A cidade é nossa: o passe livre em Palmas é possível!
Com a municipalização do transporte e a implantação de uma política temporária de tarifa zero se abre um novo horizonte para o avanço do direito à cidade em Palmas, mas é preciso conquistá-lo coletivamente.
No dia 1º de dezembro de 2022 a prefeitura de Palmas encerrou o contrato de concessão com as empresas Expresso Miracema Ltda, Viação Capital Ltda e Palmas Transporte & Turismo Ltda que detinham o monopólio do transporte público na cidade desde 1992, completando mais de 30 anos em 2023. Com a municipalização do transporte e a implantação de uma política temporária de tarifa zero se abre um novo horizonte para o avanço do direito à cidade em Palmas, mas é preciso conquistá-lo coletivamente.
CONTEXTO
A concessão do transporte público para empresas privadas em Palmas foi marcada por irregularidades nos processos de licitação – com ligação de parentesco entre os donos das cias de transporte, e uma renovação de contrato sem licitação, derrubada pela justiça – prestação de serviços de má qualidade, histórico constante de atrasos nas linhas, frotas defasadas, superlotação dos ônibus, sobrecarga dos motoristas, insalubridade das estações, até hoje improvisadas, pressão para o aumento infundado da taxa para abusivos R$ 6,91 além de repressão aos movimentos sociais que reivindicavam a gratuidade da linha 090/UFT e a implementação do passe livre.
Após a notícia do encerramento da concessão, as empresas responsáveis se recusaram a finalizar a prestação até o dia 31 de janeiro e têm sistematicamente boicotado a transição para municipalização do transporte, chegando ao ponto de desligar a água, luz e internet da garagem, e impedido o acesso ao sistema.
Pelo princípio da continuidade do serviço público, a Prefeitura foi obrigada a operar diretamente o sistema de transporte coletivo através da Agência de Transporte Público de Palmas (ATCP), que deu um passo importante, mesmo que temporário, na concretização do direito à cidade com a implementação do passe livre para todos os cidadãos palmenses até dia 02 de março deste ano, prevendo até a data a regularização das frotas e contratos, mantendo-se a taxa anterior de R$ 3,85.
Esse texto visa qualificar o debate com os acúmulos de experiências em outras cidades no Brasil e no mundo que já implementaram uma política de tarifa zero, apontar que essa implementação de forma universal pode gerar muito mais benefícios que sua aplicação setorizada a um pequeno grupo e reivindicar a concretização dessa medida de forma permanente como direito.
A FUNÇÃO DA MOBILIDADE URBANA
É fundamental compreender, a partir desse histórico, que o transporte público em Palmas perdurou 30 anos como um serviço e não como um direito. Ou seja, foi medido na régua das empresas pela margem de lucro que poderia encher seus bolsos. O fato de a prefeitura alegar um “caos” após a rescisão da concessão soa desonesto se lembrarmos o que aconteceu durante a pandemia e em anos anteriores: os problemas já existiam e muitas vezes em níveis desumanos de funcionamento. A verdade é que fomos acostumados a ser tratados como sardinhas em lata no transporte público e agora, se não houver uma virada de página, o mesmo pode se repetir.
A mobilidade urbana é direito humano, e agora Palmas tem a oportunidade de mudar para uma régua que mede não mais pelo quanto se pode espremer pessoas em uma linha Eixão, mas por quanto mais pessoas vão poder circular todos os dias estudando, trabalhando, buscando emprego e renda, tendo acesso ao espaço cultural, ao cinema, à praça, à escola. Em resumo, aos equipamentos públicos de saúde, educação, lazer etc. À cidade.
Palmas é intitulada Capital Planejada, porém a forma como a cidade foi estruturada tem segregado as pessoas, e a municipalização do transporte junto à implementação de uma política de tarifa zero pode quebrar essa lógica, possibilitando a todos os cidadãos, e em especial os mais segregados, a tomar posse da cidade.
Quando se reivindica o passe livre, aponta-se para uma melhora geral da qualidade de vida dos trabalhadores através da mobilidade urbana, pois se melhoram as condições de deslocamento das pessoas nos centros urbanos, e isso afeta diretamente a vida da população. É fato que sistemas de mobilidade ineficientes pioram desigualdades socioespaciais pré-existentes, portanto, é papel dos gestores públicos criar uma mobilidade urbana mais sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.
É POSSÍVEL TER O PASSE LIVRE EM PALMAS.
PARA ALÉM DISSO, É NECESSÁRIO
No caso de Palmas, pelo fato da nossa cidade ser espraiada e com terrenos subutilizados com centralidades longe das regiões de moradia, nosso transporte público confirma e reforça esses aspectos negativos de segregação sócio-espacial.
Por exemplo, tomemos o trajeto de uma pessoa que mora nos Aurenys, Taquaralto, Taquari e quadras mais distantes da região central que circunda a Praça dos Girassóis. É um trajeto que cruza a cidade, é mais longo, árduo e marca muito bem a segregação socio-espacial: O cidadão sai de casa num bairro bem populoso e cheio de trabalhadores, majoritariamente homens e mulheres negros e negras, e atravessa uma via Sul-Norte, e ao observar ambos os lados da avenida se depara com glebas e mais glebas vazias, até chegar ao centro.
