Entrevista com Rodrigo Rivera, ex-membro da Direção Nacional de Juventude do Bloco de Esquerda em Portugal
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Entrevista com Rodrigo Rivera, ex-membro da Direção Nacional de Juventude do Bloco de Esquerda em Portugal

Estivemos com Rodrigo Rivera, ex-membro da Direção Nacional de Juventude do Bloco de Esquerda, conversando sobre a situação dos portugueses hoje e construindo o I Acampamento Internacional da Juventude em 2013.

Pedro Serrano 16 dez 2012, 11:05

O Juntos está em Portugal com a juventude contra os planos de austeridade! Estivemos com Rodrigo Rivera, ex-membro da Direção Nacional de Juventude do Bloco de Esquerda, conversando sobre a situação dos portugueses hoje e construindo o I Acampamento Internacional da Juventude em 2013. Veja a entrevista na íntegra:

Juntos: Como você caracteriza a atual situação política de Portugal?

Rodrigo: Catastrófica. Desde a assinatura do memorando da Troika, a situação tem piorado muito para os portugueses. Diante disso, tem havido um crescente de protestos, como em 15 de setembro, quando tivemos em Portugal uma das maiores manifestações desde a Revolução democrática de 1974. A força social da oposição cresce. No entanto, é importante notar que o Partido Socialista já não consegue mais capitalizar o sentimento de insatisfação da sociedade, mesmo sendo o maior partido de oposição. Isso se dá porque o PS se recusa a “rasgar” definitivamente o memorando da Troika, que é o grande culpado pela atual situação de Portugal. Para nós, do Bloco de Esquerda, assim como para o Syriza na Grécia, a diferença política entre esquerda e direita, hoje em dia, situa-se no memorando da Troika. Quem concorda com ele, sem dúvida nenhuma está à direita, e é impossível considerar de “esquerda” qualquer partido que apoie medidas de austeridade que destroem a economia do país e acabam com o futuro das pessoas.

Juntos: Existe futuro em Portugal hoje com Pedro Passos Coelho no poder?

Rodrigo: Não existe futuro para o Passos Coelho em Portugal também. Nem para ele, nem para nós com ele no poder. Isso já é uma perspectiva bastante óbvia para grande parte das pessoas. Eu nunca tinha visto uma contestação tão grande, mesmo na rua, ouvindo as pessoas falar no transporte público, no supermercado… Toda a gente fala mal deste governo, que conseguiu a proeza de juntar pessoas, com diferentes reivindicações, para protestar contra ele. Esse governo conseguir atacar a todos, menos àqueles que nós não vemos nos transportes públicos ou nos supermercados, pois são a elite econômica do país e têm o governo que querem.

Juntos: O que significaram os dias 15 de setembro e 14 de novembro para Portugal?

Rodrigo: O dia 15 de setembro foi uma das maiores manifestações de toda história de Portugal. Mais de 1 milhão de portugueses manifestaram-se contra a Troika. A palavra de ordem era muito clara: “que se lixe a Troika!”. Mas Passos Coelho ignorou a manifestação e recuou somente em uma pequena medida, a respeito do aumento da contribuição para a assistência social, retirando depois a mesma quantia dos trabalhadores através do aumento dos impostos. Diante disso, o movimento iniciado em 15 de setembro continuou e a luta cresceu. Tivemos mais de duas manifestações por semana desde então. E isso tudo acabou por convergir no dia 14 de novembro, que foi a maior greve geral da história de Portugal. Foi a maior de sempre. Nunca tínhamos visto, no nível dos estudantes, uma participação tão empenhada, marcando uma posição de apoio efetivo à greve geral, que é dos trabalhadores, mas que queremos também que seja uma “greve social”, com a participação de todos os setores.

Juntos: Qual é hoje em dia a situação econômica e social dos jovens portugueses?

