Entre o desastre e o futuro — a luta do povo grego
Estaria a Grécia fadada a aceitar este ciclo de miséria? Ou ao contrário, o povo com a maior tradição de lutas na Europa, que derrotou a ocupação otomana, as tropas nazistas e o regime da ditadura dos coronéis vai vencer também a Troika, União Européia, BCE, FMI?
* Por Nathalie Drumond e Israel Dutra, Grupo de Trabalho Nacional do Juntos!
A pergunta que surge aos olhos dos milhões que assistem no mundo ao processo de desintegração da Grécia é clara: até quando? O país assiste a uma espoliação sem limites. Em resposta encontramos inúmeros embates nas ruas, fábricas, bairros e universidades.
Como na versão de Ésquilo de Prometeu, estaria a nação grega acorrentada, vendo se repetir o ocaso de uma águia lhe acossar o fígado, mais e mais vezes? Estaria a Grécia fadada a aceitar este ciclo de miséria? Ou ao contrário, o povo com a maior tradição de lutas na Europa, que derrotou a ocupação otomana, as tropas nazistas e o regime da ditadura dos coronéis vai vencer também a Troika, União Européia, BCE, FMI?
As batalhas do próximo período na Grécia devem responder a estas inquietações.
O elo mais débil da Europa em crise
Ao contrário dos prognósticos mais otimistas, o ano de 2012 não pode ser visto como o da “recuperação” da economia mundial. Enquanto a crise econômica se arrasta por toda a Europa, os efeitos políticos e sociais se multiplicam. A saída por parte dos grandes capitalistas também se complica. Por agora, sem um plano estratégico, a aposta dos representantes políticos do grande capital é garantir o pagamento das dívidas (o grande tema em questão), rebaixar os salários e promover cortes gordos no orçamento público. Este “modelo” de gestão que tem sido aplicado tanto por governos socialdemocratas quanto conservadores, ganha agora uma terceira vertente: governos tecnocratas, chefiados diretamente por funcionários de bancos, apoiados em coalizões de unidade nacional, como é o caso da Itália e da Grécia.
É na Grécia, onde a receita atual da Troika está mais avançada. Em pleno século XXI, o país viu crescer de forma assustadora a violência gratuita, a fome e diversas “chagas” sociais, encontradas apenas em tempos de guerras ou catástrofes naturais.
Segundo dados do ministério de Saúde, o número de suicídios cresceu em 40% durante o ano de 2011. Foram fechados cerca de 40% de leitos hospitalares. A última onda de frio revelou também que nos últimos dez meses o número de sem teto aumentou em 25% nas ruas de Atenas.
Conforme Davanellos, “o Instituto Nacional de Estatísticas do Estado grego (Elstat) indica que em 2010 597.000 famílias – ou 2,2 milhões de pessoas – passaram a viver abaixo da linha da pobreza ou foram consideradas socialmente excluídas”. É evidente que o processo de empobrecimento se acentua a cada semana, no sentido literal do termo. No último trimestre de 2011, o Instituto de Pesquisa de Emprego (INE) estimou que a taxa de desemprego real foi de 23% da força de trabalho, em comparação com 18,4% anunciados pelo governo em agosto de 2011. Essa taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 25 anos ultrapassa 40%.
Como se não bastasse a situação bastante alarmante, os dirigentes do governo Papademos, economista e atual primeiro ministro, exigem ainda mais “sacrifícios” do povo. O mais grave é que a receita a qual eles querem aplicar levará ao aprofundamento deste desastre social nos próximos anos, produzindo no país para uma situação de tremenda regressão.
A Grécia no centro da tormenta mediterrânea
A combinação da resistência grega com a revolução democrática que percorreu o mundo árabe no ano passado gerou um efeito-demonstração capaz de sentir-se em todo o planeta. Podemos definir a primeira “onda” de resistência à crise foi mediterrânea, também por conta do papel que as mobilizações tiveram na Espanha e na Itália, sobretudo com a organização dos indignados, primeiro no 15-M, posteriormente no 15-O.
A Grécia é a chave da presente situação política. O ritmo da mobilização social, a impossibilidade do pagamento de suas dívidas para com os banqueiros e organismos internacionais, a falência dos partidos do regime são elementos que se articulam, de forma desigual e combinada, levando a Grécia ao centro do noticiário mundial e das atenções dos lutadores sociais.
Os grandes capitalistas do mundo temem a moratória grega. Exigem mais e mais cortes. A resposta do povo grego é enérgica e emerge de diversas formas. Desde o levante juvenil de 2008, que derrotou o governo conservador de então, tivemos grandes exemplos de como os trabalhadores podem vencer os planos de ajuste. Foram inúmeras greves gerais, cuja mais importante ocorreu no final do ano passado por 48h e pôs fim a gestão do Pasok, o partido socialdemocrata grego. Podemos citar como exemplo também a campanha pelo não pagamento das taxas de iluminação, onde vários prefeitos rebeldes se recusaram a aplicar a lei. Além disso, já temos algumas experiências embrionária de autogestão por parte dos trabalhadores, como o hospital geral de Kilkis que foi colocado sob controle diretos dos trabalhadores; ou a comissão de trabalhadores do jornal diário Eleftherotypia, um dos maiores da Grécia, que ocupou a gráfica do jornal.
