Na Grécia, novos capítulos da luta anticapitalista
Relato de Thiago Aguiar, membro do GTN do Juntos! convidado pelo Syriza para participar do acampamento de juventude do partido representando a juventude brasileira para falar sobre os processos de junho.
Desde a última vez em que o Juntos esteve na Grécia para levar nossa solidariedade e compartilhar experiências, em 2012, ocorreram muitas coisas naquele país. A eleição parlamentar confirmaria o que naquele momento já era claro: Syriza é uma força política anticapitalista capaz de polarizar a situação política de seu país, transformando-se numa alternativa real de poder para a juventude, o povo e os trabalhadores. Syriza foi o segundo partido mais votado, atrás apenas 1,5% de Nova Democracia, o partido conservador que ao final formou o governo com PASOK, o antigo partido social-democrata.
Crise social e ameaça fascista
A importante vitória política, no entanto, não foi capaz de conter a imensa crise social que vive o país. Quase 60% de sua população estão na linha da pobreza ou perigosamente perto dela, como resultado do desastre promovido pela política de austeridade conduzida pela Troika (FMI, UE e Banco Central Europeu). Neste cenário, alcança 20% o percentual da população que emigrou para outros países, especialmente para vizinhos europeus. O número de suicídios atinge cifras alarmantes: 3000 deram fim à própria vida apenas em 2013.
O desespero a que parte importante da população grega vem sendo condenada ampliou o espaço para a atuação de Aurora Dourada, um partido abertamente fascista, cujos tentáculos atingem setores importantes da polícia e das Forças Armadas e que, através de suas milícias clandestinas, tem atacado e assassinado imigrantes – os culpados, em seu discurso de ódio, pela crise econômica. Aurora Dourada tem alcançado, segundo as últimas pesquisas, cerca de 15% das preferências eleitorais dos gregos.
A crise do capitalismo trouxe à tona claramente, no país, o embate entre uma saída do povo e dos trabalhadores e a contrarrevolução aberta. Se, por um lado, a presença de um partido fascista traz preocupações, por outro a Grécia é o único país onde hoje há uma alternativa anitcapitalista com influência de massas capaz de conduzir um governo de esquerda antiausteridade. Tal tornou-se ainda mais necessário frente aos novos desdobramentos do memorandum imposto ao país helênico. Para liberar a nova parcela de empréstimo ao país, a Troika agora exige um novo corte, de 25 mil postos de trabalho, no serviço público. A ditadura do mercado parece não ter limite. Como resultado, uma nova onda de manifestações de rua e greves tomou conta do país nas últimas semanas. O governo da coalizão Nova Democracia-PASOK tem sido muito rechaçado e muitos apostam ser questão de (pouco) tempo para que caia. Talvez por isso, várias pesquisas tem apontado, nos últimos meses, que Syriza é hoje o partido preferido dos gregos, ao redor de 30% das preferências, e que ganharia uma futura eleição.
Uma nova organização para um novo período: importantes debates programáticos estão abertos no interior do Syriza
As respostas à crise ao redor do mundo também alcançaram dimensão superior. Se as fotografias de lutas, enfrentamentos com a polícia, greves e ocupações de praças se repetem em diversos países, do Brasil à Turquia, o filme mostra os primeiros momentos deste novo período, que combina radicalidade, forte protagonismo juvenil, rejeição aos velhos partidos corruptos, que governam para banqueiros e corporações, e as primeiras tentativas de fortalecer uma alternativa de poder dos de baixo – o maior desafio da nossa geração. A velocidade da comunicação, a homogeneização que a crise pretende impor a uma série de países e a enorme capacidade que hoje temos, de nos identificar em outros povos e lutas, demonstram a enorme necessidade de compartilhar e coordenar internacionalmente essas experiências.
