Caminhando sobre as areias das revoluções
Eu como a grande maioria dos jovens no mundo não tivemos a chance de ver nos últimos 30 anos uma grande revolução. Os últimos trinta anos foram dados pela toada neoliberal e o retrocesso dos direitos dos povos ao redor do planeta.
Notas sobre o Egito – 25 e 26 de fevereiro de 2011
Frederico Henriques*
Eu como a grande maioria dos jovens no mundo não tivemos a chance de ver nos últimos 30 anos uma grande revolução. Os últimos trinta anos foram dados pela toada neoliberal e o retrocesso dos direitos dos povos ao redor do planeta. Salvo a boa referência no Bolivarianismo da América latina e minha simpatia por alguns movimentos antiimperialistas no Oriente Médio, como o Hezbollah, pouco pude ver de experiências de lutas de massa por uma nova sociedade.
Felizmente o povo árabe, em especial sua juventude, desde o início da Revolução Tunisiana, vem nos inspirando com seus atos e nos arrastando com seus exemplos. É claro que há especificidades em cada um dos casos e países, mas o que quero tratar inicialmente é a forma apaixonante pela qual se dá a Revolução Democrática em todos estes lugares, inspirando-nos e fazendo renascer a esperança num mudo melhor.
Por obra do destino fui enviado pela secretaria de Relações Internacionais do PSOL acompanhar o povo árabe fazer história na terra de Osíris. A expectativa logo de início era imensa, pois o excelente relato de Pedro Fuentes sobre sua experiência de quatro dias na Tunísia me fez sentir um pouco do sabor da revolução. Porém, desde o começo, sabia as dificuldades que encontraria pela maior dispersão do movimento egípcio e a falta de um contato nestas terras.
A viagem e conversa com Walaa Mostafa
Ainda no aeroporto de Madri estava muito ansioso com a expectativa de ver o processo de dentro desde o avião, porém a cena que vi mostrava outro lado. O avião estava repleto de jovens e mulheres, que apesar de egípcios apenas falavam inglês, inclusive entre eles. Eram os filhos da burocracia enriquecida nestes anos de Mubarak. Logo após o início dos protestos dirigentes e os funcionários de alto escalão do governo mandaram seus filhos e mulheres a Europa a fim de poupá-los dos momentos turbulentos da revolução.
Porém ao meu lado sentou um jovem com três jornais árabes, que logo percebi que era diferente de boa parte do avião. Primeiro por se comunicar em árabe com os tripulantes do avião, segundo porque estava lendo três jornais diferentes escritos em árabe e por fim se fixava em páginas sobre política e a revolução. Não perdi tempo e logo comecei três horas de uma boa conversa. Walaa Mostafa é um pequeno empresário do turismo no Cairo que nos últimos três dias esteve de fora de seu país, porém estava ansioso para se interar de tudo que havia perdido nesta estadia ausente do Egito.
Durante todo o vôo ele me conta sua experiência nos 18 dias de protestos intensos. Assim como ele nota-se grande envolvimento de uma classe média pauperizada e que busca maior liberdade de expressão. A tortura e o desaparecimento foram experiências constantes. Apesar de não caber aqui contar toda a experiência vivida por ele, gostaria de descrever alguns fatos desta conversa: Primeiro, durante todo a conversa, ele fez questão de destacar a relação de comunhão que eles conseguiram alcançar os mais pobres e eles, ambos estavam ali por uma pauta política e não simplesmente econômica; Segundo, o ódio a burocracia enriquecida do país, após as nacionalizações e desapropriações de Nasser, a antiga elite, monarquia e aristocracia perderam quase toda a riqueza, porém os anos de corrupção fizeram com que surgissem os novos ricos que viviam ao redor de Mubarak. Ele destaca que muito deste sentimento existe porque, além de roubar o povo, eles apenas se comunicam em inglês entre si, e vivem segregados do resto dos egípcios cercados por muros em condomínios fechados, ou seja, sua forte associação com a burguesia dos países imperialistas; O terceiro ponto é o avanço da revolução. Walaa fazia questão de destacar as mudanças das palavras de ordem a cada dia que passava e aumentava a resistência ao regime. Os primeiros dias eram repletos de palavras de liberdade. No dia 28 ocorre uma mudança, um avanço de consciência contra o regime que se aprofundou nos dias posteriores. A radicalização de sua idéia se mostra com o final do raciocínio, mais preocupante que a irmandade Mulçumana e os grupos islâmicos são os mais pobres que, apesar de serem irmãos, podem não querer esperar alguns anos para que haja uma melhora na qualidade de vida no povo egípcio.
