Por uma universidade transicionada!
Um panorama da luta pela implementação das cotas trans na UnB: é só na luta que conquistamos o que é nosso!
Nas últimas semanas, ês estudantes da UnB deram mais um passo à frente na luta pelas cotas para pessoas trans e travestis. O movimento só foi possível pela mobilização iniciada ainda durante o período de greve.
A greve nas Instituições Federais de Ensino marcaram o 1° semestre de 2024. Servidores Técnicos e Professores paralisaram por todo país numa luta que ia desde o reajuste salarial à recomposição orçamentária das universidades. Nesse cenário, setores do movimento estudantil da UnB compreenderam que a luta dos técnicos e professores também era sobre os estudantes. As medidas de desmonte da universidade somadas à fragilidade das políticas de permanência estudantil provocaram a inserção dos estudantes no movimento grevista. Os Centros Acadêmicos e o Diretório Central dos Estudantes da UnB foram os principais impulsionadores de atividades no período. Organizaram e estiveram presentes por meio de assembleias de curso, manifestações, piquetes, confecção de cartazes e faixas, panfletos informativos e posts no instagram.
As reivindicações dês estudantes na greve eram direcionadas tanto à Reitoria da Universidade quanto ao Governo Federal. Foi uma estratégia utilizada para conectar as lutas locais e nacionais em torno de uma agenda de mobilizações num período de recuo do movimento estudantil pós-pandemia.
O Diretório Central dos Estudantes e os Centros Acadêmicos conseguiram, a partir das mobilizações, reuniões de negociação com a reitoria, em que as reivindicações tiradas nas assembleias eram postas na mesa. Desde o início, as cotas para pessoas trans e travestis apareciam entre as demandas. Em uma das mesas, fomos informados que em 2022 um processo sobre cotas para pessoas trans havia sido iniciado, mas que estava parado desde então. Retomar esse processo se tornou nossa prioridade.
Atualmente, pessoas trans e travestis representam apenas 0.02% do corpo discente no ensino superior. 70% da população trans não concluiu o ensino médio, 90% já recorreu à prostituição para sobreviver, a expectativa de vida de pessoas trans é de 35 anos, homens trans e transmasculinos lideram os índices de suícidio. Essa é uma realidade que não pode ser normalizada e a ausência de pessoas trans nos espaços de produção de conhecimento não é mera coincidência. A cisnorma produz a exclusão de pessoas trans e as relega apenas à marginalidade.
Queremos pessoas trans formadas, que sejam nossas colegas de turma, que sejam nosses professores, que estejam nas referências bibliográficas dos cursos, que estejam produzindo conhecimento, fazendo pesquisa, ao fim, queremos que estejam juntes conosco.
A partir disso, reunimos os Centros Acadêmicos, o Coletivo UnB Trans, o DCE e demais entidades da universidade para organizar um Seminário com o intuito de fomentar nos espaços o debate sobre a urgência da implementação de cotas para pessoas trans e travestis no ensino superior.
Na véspera do Seminário, os docentes e os técnicos retornaram às atividades. Apesar da tentativa do Governo Federal de boicotar o movimento, as categorias em greve conseguiram vitórias, ainda que insuficientes, perto do projeto de educação que defendemos. Com isso, o Seminário seria realizado logo após a volta às aulas.
A primeira atividade do Seminário aconteceu no dia 27/06 com o HH do Orgulho e a Vogue Night. Ocupamos a universidade com cultura e resistência LGBTQIA +.
No dia 01/07 aconteceu uma Mesa Inaugural com lideranças do movimento LGBTQIA + do DF. Nela tivemos a presença do Deputado Distrital pelo MES-PSOL Fabio Felix; da assistente social e militante do coletivo Juntas Lucci Laporta; do primeiro pedagogo transmascuino formado pela UnB e membro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT) Kalleb Giulia; da militante do movimento correnteza, estudante de serviço social e parte da House of Mamba Negra Fran Evelyn. Na mesa discorremos um pouco sobre vários assuntos e, dentre eles, as dificuldades vivenciadas pela comunidade trans, a necessidade de políticas de permanência voltadas à comunidade trans e travesti, a urgência das cotas para esse público e sobre a vivência de pessoas trans do ensino médio. Em suma a mesa foi um sucesso, com uma banca de peso, parte da comunidade trans da UnB e pessoas cis-aliadas tivemos uma linda abertura com debates bem fomentados e pautas super importantes.
Seguindo as atividades, o dia 02/07 foi recheado na programação. Tivemos três atividades: “Roda de conversa: enquanto houverem muros, jamais seremos livre”, “Mesa de debate: políticas afirmativas, um panorama sobre a implementação de cotas no brasil” e “Mesa de debate: Existe universidade em Pajubá?”
