Balanço do Juntos! sobre o 60° Congresso da UNE
Sobre a disputa da UNE, o Encontro Ecossocialista e a construção de uma nova esquerda para derrotar a extrema-direita
Dos dias 16 a 20 de julho, ocorreu o 60° Congresso da União Nacional dos Estudantes em Goiânia. O CONUNE por si costuma ser um acontecimento, pelo fato de reunir milhares de estudantes mobilizados por diversas forças políticas. Espaços desse tipo não têm sido comuns em outros âmbitos do movimento de massas e é aí que reside um dos aspectos fundamentais pelos quais nós e outras organizações construímos a UNE: pela sua capacidade de ser um organismo de frente única, que promove encontro, discussão e possibilita a construção de ações em unidade – ainda que estas não tenham acontecido muito no último período. A palavra unidade, aliás, foi o centro das polêmicas deste Congresso.
O contexto político
Trata-se do 2º Congresso realizado em meio ao governo Lula III, marcado por uma experiência do lulismo pós-bolsonarismo. O CONUNE de 2023 foi caracterizado por uma batalha da oposição contra o arcabouço fiscal, até então no primeiro ano de vigência, e pela independência política da entidade, expressa na disputa por um calendário de lutas que pudesse derrotar o Novo Ensino Médio. A experiência com o novo governo ainda estava para se desenvolver, começando com anúncios positivos como o reajuste das bolsas de pesquisa, uma recomposição do orçamento das universidades federais – ainda que tímida, mas já localizados na contradição de uma política econômica que mantinha os marcos fiscais dos governos anteriores.
Agora, a situação é bem diferente. Vivemos uma greve das federais em 2024, atacada pelo governo e pela própria UNE, que variou de posições ao longo do processo: começou ignorando a greve; em alguns momentos, as forças políticas que dirigem a entidade chegaram a votar contra as mobilizações estudantis; e ao final, até chegou a apoiar os trabalhadores em luta, mas cheia de poréns, quase acusando de sectarismo aqueles que questionavam ao neoliberalismo do governo. A greve das federais é sintomática e demonstra que a experiência com o que até 2023 era um “novo” governo necessariamente mudou, ainda que os desafios centrais da conjuntura permaneceram.
O 60º CONUNE se desenvolveu em meio a um contexto político bastante decisivo e de acirramento no enfrentamento à extrema-direita: de um lado, a resistência à Trump e o tarifaço imperialista; de outro, Bolsonaro recebendo uma tornozeleira eletrônica e cada vez mais perto de ser preso. Tivemos mobilizações nas últimas semanas que demonstraram a possibilidade de avançar o nosso programa pelas ruas. Desde os EUA, com mobilizações contra as medidas anti imigrantes de Trump, passando pelo globo com atos em solidariedade a Palestina que ganharam fôlego, até manifestações no Brasil que afirmaram uma linha de enfrentamento ao Congresso e de defesa do povo brasileiro diante dos ataques imperialistas.
A cena do Congresso
Não é possível deixar de mencionar que o evento começou com uma tragédia, envolvendo estudantes e trabalhadores da UFPA, que necessariamente mudou o clima do Congresso, colocando a necessidade de acolher os companheiros do Pará em primeiro lugar. Este foi o fato que marcou o dia de abertura do CONUNE.
Na quinta-feira, tivemos a presença de Lula e um conjunto de membros do governo federal. Ainda que o presidente reafirmou a defesa da soberania brasileira diante dos EUA, há fatos que expressam bem as contradições de seu governo. Camilo Santana foi enfático em defender o que seriam os avanços promovidos pelo MEC. Inclusive, se vangloriou da suposta vitória de termos hoje um orçamento superior ao deixado por Bolsonaro em 2022. Ao final, Lula sancionou uma lei que possibilita a destinação de parte do Fundo Social do Pré-Sal à assistência estudantil.
O ato, porém, demonstrou três limites representativos: nem a UNE nem o governo tocaram no tema do PL da Devastação, aprovado no dia anterior ou no da ruptura de relações Brasil-Israel. Além disso, mesmo que progressivo que o tema do arcabouço fora da educação tenha sido levantado pela carta da UNE, a assinatura do PL sobre o Pré-Sal em meio ao evento colocou um tom de propaganda do governo ao espaço. Temos que lutar por todo centavo para educação, mas se não centrarmos esforços contra o teto de gastos, não existe saída real para e a educação. Com a iminência da perfuração do Foz do Amazonas, inclusive, há de se fazer um debate sobre o que significa a vinculação do financiamento da educação ao desmonte ambiental. Precisamos ir até o fim na luta pela recomposição completa e pelo fim do arcabouço fiscal se queremos construir uma real defesa da universidade pública.
