UM CHAMADO AOS ESTUDANTES DE LETRAS DA UFMG CONTRA A APATIA
Diante de um cenário de crise socioeconômica, avanço do individualismo e desmonte da educação pública, a indiferença é uma escolha que nos custa caro. Como cidadãos responsáveis pelo rumo da sociedade, não podemos nos eximir do compromisso de lutar pela realidade que nos cerca e pela universidade que merecemos. É necessário romper com o tempo da passividade e é urgente resgatar a força da ação coletiva
Como profissionais em formação, formadores de opiniões e de pessoas, temos a responsabilidade ética e social de nos mantermos informados e conscientes da realidade que nos cerca, que envolve áreas que afetam diretamente a nossa vida. Entre elas, destacam-se o transporte público de má qualidade que não condiz com o alto custo, os aluguéis caríssimos e a especulação imobiliária que colocam o povo à beira da precarização, além dos preços dos alimentos que impossibilitam refeições saudáveis e de qualidade, os salários insuficientes e o endividamento generalizado. Negar essa responsabilidade significa contribuir para a manutenção de uma sociedade despolitizada, vulnerável à exploração e incapaz de desenvolver pensamento crítico e capacidade de mobilização. Em tempos marcados pela intensificação das rotinas e pela aceleração da vida cotidiana, muitos têm se afastado dos debates públicos e dos problemas coletivos.
No entanto, o tempo não espera e as dores sociais tampouco. Enquanto isso, os problemas persistem, as respostas institucionais nem sempre são suficientes e, diante disso, torna-se urgente compreender que muitas das transformações necessárias dependem diretamente da ação coletiva. A história da juventude brasileira revela a força dessa mobilização e o papel fundamental que a juventude desempenha nos momentos de ruptura e reconstrução social.
Durante a ditadura militar (1964 a 1985), em meio à censura, à repressão e à supressão das liberdades democráticas, o movimento estudantil destacou-se como uma das principais vozes de resistência. Foram os jovens, muitas vezes perseguidos e silenciados, que ousaram desafiar o autoritarismo e lutar por democracia e liberdade. Décadas mais tarde, em junho de 2013, novas gerações voltaram às ruas em protestos iniciados contra o aumento das passagens de transporte público, mas que rapidamente se ampliaram para expressar uma insatisfação generalizada com a desigualdade e a falta de representatividade política.
Em 2016, as ocupações das escolas por estudantes secundaristas em diversas partes do país marcaram outro capítulo dessa trajetória de engajamento, mostrando uma juventude disposta a defender a educação pública e a questionar reformas impostas de cima para baixo. Já em 2019, o chamado Levante dos Livros representou a resistência às políticas de desmonte da educação e da cultura promovidas pelo governo Bolsonaro, mobilizando novamente multidões em defesa do conhecimento, da universidade e da liberdade de pensamento.
Essas mobilizações não estão isoladas e fazem parte de uma onda global de rebeliões juvenis que têm se espalhado em resposta às crises contemporâneas. Da juventude chilena que tomou as ruas contra o aumento das tarifas de transporte e as desigualdades estruturais, aos protestos de jovens franceses contra o desemprego e a precarização da vida, passando pelos movimentos climáticos liderados por estudantes na Europa e nos Estados Unidos, há um traço comum: a recusa em aceitar a dureza da realidade como um destino inevitável. A juventude, no Brasil e no mundo, têm mostrado que não se conformam com o presente e que, apesar das frustrações e incertezas, insistem em reinventar o futuro.
As universidades transformaram-se em espaços de debate e organização política, nos quais jovens se mobilizavam em defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Essa atuação histórica demonstra que a juventude e a educação têm papel fundamental na construção de uma sociedade diferente da que se apresenta na realidade. Compreender o passado é também reconhecer o compromisso presente de manter viva a consciência política, o engajamento social e o compromisso com com a sociedade.
