Vagão preferencial para mulheres?
O vagão reservado às mulheres no metrô, lei em vigor no Rio de Janeiro desde 2006, tem causado muito debate desde que passou a ser discutido em outras capitais, como Brasília (cuja lei entrou em vigor em 01/07), e São Paulo, quem vem discutindo a questão a partir de um projeto de lei de 2005.
Cibele Lima*
O vagão reservado às mulheres no metrô, lei em vigor no Rio de Janeiro desde 2006, tem causado muito debate desde que passou a ser discutido em outras capitais, como Brasília (cuja lei entrou em vigor em 01/07), e São Paulo, quem vem discutindo a questão a partir de um projeto de lei de 2005.
No metrô de São Paulo, as mulheres representam 58% d@s usuari@s (segundo pesquisa realizada pelo DIEESE em 2012). Em 2012 também, foram registrados 2 casos de estupro no metrô. Mas como sabemos que a maioria das vítimas de violência sexual sente-se intimidada a denunciar, devido ao constrangimento e ineficácia das autoridades (http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/12/guest-post-assedio-no-metro-de-sp.html) com certeza o número é muito maior.
O metrô de São Paulo registra por mês, em média, 3 denúncias de atentado ao pudor e a Companhia paulista de trens metropolitanos, 6 denúncias. São as mais diversas situações: Desde as famosas encoxadas, mãos bobas, exposição do órgão genital masculino à vitima, tentativa de estupro sob ameaça. Há situações em que a vítima só percebe a violência quando o estuprador ejacula na sua roupa. Em 2012, foi preso um homem que filmava calcinhas e bundas com o celular. Cito isso pra partirmos do que significa, concretamente, ser mulher e utilizar o transporte público. De todas estas situações, a minoria chega ao disque-denúncia do metrô, e parcela menor ainda, à polícia.
Nós mulheres que dependemos do transporte público para chegar a qualquer lugar, sabemos o que é viver sob o fantasma do medo de que somos sempre a vítima em potencial. Isso não significa nos colocar como frágeis, submissas ou incapazes. Significa que vivemos em uma sociedade que legitima a cultura do estupro, tornando-o tema de piada em programas de TV.
Uma sociedade que, invertendo os papéis, transforma vítima – a mulher -, em culpada. Porque vê as mulheres como objeto dos desejos sexuais masculinos. E que deve aceitar este papel e portar-nos como tal.
Por isso uma mulher que usa um shortinho está assumindo o risco de ser estuprada. Assim como uma mulher que toma uma cerveja sozinha num bar. E da mesma forma uma mulher que embarca em um trem ou ônibus lotado. Como assim?
As mulheres levam desvantagem na disputa com os homens por espaço no transporte, seja na hora de embarcar, desembarcar ou encontrar um “cantinho” para se segurar. As mulheres de baixa estatura sofrem mais. Com certeza você já presenciou uma mulher baixinha espremida por muitos homens no trem lotado, sem ter sequer aonde se segurar (porque, além de tudo, os suportes não foram projetados para pessoas de estatura menor).
Neste “salve-se quem puder” característico os horários de pico, entrar é só o primeiro desafio.
Não há nada pior do que passar horas sentindo alguém roçar na sua bunda, esbarrar a mão, esfregar-se em você no caminho da porta (mesmo quando você está sentada). Diariamente, paira a dúvida: Foi de propósito ou sem querer?
Um dos problemas é precariedade do transporte público? Este é um facilitador, pois a violência sexual pode acontecer em qualquer espaço social, inclusive na família. Por isso há tentativas legais de coibir esta prática. O vagão preferencial seria mais uma delas.
Quando adolescente, reagi a uma situação de assédio dentro de um ônibus lotado. Ouvi do tarado: “não quer que ninguém chegue perto, vai de táxi”. No meio da confusão, descobri que o cara tinha mexido com outras mulheres no ônibus, mas elas entraram pra estatística mais alta: do silêncio.
