De Amarildos e Khaleds: a violência de Estado e a resistência popular no Brasil e no Egito
Eles sumiram sob a guarda da polícia, ou seja, sob a guarda do Estado, sem maiores explicações ou com histórias muito mal contadas. E nós vivemos uma época em que as histórias mal contadas, as fotos e os vídeos podem circular pela internet.
*Por Maíra Tavares Mendes e Iata Mendonça
Dois perfis
Amarildo Dias de Souza, 47 anos, pai de 6 filhos, pedreiro e morador da favela da Rocinha: desaparecido político da democracia brasileira. Dia 14 de julho de 2013, por volta das 18 horas, Amarildo voltava de uma pescaria e limpava alguns peixes na porta de sua casa. Passou por um grupo de 15 policiais, que disseram ser ele “parecido com um suspeito”, e o levaram para “averiguação” na Unidade de Polícia “Pacificadora”, a UPP. Desde então nunca mais foi visto. Não há imagem de nenhuma câmera que mostre sua saída de lá: “coincidentemente”, houve pane nas câmeras da UPP da Rocinha e também no GPS das viaturas do comando.
Khaled Saeed, 28 anos, estudante, morador de Alexandria: assassinado pela ditadura egípcia de Hosni Mubarak. No dia 6 de junho de 2010, Khaled estava numa lan house quando foi preso por dois policiais. Khaled havia denunciado vídeos de violência policial em seu país pelas redes sociais, e foi acusado de roubo, porte de armas e resistência à prisão. Diversas testemunhas viram os policiais baterem a cabeça do estudante contra uma porta de ferro, degraus da escada e muros da rua. A polícia afirmou que o estudante morreu por tentar engolir um pacote de haxixe, o que foi evidentemente contestado pelas fotos do rosto desfigurado de Khaled, que tomaram as redes sociais e despertaram a fúria dos jovens no Egito. Meses depois, numa escalada de manifestações, milhares de pessoas foram às ruas e derrubaram a ditadura de Hosni Mubarak, seguindo mobilizações intensas nos dias de hoje para aprofundar sua revolução.
O que une duas histórias tão distantes quanto as de Amarildo e Khaled?
Ambos desapareceram num contexto em que a falta de liberdade e democracia de seus países (na Turquia uma ditadura e no Brasil uma democracia?) há muito vinha incomodando a população. Amarildo e Khaled poderiam ser meu pai ou seu irmão, seu colega de trabalho ou meu primo, seu vizinho ou um amigo da minha turma. Eles sumiram sob a guarda da polícia, ou seja, sob a guarda do Estado, sem maiores explicações ou com histórias muito mal contadas. E nós vivemos uma época em que as histórias mal contadas, as fotos e os vídeos podem circular pela internet.
A escalada de mobilizações no Brasil transformou definitivamente a rotina política do Brasil, e o Rio de Janeiro entrou de cabeça nessa jornada (afinal já vem acumulando indignações há anos – lembremos o SOS Bombeiros de 2011). Não podemos mais conviver com o tratamento dado aos pobres (sabemos que “suspeitos” no Brasil tem cor e endereço), com a atuação de uma Polícia Militar que tem um Código elaborado numa e para uma ditadura, com um governo (estadual e municipal) que trata as manifestações como caso de polícia, enquanto o custo de vida só aumenta e a mídia marrom (principalmente, mas não só, a Rede Globo) simplesmente omite a total insatisfação com essa “democracia brasileira”.
Quantos Amarildos não terão desaparecido anônimos nas vielas das favelas? Os confrontos no Leblon, na rua do Cabral, foram o ato político que evidenciou o desaparecimento do Amarildo, do contrário, ele séria mais um anônimo. E o Fora Cabral é ensurdecedor nos morros e asfaltos.
Nosso papel nas ruas e redes
As redes sociais e as tecnologias são fundamentais para fazer vazar (“leak”) o que tem sido bloqueado pelos grandes meios de comunicação – e as ameaças não conseguem impedir jovens corajosos como Edward Snowden de denunciar as arbitrariedades dos poderosos. Os tempos de hoje tem sido de ruas e redes, e nosso ímpeto em defender estas liberdades é nossa esperança de tempos novos, em que tenhamos uma comunicação e uma sociedade verdadeiramente democráticas. Não é à toa que Sérgio Cabral, de maneira absolutamente arbitrária, criou uma Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, permitindo a quebra de sigilo telefônico de “vândalos”, e instituindo, desta vez em decreto e não só de fato, o Estado de Exceção.
Essa história já é velha. O grande vândalo dessa história é Sérgio Cabral e sua polícia militar. É por isso que precisamos fazer ecoar o grito “Onde Está O Amarildo?” em todas as redes sociais, e lutar pela imediata desmilitarização da polícia. Ajude a denunciar as arbitrariedades que estamos vivendo no Rio de Janeiro com as hashtags: #OndeEstáOAmarildo #ForaCabral #DesmilitarizaçãodaPolícia. Mas, principalmente, participando das mobilizações que acontecem em todo o Brasil. Se o presente é de luta, o futuro é da gente!
*Maíra é professora e Iata estudante da PUC. Ambos militantes do Juntos!RJ