Nesse cenário, ocorreu o I Congresso do Syriza. Inaugurado pelo mítico Manolis Glezos, nonagenário militante que teve papel fundamental na resistência ao nazifascismo, Syriza, que até então era uma frente política envolvendo várias organizações da esquerda socialista, finalmente se tornou um partido. Trata-se de um importante passo para consolidar este que já nasceu sendo o mais importante partido da esquerda socialista de todo o mundo. Um partido amplo, confluência entre diversas organizações e tradições, cuja unidade cimentou-se por uma leitura comum das necessidades deste período e cuja diversidade seguirá sendo democraticamente expressada. Um partido anticapitalista que nasce vendo-se às portas do governo. O tamanho de sua referência é, no entanto, proporcional aos enormes desafios que terá de enfrentar. Por isso, no Congresso ocorreram tensos debates sobre a armação programática para o período: como enfrentar os planos de austeridade e a questão da dívida, como será possível chegar a um futuro governo de esquerda antimemorandum, e quem são os aliados nessa luta. Ao mesmo tempo, também estiveram em pauta diferentes visões sobre como lidar com a organização do novo partido. Os desdobramentos dos debates que polarizam o Syriza devem ser acompanhados de perto e com atenção pela esquerda socialista em todo mundo. Num sentido, o futuro de nossas lutas depende também destes desdobramentos.
O Juntos orgulhosamente participou do I Acampamento da Juventude do Syriza
A atuação da juventude é um dos vários desafios. Desde as imensas jornadas de indignados da praça Syntagma, em 2011, este setor seguiu sendo parte das várias lutas no país sem recuperar, no entanto, a mobilização e o protagonismo daqueles dias. Condenada ao desemprego (60% dos jovens gregos não encontram trabalho) ou ao exílio para poder sobreviver, a juventude votou majoritariamente pelo Syriza nas últimas eleições. O partido, por isso, vê-se agora diante da necessidade de organizar a referência alcançada e a enorme indignação da juventude. O I Acampamento da Juventude do Syriza, para o qual nós do Juntos fomos convidados, refletiu essa disposição.
Entre os vários debates, a necessidade de compartilhar experiências: num painel sobre as lutas na Grécia, na Turquia e no Brasil, foi possível socializar as respostas que temos organizado nos vários países, nossas lutas em comum e nossos desafios. O debate sobre o futuro do Syriza após seu Congresso foi uma rica oportunidade para a juventude posicionar-se diante das várias questões que movem o partido, enquanto as discussões sobre a organização da juventude do partido revelaram as dificuldades e a necessidade de converter a maioria social alcançada neste setor em organização política.
A caminho da Turquia, onde também participaremos do Acampamento da “Oposição da Juventude” (organização de juventude relacionada ao partido ODP – Partido Solidariedade e Liberdade), pôde-se chegar a algumas breves conclusões. A contradição dos tempos, que já era nítida ano passado, segue mais aguda na Grécia, o elo débil europeu e o lugar onde seguem se revelando as mais fortes contradições de nossa época. Não há o que esperar. Dois caminhos estão claramente apresentados e em forte oposição. O governo de Nova Democracia e PASOK (que, a propósito, ensaiam uma fusão em tentativa desesperada de evitar perder o primeiro lugar nas urnas) dissolve-se dia a dia, carregando consigo o nível de vida do povo. Syriza é a única esperança de outro futuro. Do outro lado da esquina, o anoitecer fascista espreita a verdadeira aurora do povo. Por fim, segue vigente nosso desafio de estreitar laços, construir pontes e avançar. Se é verdade que apenas começamos, sabemos que não há tempo a perder. De nossa parte, seguiremos dando nossa modesta contribuição para a construção de uma forte alternativa para os povos, no Brasil e no mundo. Em alguma dimensão perdida, Chronos e Kairós seguem sua guerra mitológica.
*Membro do Grupo de Trabalho Nacional do Juntos e diretor-executivo de Direitos Humanos da UNE pela Oposição de Esquerda