamentais. Toda a discussão sobre os critérios de segurança para o retorno, portanto, não se dá em um cenário de calmaria, muito menos de abundância de recursos. Acontece, assim, em um momento no qual deve-se considerar a capacidade de intervenção e respostas sanitárias e sociais das universidades.
O resultado de anos de enfraquecimento orçamentário e ataques e perseguições ideológicas aos programas das cotas sociais e da assistência estudantil colocam as universidades perigosamente perto de um ponto de inflexão, com possibilidades reais de agravamento da evasão e a impossibilidade de entrada para a maior parcela da população, ou até mesmo a destruição e fechamento das IFEs. Ainda, sabemos que o ensino remoto, tal como realizado diante da emergência sanitária e o genocídio em curso, teve impactos profundos na qualidade das aulas, em especial para os estudantes que não têm acesso a equipamentos, internet, ou tiveram que trocar seu tempo de estudo pelo trabalho, tentando escapar sua família da fome.
É diante de tal cenário que pensar o retorno às atividades acadêmicas não pode se tornar uma atividade idílica de pensamento abstrato, ou até mesmo idealista. A tarefa posta ao movimento estudantil é de compreender que as ações de defesa às universidades estão diretamente ligadas à necessidade de um retorno seguro. Apenas defendendo e pautando a recuperação orçamentária, a assistência estudantil, as cotas e o direito ao estudo que conseguiremos universidades fortes e capazes de responder também pela necessidade da testagem massiva dos estudantes, pela distribuição de máscaras e EPIs, entre outras medidas importantes para assegurar a saúde coletiva da comunidade. O contrário é forçar um retorno sem garantias de entrada, permanência e saúde, ou seja, corroborar com o projeto bolsonarista de destruição e exclusão da população das universidades públicas e de genocídio por contaminação.
O combate ao negacionismo é tarefa do ME
O debate a ser feito deve-se girar em torno da distribuição de vacinas para que o surgimento de novas variantes seja evitado. A vacinação em massa é uma medida coletiva de saúde e cabe ao ME da UnB incentivar o desenvolvimento da mesma e não contribuir para discursos que questionam sua efetividade, beirando o negacionismo e incentivando a ausência de políticas que garantam o incentivo à vacinação da comunidade acadêmica, colocando em risco o retorno presencial das atividades.
O que surpreende ainda mais o conjunto do ME é que, quando se esgota o primeiro argumento pautado no direito individual, os militantes da JR têm insistido em questionar a eficácia das vacinas disponíveis!! Já vimos isso antes. O mesmo professor que havia utilizado de seu assento na CAD para combater o passaporte vacinal argumentou, com base em uma análise enviesada da queda de imunidade em relação ao tempo, que não se deveria adotar a medida pois as vacinas não têm eficácia comprovada. Evidentemente, uma das fake news mais comuns nos círculos bolsonaristas. O que fazem esse professor e agora os militantes da JR é utilizar estudos sérios que estão acompanhando a prevalência da proteção ao longo do tempo a fim de estimar quando se deve tomar uma 3a dose para fins de combater, no caso do professor, a vacinação em si, e no outro, uma medida essencial para a estratégia de imunização coletiva em massa – o passaporte vacinal.
Ainda chegam a, novamente, questionar a efetividade da vacina em relação, agora, à Omicron. De fato, a ciência se faz essa pergunta e tem obtido resultados que tem por última finalidade o melhor combate à pandemia. Não à toa tem se comprovado que se faz necessário doses de reforço, ainda que em um cenário onde a 2a dose protege infinitamente mais do que contar com imunidade por contágio. O que faz a JR ao levantar tal questionamento, no entanto, não tem por fim incentivar estratégias de desenvolvimento científico ou melhorias nas políticas públicas de saúde, mas sim atacar um pilar chave da estratégia de imunização coletiva. Em outras palavras, corroboram diretamente com movimentos que incentivam a não vacinação!
É dever do ME combater esse tipo de utilização da ciência, enviesada e descaracterizada. Assusta ainda mais quando se trata de um grupo que diz ter alicerces estratégicos no marxismo. O marxismo trabalha com ideia de totalidade, ou seja, para uma análise de conjuntura ou até mesmo para elaboração de um argumento, não se desconsideram partes essenciais da realidade. Nesse caso da eficácia, o argumento que busca “comprovar” que as vacinas não são tão eficazes “esquece” de dizer que hoje, no Brasil, mais de 90% das mortes e internações são de pessoas não vacinadas. Deixa de lado que saímos, em Julho de 2021, de uma média móvel de mortes acima de 2000 p/ dia, chegando a quase 4 mil mortes diárias, para patamares abaixo de 200, graças à vacinação – conquistada pela luta e pelo sacrifício do povo.
Evidentemente, para o ME, o combate ao negacionismo não diz respeito apenas à análise das melhores táticas e reivindicações acerca do retorno, mas sim uma luta geracional em defesa da Universidade pública e do conhecimento. O negacionismo que permite tais argumentos é o mesmo que tem pautado as ações de cerco impetradas pelo MEC de Bolsonaro na tentativa de destruir o ensino público. Sabemos que o projeto autoritário de Bolsonaro depende da desinformação, da manipulação e da censura do conhecimento para sustentar o simulacro de líder da insatisfação frente a um sistema falido.
O conjunto da Universidade de Brasília sabe a importância de defender o passaporte e lutar contra Bolsonaro. A pesquisa social do DCE mostra que apenas 1% dos alunos não se vacinaram, sendo uma minoria incapacitada medicamente. Defender o que a JR tem defendido é defender o direito de 1% contra os 99%. Seguiremos firmes defendendo o conhecimento.