Santa Maria: o que o tempo não pode apagar
Hoje completam 30 dias da tragédia na Boate Kiss em Santa Maria. Vamos honrar a memória dos colegas que se foram com muita solidariedade. Vamos honrar cada um dos que perderam a vida, exigindo justiça e punição dos responsáveis. Seguimos caminhando juntos contra os motivos e o modo de vida que nos levou até a madrugada de 27/01/2013.
Rodolfo Mohr*
Hoje completam 30 dias da tragédia na Boate Kiss em Santa Maria. O tema não ocupa mais as manchetes dos jornais com a mesma intensidade. Cria-se a sensação de que a vida continua. A vida de fato segue, mas não da mesma forma. Os tempos do tempo são absolutamente distintos. Os sentimentos de quem perdeu alguém próximo naquele dia jamais vão se apagar, por mais que os jornais não digam isso em suas capas e que a televisão não monte mais suas estruturas de transmissão ao vivo direto de Santa Maria.
Há um perigoso jogo que fazem com o tempo. O ditado popular afirma que só ele faz que com as coisas se apaguem. Nesse caso, que as irresponsabilidades sejam jogadas no esquecimento. Mas existem milhares de pessoas que jamais esquecerão. E outros milhões de pais e mães que, involuntariamente, lembrarão de Santa Maria quando seus filhos estiverem numa festa em uma casa noturna, em qualquer canto do Brasil. Duvido que algum brasileiro ou brasileira que entrou em uma danceteria nos moldes da Kiss, depois do 27 de janeiro de 2013, não tenha observado se tinha espuma no teto ou saída de emergência.
O tempo da mídia acelerou Prefeitos, Corpos de Bombeiros e empresários em todo o Brasil. Ninguém quer ser o responsável por uma nova Kiss. Na Argentina, muitos apostaram que jamais houvesse uma nova Cromañón. Existiu uma Kiss, no Rio Grande do Sul. E agora? Vamos apenas torcer para não acontecer novamente?
Não é possível que a vida siga como antes se para tanta gente ela já não é igual.
É preciso que toda a balada brasileira seja segura. Seja ela onde for. Na Universidade, na boate comercial, num festival de bandas ou na sede de um Centro Acadêmico ou um DCE. O poder público tem o péssimo hábito de pautar seus ritmos pelo ritmo da imprensa. A juventude é um tempo que voa. Os jovens sentem isso na pele. Não deixarão de sair de casa, não abdicarão dos encontros noturnos, das aventuras adolescentes, dos amores da madrugada. Precisamos é sair dos porões para lugares seguros. Esse deve ser um movimento de toda a juventude brasileira. Sair dos calabouços para festas com saídas de emergência, extintores de incêndio funcionando, que alvarás não sejam pedaços de desculpa em forma de papel. Precisamos garantir isso de todas as maneiras. Pressionando as casas noturnas que frequentamos, os governos que emitem as licenças. Mas não aceitamos o medo como desculpa para ficar trancados em casa.
Não há outro jeito de “honrar a memória e defender a vida”, como propôs a UFSM na volta às aulas após a tragédia. Qual o lugar da juventude? Quem nos colocou nos espaços urbanos que hoje habitamos? Até quando a cobrança de comandas serão mais importantes que medidas de emergência?
Vamos honrar a memória dos colegas que se foram com muita solidariedade, como nunca visto no Rio Grande do Sul. Tamanha comoção sensibilizou o país. Vamos honrar a memória dos que não puderam fugir da boate Kiss com respeito e carinho com os pais, mães, parentes e amigos, confortando com um abraço e uma companhia numa tarde qualquer de domingo. Vamos honrar cada um e cada uma dos que perderam a vida exigindo justiça e punição dos responsáveis. E somente defenderemos a vida, se seguirmos caminhando todos juntos contra os motivos e contra o modo de vida que nos levou até a madrugada de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
* Estudante de Direito da UFRGS e do Grupo de Trabalho Nacional do Juntos