Essas são as pessoas que construíram a cidade. Porém o acesso ao transporte limita a trabalhar de segunda a sexta, sem, muitas vezes, ter o direito de ir a um centro de lazer, pois muitas vezes a linha nem funciona em dias “não-úteis”. Em síntese: o cidadão que precisa utilizar o transporte público é na prática, proibido de usufruir da cidade que ele mesmo ajudou a construir e movimenta todos os dias. A mensagem que se passa é clara: você pode trabalhar aqui, e isso é indispensável, mas você não pode morar aqui, nem perto daqui, e todo acesso será difícil e demorado.
Com o fim da cobrança de tarifas no transporte busca-se a melhoria da qualidade da mobilidade urbana, com menos automóveis, fumaça, barulho e violência no trânsito a curto, médio e longo prazo. É preciso entender que transporte é um direito universal e deve ser garantido e como parte da solução destes problemas apresentamos a abolição da cobrança direta de tarifas no transporte público.
TARIFA ZERO JÁ
Isso significa que, tendo a prefeitura a possibilidade de subsídio total agora do transporte público, uma política de Tarifa Zero impõe que esse direito seja para todos através de um financiamento indireto, assim como é a coleta de lixo ou o investimento em malha ferroviária, rodoviária etc.
É preciso apontar de onde vem a receita e organizar para que não haja cobrança direta do cidadão na catraca. Mais de 60 municípios brasileiros já implantaram projetos de tarifa zero no transporte para garantir a gratuidade dos serviços de ônibus para os usuários, segundo levantamento realizado por uma série de pesquisadores, sendo que e com Palmas, já são 10 com mais de 60 mil habitantes. A lista é extensa, passando por Paranaguá/PR, Formosa/GO, Itapeva/SP, Cianorte/PR, Aquiraz/CE, Mariana/MG, Parobé/RS, Arthur Nogueira/SP, Piedade/SP, Campo Belo/MG, Vargem Grande Paulista/SP entre outras.
Diversas pesquisas realizadas apontam que essa já é a realidade em vários locais no mundo. E não em pequenas cidades apenas, sob a justificativa de que só com uma frota e linhas reduzidas seria possível, mas sim em grandes centros. É o caso de Talim, na Estônia, a Capital do Transporte Público Livre, que já em 2013 teve, através da prefeitura local, a implementação da tarifa zero, além de propor o tema em debate através de fóruns e conferências com pesquisadores do mundo inteiro.
No Brasil temos exemplos paradigmáticos também. É o caso de Maricá, no Rio de Janeiro, uma cidade com 157.789 habitantes, sendo a única com mais de 60 mil habitantes com políticas de passe livre universal no Brasil. Apesar de não serem todas as rotas que estão dentro da política de tarifa zero, muito por conta de sua área extensa e de difícil cobertura, a cidade dá um passo importante na concretização da mobilidade urbana como direito.
CONCLUSÃO
Não faltam exemplos, estudos e demanda para que uma política de tarifa zero seja implementada em Palmas de forma definitiva. É necessário pautar a mobilidade urbana como um direito com urgência de ser concretizado numa cidade planejada com tanta segregação sócio-espacial. Integrado a isso deve ser dada atenção à toda estrutura que está intricada nesse direito, por isso exigimos:
- PASSE LIVRE JÁ: A política de tarifa zero deve permanecer após dia 02/03/2023, a prefeitura e o Conselho Municipal de Acessibilidade, Trânsito e Transporte devem direcionar seus esforços para concretizar uma proposta definitiva para Palmas.
- ESTAÇÕES DIGNAS: É preciso investir nas estações e sair do modelo improvisado que se encontra sem banheiros, sem iluminação, sem água em várias estações e sem cobertura suficiente nas chuvas.
- MOTORISTAS COM DIREITOS: Por um concurso público para os motoristas, garantindo direitos e dignidade, sem sobrecarga e sem boicotes dos grupos empresariais.
- POR MAIS PARTICIPAÇÃO POPULAR – A CIDADE É NOSSA!: A população tem o direito de participar, de ser informada sobre essa possibilidade e decidir de forma coletiva sobre a política de tarifa zero. O conselho de mobilidade urbana deve atender ao interesse coletivo.
- FROTAS DE ÔNIBUS CLIMATIZADAS: Numa cidade como Palmas em que diversos fatores contribuem para altas temperaturas, chegando a 40.2°C como localização geográfica, o clima tropical de savana e a urbanização, é inaceitável fazer com que as pessoas se aglomerem em ônibus sem climatização. Por isso, as frotas de ônibus precisam ser climatizadas já!
¹ Planilha organizada a partir de levantamento realizado por Daniel Santini de informações oficiais dos municípios, notícias e entrevistas, além de dados reunidos em pesquisas realizadas por Marijke Vermander, Rafael Calábria e Thais Fernandes Pereira.