No contexto atual, marcado pela ascensão do neoliberalismo e pela valorização do individualismo, o distanciamento em relação ao sofrimento alheio tem se tornado cada vez mais comum. O terceiro milênio, período em que nos situamos, inaugura novas dinâmicas de organização social impulsionadas pela globalização econômica. Trata-se também do momento histórico que evidencia a crise do capital e o esgotamento das políticas neoliberais, em contraste com o modelo do Welfare State (Estado de bem-estar social). Os efeitos dessa crise repercutem nas relações sociais contemporâneas, nas quais a vida se torna progressivamente regulada e orientada por uma lógica mercantil, como se operasse segundo a racionalidade de uma empresa. No ensino superior brasileiro, essa realidade também se materializa. Muitos estudantes, especialmente aqueles do período noturno, vivenciam o espaço da universidade pública apenas durante as aulas, único momento do dia em que conseguem se distanciar, ainda que temporariamente, do tecido social atual, marcado pela precarização do trabalho e pela compressão do tempo.
Diante disso, é preciso reafirmar que os problemas não se ignoram, enfrentam-se. A indiferença não é uma saída possível. O curso de Letras, por sua vez, deve expressar a grandeza de sua diversidade e relevância dentro da universidade. Não podemos aceitar a miséria do possível, pois nosso local de atuação precisa afirmar-se como um espaço que seja a diferença em nossa sociedade. A Faculdade de Letras, assim como a própria universidade, não deve reproduzir um modelo mercantilizado de educação em que o estudante apenas consome aulas e se retira. É necessário defender uma universidade ampla, sem catracas, com espaços de convivência, lazer, arte e esporte, consolidando-se como um verdadeiro espaço público de formação integral.
Essa defesa de uma educação autônoma e democrática deve vir acompanhada de um compromisso com a permanência estudantil, pois não basta garantir o acesso se a permanência continua sendo um privilégio. A precarização das universidades públicas brasileiras é resultado direto de um projeto econômico que prioriza o lucro e a concentração de riqueza. Para que o projeto dos bilionários do país avance, é preciso reduzir o orçamento destinado aos direitos sociais e ampliar o amparo do Estado às empresas e aos monopólios. Enquanto universidades e institutos federais enfrentam cortes e a ausência de recomposição orçamentária, o governo mantém e amplia políticas de subsídio a grandes setores econômicos, como o agronegócio, que segue recebendo bilhões por meio do Plano Safra, mesmo em um cenário de crise climática e devastação ambiental.
Essa contradição revela o sentido político do desmonte, que é enfraquecer os espaços de produção de conhecimento crítico e fortalecer os setores que sustentam a lógica de exploração e destruição ambiental. Por isso, é urgente lutar contra essa inversão de prioridades, defender o financiamento público da educação e garantir que a universidade cumpra sua função social, científica e humana. Assim como na resistência ao fim da escala 6×1 e a outras formas de precarização do trabalho, é fundamental enfrentar as estruturas que limitam o tempo livre, o descanso e a própria experiência humana. O mundo nos afeta, e nossas escolhas precisam responder a isso. A passividade abre espaço para quem distorce fatos, desacredita da ciência e se alimenta das desigualdades.
É consenso geral de que os estudantes estão descrentes da luta estudantil, o que é sintoma de um corpo social estruturado na lógica do capital, da reprodução do trabalho para a sobrevivência. O conjunto dos estudantes, especificamente os estudantes do curso Letras da UFMG, não olham para o movimento estudantil, para as entidades de base, como C.A.s e D.A.s, como espaço de construção e elaboração política, mas como algo sem sentido, desnecessário, o que é muito preocupante, uma vez que, sem o conjunto dos estudantes engajados e organizados, torna-se muito difícil avançar na conquista dos direitos de assistência e permanência.
A Faculdade de Letras da UFMG enfrenta um processo avançado de precarização, evidenciado pela redução do quadro docente, com professores atuando voluntariamente, e por problemas estruturais, como a iluminação insuficiente, que compromete a segurança dos estudantes do turno da noite. Esse cenário não decorre de fatores isolados, mas resulta diretamente das restrições impostas pelo arcabouço fiscal, que limita investimentos em áreas essenciais como educação e saúde. Essas limitações afetam também a ampliação e o fortalecimento das bolsas de assistência estudantil e de pesquisa.
Este é, acima de tudo, um chamado à ação conjunta, dirigido àqueles que acreditam na força da transformação coletiva e se recusam a ceder à apatia e à indiferença. Para quem deseja fortalecer essa luta, fica o convite para conhecer o Coletivo Juntos, um movimento antifascista, anticapitalista, internacionalista e ecossocialista, comprometido com a defesa da educação pública e com os direitos dos estudantes. Estamos presentes na Faculdade de Letras, construindo diariamente um espaço mais justo, plural e participativo.