Sobre a primeira atividade, na roda de conversa tivemos a presença de várias pessoas trans e cis-aliadas. Discutimos nossas vivências e debatemos sobre os critérios técnicos de implementação das cotas. Apesar de ser uma pauta difícil, todes concordaram que não deve ser uma avaliação medicalizante e que a banca de heteroidentificação deve ser composta em sua maioria por pessoas trans. Também foi concordado que a banca de heteroidentificação deve aceitar mais de um meio de comprovação como: relato pessoal, relato de amigos ou família, utilização de nome social, mudança na documentação, uso hormonal ou quaisquer outros meios comprobatórios de que aquela pessoa passou por uma transição social de gênero. A roda de conversa foi de extrema importância para a integração do coletivo e para a criação de um espaço seguro para pessoas trans na UnB. Já na mesa de debate sobre políticas afirmativas, segunda atividade do dia, tivemos uma mesa ocupada por: Caytt Catrin, uma travesti estudante de ciências sociais e membro da Associação de Discentes Trans e Travestis da UFPA, além de educadora popular e militante do coletivo juntos; João Vitor, Membro do Núcleo de estudos de diversidade sexual e de gênero (NEDIG) da UnB e a Célia Selem, Diretora de Diversidade da Secretaria De Direitos humanos da UnB.
Nesta mesa nos aprofundamos mais nas políticas de permanência para a comunidade trans dentro da graduação. Discorremos também sobre a questão dos banheiros, já que dentro da UnB, a cruel realidade é que ir ao banheiro é um risco.
Essa mesa foi de fundamental importância, graças ao debate abrimos espaço para um diálogo muito importante “não adianta colocar uma população vulnerável em um ambiente que não a desvulnerabiliza”.
Na terceira mesa do dia, fizemos um debate epistemológico sobre contribuições de pessoas trans na acadêmia, como convidados tivemos a Cientista Social Brume Dezembro, a Historiadora e Psicanalista Marilea Almeida, e o Antropólogo Dan Kaio Lemos. Refletimos que hoje, a universidade comunica um discurso hostil às pessoas trans, não está em pajubá.
O Seminário foi finalizado dia 03/07 com uma Marsha pelas Cotas Trans que partiu do Ceubinho às 16h em direção à reitoria. Pessoas trans, travestis, transmasulinos, não binários, transfemininas e cis-aliados se uniram por uma só luta. Os gritos, os cartazes e as faixas sintetizavam a máxima do movimento: Cotas Trans Já!
A efervescência do movimento estudantil na universidade, aliada à mobilização de discussões potentes e à construção de redes durante o Seminário Trans, mobilizou estudantes a ocuparem a Reitoria da UnB, impedindo que a instituição continue tapando seus ouvidos e normalizando a ausência de pessoas trans e travestis nas universidades.
O resultado inicial de nossa luta se materializou a partir do encontro da marcha com o vice-reitor da UnB, que nos recebeu na sala de reuniões da reitoria. Nessa conversa pautamos e dialogamos sobre a necessidade urgente de se instituir uma política de cotas para pessoas trans e travestis na UnB, garantindo transparência e celeridade, assim como a participação da comunidade trans e travestis durante todo o processo de construção da política. Ressaltamos ainda a necessidade de não só garantir o acesso à universidade, mas a permanência de pessoas trans e travestis na UnB. É inadmissível que desde 2022, a política de implementação de banheiros neutros na UnB, já autorizada pela reitoria, esteja parada. É inadmissível que qualquer tipo de perseguição pública aos direitos de pessoas trans e travestis seja motivo para que a Universidade seda e normalize a violação de direitos básicos de nossa população, que tem sua dignidade constantemente violada! Por isso, cobramos que a implementação dos banheiros neutros na UnB seja retomada com urgência, ficando acordado que seria formado um GT para dar continuidade a implementação da política.
Ao final disso, uma carta-compromisso foi entregue à reitoria da UnB. A carta foi assinada pelo Vice-Reitor, que se comprometeu a convocar o mais breve possível uma reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão para tratar sobre o tema.
Antes disso acontecer, ês estudantes terão uma reunião com os responsáveis pela Câmara de Ensino e Graduação, órgão da universidade em que o processo iniciado em 2022 se encontrava, para avaliarem o relatório técnico antes de sua apreciação. Nesse momento, precisamos garantir que toda a comunidade universitária se engaje na luta para que as cotas sejam instituídas.
O acúmulo das lutas de períodos anteriores criou as condições para que as conquistas de hoje fossem possíveis. Cada estudante deve encarar o movimento estudantil e seus métodos como instrumentos possíveis de intervenção e transformação da realidade concreta.
A luta continua, e não cessa até que as universidades sejam completamente transicionadas.