A segunda questão é sobre as afirmações de Camilo Santana, que muito soaram como um “cala boca” aos estudantes, já que o governo teria avançado em muito com a educação e não precisaria ser criticado. Mas como David Deccache nos demonstra, o orçamento atual para o funcionamento das instituições federais de ensino sequer chega perto do primeiro ano de governo Bolsonaro. O orçamento que ele deixou para a educação em seu último ano de governo foi desastroso e não pode ser um parâmetro de comparação. Os próprios números sobre o orçamento são bem explícitos para caracterizarmos que há uma crise na educação federal e que o governo Lula tem feito pouco para superá-la. De Temer até o governo Lula III, vemos uma continuidade da política neoliberal que tem sufocado a educação pública.
A unidade para que(m)?
A principal polêmica do Congresso estava no tema da unidade, que vem sendo debatida desde o CONEB, passando pelo CONEG, até o processo de eleição de delegados. Como podemos derrotar a extrema-direita? A direção governista da entidade tem respondido a essa pergunta afirmando a necessidade da unidade. Já tratamos deste debate em outros textos, mas é importante retomá-lo.
A afirmação sobre a unidade é tão abstrata que utilizam para afirmar que não há mais necessidade de uma oposição na entidade, porque nossos desafios seriam muito superiores a qualquer diferença interna dentro do movimento estudantil. Os inimigos estão lá fora, eles dizem. É neste raciocínio que temos a marca da entrada da Juventude Sem Medo (Afronte, RUA, Fogo no Pavio, Manifesta e Travessia), juventudes que constroem o campo de Guilherme Boulos no PSOL, para o campo governista da entidade.
Para este setor, a mobilização social só seria possível se apoiasse o governo em determinado enfrentamento, como é o caso da luta antiimperialista contra o tarifaço de Trump. Mas não faria sentido a luta que questionasse o governo quando este não estiver disposto a “sancionar” esta movimentação, como vimos na postura da UNE durante a greve das federais.
Sempre afirmam que é preciso fazer unidade. E por isso a oposição seria infantil porque não a faz, insistindo em ser algo “à parte” do que seria “o todo”, apenas para se autoconstruir. Por aqui, não temos discordância da necessidade de construir unidade. A questão é: a que serve a unidade?
Temos respondido de forma firme que a unidade precisa servir à luta, como vimos na unidade entre as três principais categoria que compõem as universidades federais (professores, trabalhadores técnicos e estudantes) durante a greve, ou mesmo no Tsunami da Educação, que foi capaz de exercer uma maioria social para derrubar os cortes e impor uma primeira derrota política ao governo Bolsonaro. Para nós, a unidade não pode ser uma mera abstração ou mesmo uma composição específica para formar uma chapa em um Congresso – e se levarmos em conta a chapa vencedora dos últimos Congressos da UNE, composição essa que sequer se realiza nos processos reais de mobilização. Também vale lembrar que essa mesma direção que tanto agita a unidade, atuou de forma autoritária para impedir que o campo da Oposição de Esquerda pudesse estar unificado na Plenária Final do Congresso. Para essa direção, a unidade parece ser somente interessante quando puder ser domesticada para servir diretamente aos seus interesses.
A argumentação que tem justificado a atuação do campo governista pode ser chamada de “etapismo do século XXI”. Eles dizem que para derrotar a extrema-direita é preciso de unidade, o que é correto. Mas hierarquizam a unidade como um eixo que determina os demais elementos da política. Ignoram, portanto, que o neofascismo é fruto da crise, da exploração cada vez mais brutal promovida pelo capitalismo, onde determinados setores da sociedade são disputados por aqueles que questionam “tudo isso que está aí” e apontam que o problema está no outro: o imigrante, o negro, a mulher, o LGBT, o palestino, etc. Historicamente, vemos que a derrota da extrema-direita não vem apenas de sua negação, porque se as bases sociais que possibilitam seu surgimento continuam (o capitalismo, sua crise e a ausência de alternativa), o fenômeno seguirá ocorrendo mesmo com outras figuras, como um bolsonarismo sem Bolsonaro. Assim, a posição da direção majoritária da UNE é etapista, porque querem primeiro derrotar o neofascismo para depois construir uma alternativa, sem entender que se trata de um processo necessariamente combinado.
Por isso que a partir da unidade para lutar, reafirmamos que há uma necessidade de construir uma nova esquerda para derrotar essa extrema-direita. E como nova esquerda, não queremos uma reinvenção da esquerda que surja de uma abstração mirabolante, mas que venha das lutas que dão o exemplo para um o novo caminho, como a coragem do povo palestino. A nova esquerda, assim, seria a superação da velha esquerda, que alguns como Safatle dizem estar morta, por ter sido incapaz de realizar o seu sentido de ser. A velha esquerda é a expressão da esquerda que é parte do regime, que busca produzir melhorias no capitalismo e diminuir a crise. A direção governista da UNE representa esta velha esquerda no movimento estudantil e está em crise por isso.