Rodrigo: Em relação ao ensino superior, a grande maioria dos jovens tem claro que “não vale a pena estudar na universidade”. É um retrocesso civilizacional brutal, porque as pessoas que anos atrás viam a universidade como algo importante estão mudando de ideia. Aqui, nós pagamos a terceira propina (taxa anual para cursar o ensino superior público, que não é gratuito) mais cara da Europa, com um dos salários mínimos mais baixos. E o que acontece é que os jovens, tanto os que passaram pela universidade quanto os que não foram a ela, veem-se todos na mesma situação, que é a de ou emigrar ou a de ficar em Portugal e empobrecer. Ou seja, o futuro é a pobreza em Portugal, sem nunca arranjar um contrato estável em que se consiga construir uma família ou a vida, pois não há hipótese de viver com dignidade diante do salário que ganha um jovem em Portugal.

Juntos: Diante disso, os jovens lutam mais hoje em dia do que antigamente?

Rodrigo: Sim. Há duas perspectivas para os jovens: ou emigram ou lutam. E, quando as coisas estão dessa forma, a escolha é complicada, pois sabemos que nem o desespero nem a fome são bons conselheiros para a revolta. Mas tem havido um grande aumento da disponibilidade das pessoas para a mobilização. Em Portugal, há alguns anos, vivíamos uma situação de completo refluxo das lutas. Isso era consequência de um sistema político de alternância entre dois partidos, de corrupção generalizada, de descrédito por parte das pessoas em relação à política. Mas hoje em dia acho que vivemos uma situação em que os jovens compreendem que a política não é só os partidos e que, se deixarem a política para os “políticos profissionais”, a situação somente piora. Mais vale tomarmos a política em nossas próprias mãos e, mesmo dentro de um partido, construirmos a política da maneira como achamos importante. Acredito que estamos numa fase de transição, e cabe também às organizações políticas politizar esse sentimento de descontentamento dos jovens.

Juntos: Tendo em vista o exemplo do Syriza na Grécia, como você vê a construção de uma alternativa de esquerda em Portugal hoje?

Rodrigo: Eu acho que uma alternativa de esquerda passa pela construção de um movimento social amplo e plural, nas suas formas e reivindicações, que consiga convergir para um governo de esquerda. É preciso construir uma movimentação social que consiga suportar socialmente uma alternativa política nacional e partidária. Hoje em dia, o que temos é um Partido Socialista que segue se sujeitando ao FMI e ao Banco Mundial e, ao mesmo tempo, um Partido Comunista muito autocentrado. A esquerda deve colocar como principal influência na política nacional a luta social das bases. Só assim transformaremos o país com uma alternativa de esquerda que seja, de fato, sólida, não somente nas eleições, mas nos bairros, faculdades, escolas, empresas.

Juntos: Chama atenção em Portugal a importância do “25 de Abril”. São frequentes as referências à data não somente nas discussões políticas, mas também em temas e conversas do dia-a-dia. Muitos encaram o que tem feito Passos Coelho como uma “vingança ao 25 de Abril”. Qual o significado da Revolução dos Cravos para os portugueses e quais são as perspectivas de luta para o futuro?

Rodrigo: O 25 de Abril tem dois significados diferentes, a depender da classe de que falamos. Do ponto de vista da burguesia nacional, que sempre viveu às custas do Estado, ele foi péssimo. Perdeu-se muito com a nacionalização dos bancos, das grandes empresas e muitos inclusive fugiram ao Brasil. Mas, do ponto de vista dos trabalhadores e da população em geral, o 25 de Abril significou a conquista de direitos sociais que já existiam em países da Europa, mas que estavam completamente bloqueadas em Portugal pelo Estado Novo. Criou-se o sistema nacional de saúde e houve o início da massificação do acesso ao ensino público, seja secundário ou superior. Hoje em dia, o que se vê é uma fase de virada, em que todas essas conquistas são retiradas com o argumento da dívida pública e da austeridade como a única solução para a crise capitalista mundial.

Juntos: Quer mandar algum recado para o Brasil e para o Juntos?

Rodrigo: Meu recado à juventude brasileira é para que façam mais ligação com os ativistas de Portugal. Nós aprendemos com a luta de vocês e sabemos que lutamos pelo mesmo: por uma sociedade diferente, que rejeite o capitalismo e dê dignidade à vida das pessoas, sejam trabalhadores, estudantes, homens, mulheres… Façam contato com o mundo todo, pois o mundo tem muito a aprender com a luta brasileira.


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