Autonomia, liberdade e democracia: por que reinvindicar Rosa Luxemburgo?
Rosa Luxemburgo foi, sem sombra de dúvidas, uma das teóricas mais importantes para o marxismo no século XX. Suas contribuições são indispensáveis no debate sobre democracia, socialismo e liberdade.
Rosa Luxemburgo foi, sem sombra de dúvidas, uma das teóricas mais importantes para o marxismo no século XX. Suas contribuições são indispensáveis no debate sobre democracia, socialismo e liberdade, apesar de ser negada e subestimada por grupos marxistas que não possuem a compreensão do impacto de Rosa para as nossas formulações.
Em 5 de março de 1871 nascia, em uma cidade na Polônia ocupada pela Rússia, a escritora que iria polemizar tanto com os revolucionários quanto com os reformistas. Rosa ainda era jovem quando entrou para o movimento operário e foi vítima de perseguição política antes de completar 18 anos (que se intensifica pelo fato de ser judia), motivo pelo qual se refugia na Suíça.
Assim, aos 22 anos, a revolucionária iria se juntar aos socialistas poloneses, a exemplo de seu amante Leo Jogiches, e fundar o SDKP (Social-Democracia do Reino da Polônia), que passou a se chamar, 1 ano depois, SDKPiL (Social-Democracia do Reino da Polônia e Lituânia). Quando vai para Berlim, em 1898, a camarada Luxemburgo se engaja na militância no Partido Social-Democrata Alemão (SPD), é nessa época que se torna conhecida por combater o revisionismo de Bernstein em “Reforma ou Revolução?”.
Como nos lembrava Raya Dunaevskaya, as polêmicas trazidas por uma jovem de 27 anos recém-chegada e sua ousadia em escrever o melhor contraponto à um projeto político representado por uma das maiores referências da social-democracia diz muito sobre o seu potencial teórico. Desse modo, Rosa ataca o revisionismo e o oportunismo em Bernstein, que propunha revisar as teses de Marx sobre a luta de classes e a revolução e impulsionar uma política conciliatória que procura o socialismo não na libertação revolucionária da classe trabalhadora, mas numa ampliação das reformas que abriria espaço para uma nova sociedade.
No entanto, como ela nos lembrava, o Estado não pode ser desassociado do seu caráter de classe, ou seja, deve-se sempre ter em mente a limitação desse espaço pra ação das massas. Sendo assim, não há como falarmos em democracia socialista por meio de reformas pois a democracia burguesa jamais permitiria uma participação ampla das massas no seu interior, uma vez que isso ameaça e contrapõe o regime de propriedade privada.
Dessa maneira, as reformas burguesas não são necessariamente uma brecha para a derrocada do capitalismo, porém só ocorrem (na limitação da democracia burguesa) na medida em que possam assegurar o domínio da propriedade privada. O que fica pra nossa compreensão é que a luta pelas reformas não pode possuir um fim em si, mas deve ser um meio pelo qual a classe trabalhadora se movimenta e leva à frente o projeto de transformação da sociedade. Em outras palavras: o socialismo não pode ser alcançado por meio de reformas e decretos, mas é uma construção direta da classe trabalhadora a partir da sua própria ação.
Isso nos leva à um ponto essencial do pensamento de Rosa: a ação autônoma das massas é indispensável para se pensar democracia socialista. Assim como foi ressaltado pela escritora em “O Que Quer a Liga Espartaco?”: “A essência da sociedade socialista consiste em que a grande massa trabalhadora deixa de ser uma massa governada para viver, sem embargo, ela mesma a vida política econômica com autonomia, a orientá-la por uma autodeterminação consciente.”
Democracia e socialismo são dois pontos inseparáveis para ela, só é possível falar de democracia onde há socialismo e não é possível a existência de um socialismo autoritário. No entanto, o combate à burocracia não pode deixar de lado o potencial organizativo da autogestão dos trabalhadores, que são os agentes ativos da revolução e não um simples objeto.
Nesse sentido, Isabel Loureiro afirmava, em “Democracia e Socialismo em Rosa Luxemburgo” que “A ação livre das massas é, por um lado, pré-condição da democracia socialista – o oposto da dominação de um único partido que, para ela, conduzirá inevitavelmente à burocratização e ao estio lamento da vida pública.” Tal leitura nos aponta um direcionamento para a identificação do autoritarismo e do pilar que permite o surgimento de uma casta burocrática no interior dos movimentos e partidos: a supressão das decisões e ações de base e prevalecimento da hierarquia sobre as massas.
