Realengo: as raízes da tragédia
Que não sabia bem o que era amor./Falava de quando era criança/ Uma mistura de ódio, frustração e dor./De como era humilhante ir pra escola./Usando a roupa dada de esmola./Sempre a mesma merda, todo dia igual/Sem feliz aniversário, Páscoa ou Natal.” Racionais, Eu to Ouvindo alguém me chamar Há um pouco mais de um mês, […]
Que não sabia bem o que era amor./Falava de quando era criança/ Uma mistura de ódio, frustração e dor./De como era humilhante ir pra escola./Usando a roupa dada de esmola./Sempre a mesma merda, todo dia igual/Sem feliz aniversário, Páscoa ou Natal.” Racionais, Eu to Ouvindo alguém me chamar
Há um pouco mais de um mês, uma tragédia chocou o país. Wellington Menezes, entrou fortemente armado na Escola Municipal Tasso da Silveira (sua antiga escola, localizada no bairro carioca de Realengo) e se dirigiu às salas de aula, abrindo fogo contra os estudantes. 12 crianças morreram e 13 ficaram feridas, e o ataque só terminou com a morte de Wellington, que se suicidou após a chegada da polícia. As cenas de desespero do massacre foram gravadas por celular e divulgadas nos telejornais do país, causando profunda comoção e trazendo de volta a discussão sobre segurança nas escolas. Tínhamos nossa versão de “Tiros em Columbine”.
E a mídia?
Comentaristas de TV se apressaram nas explicações: primeiro se disse que foi obra de um terrorista islâmico, afinal o atirador declarava se inspirar nessa religião e gravou uma série de vídeos antes da ação (estaria inspirado pela Al Qaeda). Para explicar nossa versão de Bin Laden, houve quem quisesse promover uma verdadeira “Guerra ao terror”. Parece inusitado, não é. É a tragédia da tragédia.
A mídia cobriu o caso tendo como motivação o aumento da audiência, apelando para o sensacionalismo e tirando o foco do problema real. Psicólogos explicaram a mente dos psicopatas e políticos prometeram vigilância nas escolas. O tema da segurança foi discutido pelo avesso e a solução apareceu com policiais e detectores de metais, como se crimes como esse fossem comuns no sistema de ensino ou o fechamento das escolas à comunidade fosse algo positivo. Também muito se disse sobre o “bullying”, transferindo parte da culpa para seus antigos colegas de classe.
Um outro modelo de educação
Não resta dúvida que Wellington tinha problemas psiquiátricos e provavelmente isso o levou a cometer tal ato. Mas é sintomático que o atirador tenha voltado à sua antiga escola, segundo ele “para fazer justiça” por aqueles que haviam sido “perseguidos e humilhados”. Wellington nunca tinha cometido um crime na vida e saiu de casa sabendo que ia morrer. É certo que sua experiência escolar foi determinante em sua atitude, e mesmo assim pouco se disse sobre a situação das escolas e do ensino.
A humilhação e a opressão de alunos acontecem diariamente nas escolas, e o sistema onde elas estão inseridas torna isso propício ao priorizar o controle dos alunos em detrimento de sua formação humana. A violência social, explicita e implícita, sedimenta bolsões de doença, revolta e ódio. Em Wellington não nasceram de um dia pro outro, foram cultivados por uma lógica presente em nossa sociedade e reproduzida nas escolas. O “bullying” não está apenas dentro das salas de aula.
Prevenir tragédias como essa passa por rediscutir esse modelo, com maior valorização dos trabalhadores da escola e incluindo os estudantes no diagnóstico e resolução de problemas, cultivando a tolerância através de uma prática política democrática, com um espaço escolar aberto e saudável.
A melhor homenagem que podemos prestar às famílias destroçadas pela tragédia de Realengo é o compromisso por mudanças urgentes e históricas, colocando a vida em primeiro lugar, virando do avesso esta lógica doentia da sociedade contemporânea.