A luta por cotas trans e o combate à extrema-direita
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A luta por cotas trans e o combate à extrema-direita

“Conforme os debates e a mobilização avança pelo Brasil, é cada vez mais claro que a disputa por cotas trans é estratégica e está inserida em um contexto maior de combate à extrema direita e resistência aos ataques do fascismo contra a população trans”

Ekop Novis dos Santos 15 nov 2024, 08:54

Nas últimas semanas, temos acompanhado uma série de vitórias do movimento estudantil e LGBTQIA+ em relação à conquista de cotas trans, com a aprovação da medida na UNIFESP, UNB, UFF e UFRRJ. Esses avanços vêm colocando essa pauta em evidência em outras universidades, com cada vez mais estudantes se organizando para debater a medida. Na USP, a Caravana por Cotas Trans, organizada pelo DCE e pela Coletiva Xica Manicongo, coletividade trans de estudantes, já está pautando as cotas em diversos institutos, criando um abaixo-assinado que já passou das 1500 assinaturas. Na UNICAMP, as movimentações da greve permitiram avanços nessa luta, com a conquista do Grupo de Trabalho por Cotas trans e a realização de Audiências Públicas sobre a pauta.

Conforme os debates e a mobilização avança pelo Brasil, é cada vez mais claro que a disputa por cotas trans é estratégica e está inserida em um contexto maior de combate à extrema direita e resistência aos ataques do fascismo contra a população trans. Como muito bem analisado por Gal no texto Reflexões sobre a conjuntura internacional da luta LGBTQIA+, a população LGBTQIA+, em especial as pessoas trans, tem sido alvo de uma cruzada moral pela extrema direita, a fim de criar um inimigo que a sociedade deveria se unir, sob a figura de lideranças fascistas, para combater.

A eleição de Lucas Pavanato como vereador mais votado da cidade de São Paulo, com mais de 160 mil votos, demonstra a adesão dessa cruzada em setores da população. O influenciador se elegeu a partir de uma campanha “anti-woke” que tinha as pessoas trans como um dos grandes alvos, com a defesa da expulsão de pessoas trans de banheiros e esportes, a perseguição de crianças trans, dentre outros ataques sobre o banner do “Fim da ideologia de gênero”.

A expressiva votação de Pavanato demonstra um certo sucesso dessa nova estratégia da extrema direita, que, inspirada nos seus correspondentes de fora do país, busca ascender ao poder a partir da criação de um pânico moral. Em tempos de fragmentação do bolsonarismo na capital paulista e inelegibilidade do ex-presidente, a perseguição às pessoas trans tem sido uma das estratégias desse setor para manter a sua relevância e tentar retomar o poder. Nesse sentido, as cotas trans, para além de uma medida essencial para o combate à miséria da população trans e travesti, tem sido um ponto estratégico para o combate à extrema direita.

Nesse sentido, é importante lembrar que as universidades repercutem, em seu aparato burocrático e institucional, o conservadorismo que sustenta a perseguição à comunidade trans. Durante a Greve da USP do ano passado, por exemplo, a reitoria se mostrou extremamente resistente à discussão de cotas trans, se negando a dialogar com o representante do coletivo trans e chegando inclusive a dizer que a universidade não estaria pronta para essa medida. A existência de pessoas trans na universidade é cotidianamente permeada por uma série de desafios que nos lembram que esse lugar não foi criado com nós em mente. Desde políticas gambiarrentas de inclusão de nome social, até a resistência à implementação de banheiros que nos incluam, a nossa mera presença no ambiente acadêmico aparenta ser uma pedra no sapato do conservadorismo da burocracia universitária.

Dessa forma, a conquista de cotas trans nas universidades tem se mostrado uma vitória concreta contra esse conservadorismo que sustenta a cruzada moral estabelecida pela extrema direita como tentativa de manutenção de relevância. Conquistar as cotas trans é mostrar para aqueles que querem nos expulsar dos banheiros, dos esportes e de tantos outros lugares que vamos ocupar, além desses locais, o ambiente acadêmico que por tanto tempo nos foi violento.

Além disso, a luta por cotas trans oferece uma saída da miséria causada pela perseguição conservadora: a mobilização e organização da juventude trans. Em um contexto de descrença nos sistemas políticos tradicionais, a juventude busca alternativas à barbárie capitalista. Assim, sendo cotas trans uma medida que poderá ser conquistada apenas pela mobilização estudantil, ela se mostra como uma oportunidade de mostrar para essa juventude que nossa saída da desgraça não será por meio de figuras populista de extrema-direita ou pela conciliação com quem nos quer morto, mas sim pela luta coletiva.

Do mesmo modo que as cotas raciais, a conquista de cotas trans será fruto de uma luta que irá extrapolar a vanguarda já convencida do movimento estudantil e movimento trans. A partir desse processo, a juventude trans poderá perceber que, se há uma cruzada contra nós, a resposta é a luta contra aqueles que buscam nos expulsar de nossos lugares. Em tempos de ofensivas da extrema direita, que a juventude trans não aceite calada sua miséria, mas se organize para lutar contra o “Cis”tema.


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