A batalha contra a aprovação do “segundo pacote do resgate” representou um salto de qualidade na fúria e no ânimo da população. O pacote aprovado prevê medidas duras, como a redução imediata do salário mínimo em 22% para todos os trabalhadores (para gregos com até 25 anos a redução pode chegar a 32%). Prevê-se também o corte de 15% nas aposentadorias e pensões, a demissão de milhares de trabalhadores do setor público e a privatização de boa parte do patrimônio estatal do país.
A raiva social explodiu na Grécia. Greves gerais paralisaram o país por duas vezes em fevereiro. No dia da votação no parlamento, centenas de milhares de pessoas rodearam a sede do poder legislativo, as principais ruas do centro de Atenas, numa verdadeira rebelião popular. A aprovação do plano de ajuste causou enormes fissuras no governo de Papademos. Foram expulsos dos dois partidos majoritários (Pasok e Nova Democracia) 43 deputados e 6 membros do governo pediram demissão. A aprovação deste plano teve altos custos políticos. E abriu caminho para uma batalha de longo prazo que não termina agora.
Indignados, segundo round?
A resistência do povo grego adquire um caráter estratégico, diante da atual crise do capitalismo.
A luta contra o ajuste coloca os povos em movimento. Apenas este ano tivemos uma greve geral na Bélgica, uma mobilização multitudinária em Portugal e a grande jornada no dia 19 de fevereiro na Espanha. Nesta data, um milhão de espanhóis tomou praças e ruas de mais de 57 cidades para dizer não a reforma trabalhista proposta pelo governo conservador. Os estudantes de Valência completam uma semana de mobilização, com ocupação de universidades e escolas, contra a repressão policial e o corte de verbas para a educação. O movimento tem se espalhado por todo o país, contando com solidariedade de artistas, professores, sindicalistas, pais.
Neste quadro, entre o desespero e a resistência, a batalha da Grécia ganha contornos fundamentais. Podemos ter uma experiência inédita. A combinação de lutas, insurreições e eleições podem dar lugar a novos tipos de processos políticos e sociais. O quadro eleitoral para o pleito que se avizinha (temos eleições marcadas para Abril) mostra a polarização: o Pasok (socialdemocrata) tem 8%; Nova Democracia (conservadores) tem 31%; e a esquerda que por enquanto se apresenta separada, mas somada poderia ter quase 40% (Esquerda Democrática 18%, Partido Comunista 13%, Esquerda Radical-Syriza 12,5%).
O desafio é pensar numa proposta política que leve em conta as três grandes necessidades imediatas: estancar os cortes sociais; construir uma auditoria da dívida grega, rechaçando a ganância dos banqueiros; e dar passos na direção de um novo modelo de gestão democrática do Estado. É necessário combinar a luta que trabalhadores e juventude travam nas ruas com um projeto transitório, que ajude a sair da crise. O exemplo “islandês” é ilustrativo. Nesta pequena ilha, a mobilização social derrubou governos, impôs plebiscitos como mecanismos de consulta popular e o mais importante: rechaçou o pagamento de suas dívidas ilegítimas, contraídas a serviço dos grandes capitalistas.
Neste novo quadro, contudo, precisamos prestar nossa solidariedade, buscando a aliança dos “99% contra 1”. A luta por democracia real, contra os bancos e políticos corruptos assume novas formas a partir de agora.
Todos com o povo grego Por Outro Futuro
As manifestações de solidariedade ao povo grego estão se multiplicando pelo mundo. Mais de 40 manifestações aconteceram no final de semana do 18-19 de fevereiro. Acompanhar o processo grego é uma das tarefas mais importantes para os lutadores sociais.
De nossa parte, estamos ativos neste processo. Há tempos seguimos com força o processo grego. O Juntos! atende ao chamado dos indignados da Grécia. Nesta semana chegou à Grécia Thiago Aguiar, recentemente foi do DCE da USP, é dirigente nacional do Juntos e diretor de Relações Internacionais da UNE, eleito pela oposição de esquerda. Thiago nos abastecerá com informes e análises privilegiadas desde o principal foco de luta juvenil no mundo. Acreditamos que é fundamental para os lutadores brasileiros tomarem contato com a luta grega, onde estamos em dias, horas e semanas cruciais. Estamos construindo, apesar do caminho tortuoso, a possibilidade real e concreta de OUTRO Futuro.