No último dia 30, milhões de brasileiros e brasileiras respiraram aliviados diante da derrota de Bolsonaro nas urnas e ocuparam as ruas de suas cidades com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após um 2º turno acirrado, com a máquina do Estado brasileiro a favor de Bolsonaro – seja no orçamento secreto, na compra de votos, produção em massa de fake news ou nos bloqueios da Polícia Rodoviária Federal no nordeste – a vitória de Lula foi um freio de emergência na escalada autoritária bolsonarista e um triunfo democrático de proporções vistas antes somente na derrota da ditadura militar. 

Mesmo Bolsonaro tendo eleito um número expressivo de governadores, deputados e senadores no 1º turno, seu desempenho não foi o suficiente para impedir a vitória democrática de Lula no 2º turno, que manteve uma votação determinante no nordeste e ampliou sua votação no sudeste e no norte. Há de se destacar que o perfil do voto em Lula é, em sua maioria, da população mais empobrecida, das mulheres, da negritude, das periferias e da juventude, não à toa os mais afetados pelas políticas anti-povo de Bolsonaro e aqueles que juntos conformam a maioria social e a diversidade do povo brasileiro. 

Ou seja, mesmo em uma chapa com a presença de Alckmin e com limitações para expressar um programa alternativo à barbárie capitalista no Brasil, Lula foi a expressão de um voto de vingança anti-Bolsonaro, que nesse contexto foi um voto bastante progressista que impediu Bolsonaro e sua família de se perpetuar no poder por mais longos anos e colocar em curso um fechamento de regime em nosso país.

A vitória democrática foi tremenda que Lula foi reconhecido como vencedor de forma quase imediata por diversos líderes mundiais e presidentes de todo o globo e impôs um silêncio de 48 horas a Bolsonaro, que, recluso no Palácio da Alvorada, já começava a rascunhar as exatas palavras para acenar à sua base sem reconhecer de forma enfática a vitória de Lula. Mas o silêncio em si já foi uma demonstração de que Bolsonaro e seus aliados sabiam que foram derrotados e que irão deixar o governo em janeiro perdendo o foro privilegiado. 

Por isso é fundamental que o conjunto da esquerda tenha a coragem de neste momento defender a punição para Bolsonaro, sua família e seus aliados diante de dezenas de crimes que cometeram. Sem perdão, nem esquecimento, não devemos aceitar qualquer tipo de anistia: a cadeia é o mínimo que Bolsonaro merece após sua derrota nas urnas. 

O enfrentamento ao bolsonarismo vai seguir 

Se do lado de cá houve um grito de alegria que estava entalado em nossas gargantas há 4 anos, do lado de lá parte do bolsonarismo se reorganizou de forma rápida para ocupar as ruas numa tentativa de deslegitimar o processo eleitoral. Foram centenas de bloqueios nas rodovias após o domingo da eleição com palavras de ordem golpistas, de extrema-direita e até nazistas, como vimos em Santa Catarina. Mas a maioria social democrática expressa nas urnas no domingo fez com que esse movimento não tivesse apelo de massas e nem suporte para de fato dar um golpe, condições essas que Bolsonaro já não encontrava desde 7 de setembro de 2021. 

Cabe a nós, portanto, não nos amedrontar diante das demonstrações de força do bolsonarismo, pois somos e seguiremos sendo maioria. Mas também teremos a tarefa número 1 de combater a extrema-direita, colocando seu principal líder na cadeia, e enfrentando o bolsonarismo nas bases da sociedade: nas escolas, universidades, polícias, igrejas e nas ruas. É preciso uma coalizão democrática para a garantia da posse de Lula diante dos ataques da base de Bolsonaro, sem que isso signifique composição com o novo governo que já carrega em si próprio diversas contradições. 

É preciso ter clareza sobre o caráter burguês do próximo governo do Lula, bem como da correlação de forças que emergiu do processo eleitoral. Diferentemente dos primeiros governos do PT, entre 2002 e 2016, a oposição principal não será da direita liberal tradicional, antes representada pelo PSDB, mas será agora uma direita conservadora de feições neofascistas e, portanto, antidemocrática. Nesse sentido, o Juntos e os demais setores da esquerda radical precisarão ter um conteúdo qualitativamente diferente, portando-se de forma crítica e independente, apresentando as demandas e reivindicações da classe  trabalhadora, da juventude, das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, contribuindo e pressionando para viabilizar a realização das propostas de campanha mais progressistas como o aumento real do salário mínimo, por exemplo, e a prioridade nos investimentos na saúde e na educação. Sem adesismo por um lado, e sem sectarismo por outro. 

As eleições também demonstraram que há um espaço de construção à esquerda que se expressou fundamentalmente no PSOL. Esse espaço tem que ser aproveitado pela nossa juventude que precisa seguir investindo nas mobilizações de rua e no trabalho de base, apresentando-se como uma ferramenta de organização e uma alternativa viável de construção de um novo futuro. Nesse sentido, não podemos cair nos discursos institucionalistas que condenaram o método de trancar rodovias e ocupar vias públicas como fizeram alguns em oposição aos atos bolsonaristas. Nossa crítica se volta contra o conteúdo golpista dessas mobilizações, não contra o método.

É necessário promover uma ampla campanha pela investigação e punição dos crimes cometidos por Bolsonaro, sua família e seus ministros. Os crimes cometidos durante a pandemia, as interferências na Polícia Federal, as rachadinhas, o orçamento secreto, a troca de favores entre o governo e pastores evangélicos e prefeituras: tudo isso precisa ser investigado com seriedade e transparência. Além disso, é preciso apurar as denúncias de compras de votos no segundo turno e o assédio promovido por patrões aliados de Bolsonaro aos seus funcionários. 

Portanto, teremos que ter uma política antifascista, que deve ser expressa num processo de desbolsonarização em nosso país, que una a importância da educação libertadora, a identificação e punição de grupos neonazistas e fascistas que se multiplicam de forma crescente e o combate a lideranças e empresários bolsonaristas que financiam essa política de ódio e de morte. Por outro lado, precisamos ser linha de frente contra ataques da extrema-direita a políticas democráticas durante o início do governo Lula, não abaixando as bandeiras do anticapitalismo, do feminismo, do antirracismo, do ecossocialismo, dos direitos LGBTQIA+ e da juventude e a luta para construir bases mínimas para voltarmos a pensar um outro futuro, e não apenas nos defender.

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