Também já ouvi o mesmo argumento no trem, ao presenciar mulheres reagindo a situações de abuso. Em geral, muitas vozes masculinas se levantam para defender o acusado.
Diante da proposta de vagão exclusivo para mulheres, muita gente se levantou contra. Óbvio que nós, mulheres, lutamos por uma sociedade igualitária, que pressupõe a coexistencia pacífica e com igualdade de direitos para mulheres e homens, bem como outros grupos sociais que foram oprimidos historicamente. Ações afirmativas, como esta, não substituem (e nem podem) a necessidade da luta por uma educação não sexista, que ensine os homens a não estuprar, ou por outro modelo de sociedade.
No entanto, a sociedade em que vivemos ainda não é assim. Se fosse, não precisaríamos da existência da Lei Maria da Penha por exemplo. Porque o direito básico da mulher enquanto sujeito livre é cumprido. Porque muitos homens ainda acreditam ter poder de posse sobre as mulheres.
Segundo dados da ONU, 1 em cada 4 mulheres do mundo foi ou será estuprada ao longo de sua vida. Significa que ainda há um longo caminho de lutas a percorrer, e neste caminho, todas as medidas paliativas que ajudem a preservar a integridade física e psicológica da mulher, e que possam gerar uma reflexão na sociedade com vistas a transformação de consciência, é bem vinda.
Quantas situações de violência poderiam ser imediatamente inibidas com o carro exclusivo nos trens, por exemplo? Claro que não bastaria a implementação do carro. O poder público precisa investir em campanhas de prevenção e conscientização. Mas na contramão, nos últimos anos o governo federal vem reduzindo a verba da secretaria especial de políticas públicas para mulher.
No Japão, país com grande índice de violência sexual, além dos carros reservados no metrô, foram criadas campanhas publicitárias de combate à violência contra a mulher. O governo do Equador também tem produzido campanhas muito interessantes, voltadas para diferentes públicos: homens, crianças, mulheres (http://www.youtube.com/watch?v=NTxUWQ2IE6s).
Enquanto isso, em São Paulo, não vemos nada além de horóscopo, dicas de beleza e o placar da rodada. E, em algumas estações, uma campanha com estereótipos viris dizendo “homem de verdade não bate em mulher”.
Há quem argumenta que a mulher que optar por não ir no vagão preferencial estará ainda mais sujeita, e conscientemente, a violência, pois o carro teria maioria masculina. Este não é o mesmo argumento que diz que a mulher que usa um shortinho ou um decote está “provocando o homem”? “Assumindo o risco do estupro”?
Não podemos acreditar que a consciência – masculina e feminina – pode avançar com esta medida? Que isso precisa gerar uma discussão, assim como a Lei Maria da Penha e tantas outras questões “polêmicas”?
No Rio de Janeiro, onde 49% das usuárias do metrô são mulheres, a medida não veio associada a garantia do direito. Não há fiscalização, nem campanha educativa, e homens constantemente invadem o vagão reservado, cabendo às usuárias fazerem sua defesa. O mínimo que esperamos das empresas de transporte é que garanta que a medida seja cumprida, com tudo que isso implica, inclusive segurança. Essa também é uma disputa. No entanto, hoje a segurança também não nos protege, não inibe o agressor.
Sabemos no nosso nada fácil dia a dia de mulheres, que não se supera uma cultura patriarcal de milênios com facilidade. É preciso muito debate político e conscientização. Temos muito o que avançar.
Lembremos do nível de consciência em que estamos: O congresso nacional discute dar ao estuprador direito de pai, e à mulher, uma bolsa-estupro.
Sejamos sinceras: Qual mulher nunca sentiu este medo dentro do transporte público?
Eu espero não precisar esperar que cheguemos a este avançado nível de consciência para poder andar de trem sem estar em constante vigilância, com medo de ser estuprada.
*Cibele Lima é coordenadora da Rede Emancipa e moradora do Grajaú.