A Chegada ao Egito
Logo na saída do avião ele me ajuda para conseguir o visto e a passar pela alfândega. Ao chegar ao hall do aeroporto há uma concentração de cerca 150 pessoas discutindo intensamente com bandeiras da Líbia liberta e do Egito. Ele me esclarece que estão vendo como resgatar alguns trabalhadores daquele país e discutindo como vão ajudar a resistência e a oposição na Líbia. Como havia pessoas lhe esperando ele logo me oferece carona. No caminho ao meu hotel me mostra os prédios do governo, as delegacias e a sede do partido de Mubarak totalmente queimados. Motoqueiros com a bandeira do Egito passam rasgando e buzinando. Boa parte dos carros também carrega este símbolo da revolução. Fazia um mês do primeiro dia dos protestos! A revolução estava por todos os lados.
A recepção no hotel não é diferente. Ao dizer ao jovem recepcionista que eu era de um partido socialista do Brasil e que havia ido cobrir o processo revolucionário no Egito, ele abre um belo sorriso, contando que esteve em diversas manifestações, que possui diversos vídeos e que só não foi mais presente aos protestos porque não havia sido liberado do serviço.
A bela manhã de sábado começa com mais uma demonstração do orgulho egípcio. Ao pegar um primeiro taxi até o centro comercial, o motorista fazia questão de falar que, ao fim do expediente, a primeira coisa que fazia era pegar o seu filho fazer alguns cartazes e ir a Tahrir. No caminho noto a grande quantidade de tanques, blindados e soldados no entorno de toda a cidade.
Ida à Praça do Tahrir, centro da Revolução Egípcia.
Após organizar a minha estadia logo me movo para a Praça Tahrir, para ver o centro da revolução, mesmo sabendo que nenhuma manifestação estava prevista para sábado. Porém, chegando lá, havia por volta de 4.000 manifestantes gritando contra o atual governo. Apesar de não chegar perto das centenas de milhares reunidas naquela praça nas semanas anteriores, é impressionante as marcas que deixa o processo. Ao redor, inúmeros grupos se formavam para discutir a revolução… Qual caminho tomar? Quais são os próximos passos? Infelizmente a minha experiência com a língua se resumia a poucos cumprimentos, não podendo tomar assim a riqueza dos debates que ali ocorriam.
Alguns fatos me chamaram a atenção neste dia no entorno de Tahrir. Primeiro, foi à presença em todos os espaços de um enorme número de celulares gravando cada momento, num golpe de vista observava dezenas deste aparelho. Não era apenas junto aos jovens, mas com manifestantes de todas as idades. Segundo, a presença dos mártires da revolução por todos os lados, seja em postes, crachás, cartazes e faixas. Ninguém irá se esquecer daqueles que se foram no correr desta revolução. E por fim, o grande número de megafones em cada canto da praça puxando diferentes palavras de ordens. O interessante ao conversar com eles é que eles respondiam o mesmo:
“não temos como atingir a todos, porém todos cantamos a mesma música.”
Após muito investigar e tomar contato com boa parte dos agitadores, eu fui passar o fim da noite num café à beira do Nilo e como era de se esperar a cada trago na Shisha (para nós Narguile) ouvia as mesmas indagações, inquietações ao meu lado. Para onde vai à revolução? O que ocorrerá na Líbia? Quanto tempo nós daremos ao novo governo? No meio de tantas indagações, uam certeza saltava aos olhos: TODOS estavam orgulhosos por fazerem a história!
*Colaborador da Secretaria de Relações Internacionais do PSOL