A revista Capricho e a Idade Média
Como se já não bastassem os posts e comentários medievais essa semana a Capricho publicou um artigo expondo as diferenças de “meninas para ficar e meninas para namorar“. Tirando o absurdo de estabelecer essas diferenças, em pleno ano de 2013 a Capricho tenta domesticar as meninas
* Tássia Lopes
Ultimamente temos visto que em pleno ano de 2013 há traços muito medievais (machistas) na sociedade. Poucos dias atrás o Feliciano – que é um poeta quando está calado – soltou que estupro não é o mesmo que sexo sem consentimento!? É o que então, um favor prestado? Mês passado a Capricho soltou uma muito parecida em um de seus blogs, um relato de uma menina que teve vergonha de dizer não para o menino que estava ficando e foi estuprada. Postaram o relato de um estupro como se fosse uma transa que não deu muito certo. No nível Feliciano de que sexo sem consentimento não é estupro.
Como se já não bastassem os posts e comentários medievais essa semana a Capricho publicou um artigo expondo as diferenças de “meninas para ficar e meninas para namorar“. Tirando o absurdo de estabelecer essas diferenças, em pleno ano de 2013 a Capricho tenta domesticar as meninas para se guardar para o “homem certo“ enquanto o menino continua sendo livre para fazer o que quiser.
A adolescência é uma fase contraditória para qualquer jovem. Lembro que na minha adolescência, na zona norte de Porto Alegre, eu gostava de assistir Malhação. A mocinha sempre virgem se guardando para o mocinho, que num determinado momento transava com a suposta vilã que para a Globo não se dava ao valor. Nesse momento desisti da novela. Por que a condição ser a mocinha de Malhação deveria ser virgem e para ser a vilã deveria ficar com os meninos ou já ter relações sexuais? Porque a novela queria me ensinar como me comportar?
Certa vez fui para uma festa da escola: o Rei e Rainha (não vou analisar a questão desta festa fortalecer um determinado estereótipo de beleza). Lembro que eu tinha 15 anos e lá estava toda a galera. A festa estava massa, tomei uns drinks e fiquei com três meninos da escola. Voltei contente para a casa porque fiz o que eu queria. No dia seguinte isso se desmanchou na escola. Os meninos eram vistos como os pegadores – uma dupla deles festejando porque ficaram com 20 meninas – e eu sendo julgada como: a fácil, a vulgar, a menina que não era para namorar. Os meninos brincavam entre si e me condenavam.
É muito nítido na minha memória minhas amigas da escola tensas logo quando conheciam um carinha legal, com medo que ele pensasse que elas não se davam ao valor. Exatamente como a revista Capricho orienta naquela matéria absurda. E o pior, passou 9 anos e ainda tenho amigas com essa mesma preocupação, embora tenha vontade de transar, se reprimem para serem vistas como mulheres para namorar.
A Capricho – assim como meus colegas que aos meus 15 anos disseram que eu não era para namorar – não se preocupou em refletir se a mulher quer ser o que ela quiser e está feliz com isso. Como no mês passado não se preocupou com o relato da menina que foi estuprada e as milhares que sofreram e sofrem assédio sexual no Brasil. Pelo contrário, se preocupa domesticar milhares de adolescentes brasileiras que vivem esse período cheio de conflitos e hormônios. Preocupa-se em manter o mesmo estereótipo que viveu inúmeras gerações de mulheres de dedicar sua vida para ser vista socialmente para casar. Preocupa-se em amenizar situações de estupro.
E então eu direciono esse fim de post para quem se pergunta: Porque Marcha das Vadias? É exatamente para garantirmos que não haja Feliciano, Capricho e novelas dizendo como as mulheres devem se comportar. Para que sejamos livres para vestir o que quiser, ficar com quem quiser, namorar e casar se quiser. Para deixarmos claro que não temos dono e não estamos dispostas a ser domesticadas. Se ser menina para não namorar é ser livre: Agora eu tô solteira e ninguém vai me segurar!
* Tássia Lopes, Grupo de Trabalho Nacional do Juntos!, Grupo de Trabalho Regional do Juntos! Nordeste