Como ela mesma afirmara, em “A Revolução Russa”: “Liberdade somente para partidários do governo, somente para os membros de um partido – por mais numerosos que sejam- não é liberdade. Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de modo diferente. Não por fanatismo pela “justiça”, mas porque tudo quanto há de vivificante, salutar, purificador na liberdade política depende desse caráter essencial e deixa de ser eficaz quando a ‘liberdade’ se toma privilégio”.
Isso nos fornece uma ferramenta para questionar um fenômeno personalista que busca a libertação e vitória das massas em um líder. As lideranças orgânicas são importantes na nossa compreensão, mas elas não devem ser fetichizadas e nem mesmo colocadas acima da agência da classe trabalhadora, cuja emancipação e vitória advém única e exclusivamente da sua própria ação. Essa era, inclusive, a visão da revolucionária sobre a Revolução Russa, ou seja, que essa foi o resultado da ação direta dos trabalhadores russos e não o simples mérito de lideranças, apesar de suas importâncias naquele contexto.
Portanto, tendo em vista a tamanha compreensão da autora para o marxismo, por que sua figura continua a ser tão renegada e distorcida? Historicamente, houve tentativas de instrumentalização da figura da camarada Rosa Luxemburgo, além de calúnias contra seus partidários e silenciamento de seus escritos.
No interior do movimento comunista, isso começa nos debates com Lênin e evolui até um projeto oportunista de perseguição de opositores. Primeiramente, as polêmicas entre Lênin e Rosa (e algumas falas equivocadas do escritor) deram ao KPD um motivo para perseguir opositores internos e à denominação “luxemburguismo” na tentativa de sintetizar um certo desvio da “linha correta”, como apontado por Isabel Loureiro em “A recepção de Rosa Luxemburgo na Alemanha”.
Mesmo Rosa tendo exercido diversas críticas ao Trotsky, nas disputas internas no KPD em torno de uma sucessão à Lênin aqueles que eram favoráveis à Stálin e Zinovev atacavam aos próximos das formulações da camarada Luxemburgo acusando-os de serem trotskistas. Tais ataques foram fortalecidos com o discurso de Stálin que, chamando-a de “semi- menchevique”, afirmava que era necessário combater o luxemburguismo para consolidar a derrota do trotskismo.
A partir daí, os PCs se alinharam à visão stalinista sobre a escritora e passaram a combater e silenciar suas ideias, recusando-se por 40 anos à publicação de suas obras, que só foram publicadas completamente na RDA em 1970. Como observado por Isabel Loureiro, a perseguição atendia à interesses políticos na medida em que propunham uma visão dogmática e errônea sobre Rosa e legitimava os rumos que os PCs estavam a tomar, ou seja: “a crítica do espontaneísmo; a necessidade do partido-vanguarda, visto como o ator principal; a possibilidade da revolução em um só país; a separação entre Lênin e Trotsky (que Rosa não tinha feito em A revolução russa); a canonização de Lênin (o gênio que nunca errou) (…)”
Para além da visão dogmática e burocrática, suas obras eram uma ameaça para a social- democracia e para os reacionários, especialmente os nazistas. Esse foi o motivo pelo qual ela e seu companheiro Karl Liebknecht foram brutal e covardemente assassinados, a revolucionária havia criticado duramente o governo social-democrata e revisionista de Ebert e Scheidemann.
Ademais, em 1933 os nazistas sentiram a necessidade de queimar seus escritos, na busca de eliminar as influências dos pensamentos revolucionários (principalmente os formulados por judeus, como Marx e Rosa) no interior das massas. A intelectualidade alemã não lutou contra as queimas, no entanto, suas memórias foram armazenadas no PC russo, em Moscou, após seus companheiros as levarem.
As ideias de Rosa Luxemburgo são de muita importância para o movimento revolucionário, em vários lugares (inclusive no Brasil) sua figura é reivindicada e sua teoria é ignorada, ainda que essa enfrente os setores reformistas, reacionários e dogmáticos. Sua visão verdadeiramente democrática e internacionalista deve ser inspiração para nossa tradição e que possamos, assim como Trotsky, afirmar para os capitalistas e para os dogmáticos que subestimam seu potencial: Tirem as mãos de Rosa Luxemburgo.
Viva Rosa! Viva a democracia socialista!