A crise se aprofunda para quem dirige a entidade
O aprofundamento da artificialidade no Congresso da UNE é também fruto dessa direção que está desconectada com as lutas reais e não consegue se renovar. É por isso que surgem cada vez mais entidades fakes, como DCEs que são criados às vésperas do CONEG para garantir a continuidade de uma maioria na comissão organizadora do Congresso, a CNECO. Em 2025, tivemos como novidade a criação de diversos DCEs de universidades com Ensino à Distância (EAD), onde existem poucos ou quase nenhum espaço de encontro dos estudantes. Seria ingênuo pensar que neste ano houve um grande avanço na organização destes estudantes.
E neste CONUNE, houve um salto na artificialidade. Anteriormente, havia a lógica de que cada pessoa poderia ser apenas um delegado, ou seja, um delegado por pessoa. Agora, foi aprovado que cada estudante pode ter até 3 crachás, ser delegado até 3 vezes. Como se fosse comum e razoável, estudar em três locais distintos, um por turno. Mais irrazoável ainda, seria ter tempo para ser representante ou liderança de cada um desses locais.
É preciso seguir nesta denúncia e batalha democrática. Por isso que a partir de agora, queremos ser mais enfáticos na luta por eleições direta para a entidade, para que se realize uma democracia de base real. Chega de critérios e impugnações arbitrárias no processo de inscrição de chapas: queremos também chapas nacionais, que reflitam o que é a disputa total da entidade e garantam o direito do estudante votar no projeto que se identifica de forma direta, sem artifícios burocráticos que impeçam sua representação política. O próximo CONEB será estatutário: de nossa parte, para além de uma reforma democrática, queremos defender junto à oposição que a lógica da UNE seja repensada, afinal, a UNE é dos estudantes ou de crachás artificiais?
Um outro acontecimento
A construção de uma nova esquerda passa tanto por retomar o seu sentido estrutural de derrotar o capitalismo como precisa ser renovada a partir daquilo que é conjuntural, como a crise climática que nos faz reivindicar o ecossocialismo como horizonte estratégico. Este CONUNE é um marco para nós neste sentido. E por isso afirmamos que houve um outro acontecimento, o Encontro dos Estudantes Ecossocialistas e Internacionalistas.
O espaço serviu como um pólo articulador, aproveitando as contribuições daqueles na frente das trincheiras contra Trump nos EUA, Israel e a destruição ambiental no Brasil, para construir um espaço de articulação dos nossa nossa militância, em grupos de discussão, que ajudassem na atualização programática e política do Juntos.
Com ele, atualizamos o sentido do que é ser do Juntos. O ecossocialismo passa a ser o centro da nossa intervenção, que está refletido em nosso novo mote: por uma revolução ecossocialista! A partir das discussões do Encontro, iniciamos um novo período para o Juntos!, justo na cidade onde o movimento foi criado em 2011, cujas elaborações estão resumidas na nova Carta de Goiânia . Queremos construir um ecossocialismo que vá além de abstrações teóricas, que seja um programa para milhares, milhões, que sentem e enfrentam os efeitos da crise climática e do capitalismo em meio à barbárie. Um socialismo que se construa a partir das mobilizações que já enfrentamos, contra a escala 6×1, por taxação de grandes fortunas, pelo fim do arcabouço fiscal, por cotas trans nas universidades, mas que apresente um programa além para construir um novo programa para a esquerda brasileira. A plataforma Universidades contra o fim do mundo será um dos instrumentos do Juntos! para esta tarefa.
Retomar às ruas e às bases
Com o Congresso, reafirmamos nosso peso na entidade com a eleição de uma nova diretoria executiva, seguimos a disputa por um movimento estudantil democrático, independente e combativo com a oposição e demos passos na disputa por uma nova esquerda, tanto pelo nosso Encontro, como no que foi sintetizado na carta das juventudes da esquerda do PSOL. Agora, daremos sequência as batalhas que tocamos. Há um calendário de lutas e organização para o qual moveremos nossos esforços:
- 01/08 – Atos contra o tarifaço de Trump e pela ruptura de relações do governo brasileiro com Israel!
- 02/08 – Atos pelo Veta Lula: o PL da Devastação precisa ser derrotado!
- 11/08 – Dia do Estudante – Dia nacional de luta contra o arcabouço fiscal e em defesa do piso e orçamento da educação!
- 07/10 – Na data que marca dois anos do aprofundamento do genocídio do povo palestino, construiremos manifestações no Brasil e no mundo em solidariedade e exigindo as rupturas de relações com Israel!
- Novembro – Juntos! rumo a COP 30 – queremos a partir da COP, denunciar o que é a crise climática e apontar que a saída será por nossas mãos, não pela dos ricaços que destroem o planeta!
- Continuar impulsionando a plataforma Universidades contra o fim do mundo como forma de concretizar essa disputa por um futuro ecossocialista: com atividades de debate, formação, escrachos públicos e o que for possível!