A USP já não é mais a mesma: o nosso balanço sobre a greve
Neste semestre, fizemos uma aposta: a nova conjuntura que se abriu no país com junho poderia se refletir na universidade. E isso se demonstrou acertado. Assim como vemos no Brasil, na USP já podemos dizer que também “nada será como antes”. E este é um mérito de nossa luta.
Em 2013, os estudantes da USP fizeram uma das greves mais fortes da história. Desde o dia 1º de outubro, paralisamos quase completamente as atividades na universidade e ainda ocupamos a reitoria. Colocamos no centro do debate político a estrutura de poder da maior universidade do país, seu modelo de eleições para reitor e seu autoritário estatuto. Vimos crescer um movimento estudantil forte e radicalizado, com a cara das novas lutas que surgem no Brasil, e colocamos, por semanas, a reitoria e o governo do Estado na defensiva.
Em 12/11/13, sofremos um duro golpe: de maneira violenta, foi realizada a reintegração de posse do prédio da reitoria e dois estudantes (que estavam fora do prédio) foram presos. Mais uma vez Rodas e Alckmin demonstram sua sanha repressora, mancham a história da USP e criminalizam um movimento político. Com isso, também, uma greve que começou com enorme força chega ao seu fim sem ter vitórias concretas. E toda uma nova geração de ativistas busca tirar conclusões políticas do processo.
Nós, do Juntos, construímos o movimento desde o início. Estamos em muitos cursos e campi da universidade. Neste semestre, fizemos uma aposta: a nova conjuntura que se abriu no país com junho poderia se refletir na universidade. E isso se demonstrou acertado. Assim como vemos no Brasil, na USP já podemos dizer que também “nada será como antes”. E este é um mérito de nossa luta.
É evidente que nossa greve teve também suas contradições. E é natural que seja assim: nem sempre conseguiremos simplesmente “derrubar os 20 centavos” e seguir em frente. Toda luta é tortuosa, enfrenta adversários poderosos, tem idas e vindas, vitórias e derrotas. O fundamental delas são as conclusões políticas e o acúmulo que tiramos para lutar com mais força no próximo período. Tendo isso em vista, neste texto, o Juntos pontua algumas questões que consideramos fundamentais na experiência da USP em 2013.
O enorme espaço da luta por democracia na universidade
Lutar por democracia na universidade foi uma opção correta do movimento estudantil da USP. É a luta democrática que tem movimentado o Brasil e o mundo nos últimos anos. E as contradições democráticas na USP são gritantes.
Primeiramente, pela própria composição social da universidade, uma das mais elitizadas do país. Além disso, pela administração da USP, que se dá por uma casta burocrática, que gere um dos maiores orçamentos públicos do país com base em interesses privados. A maneira como reitores e diretores de unidade se elegem expressa isso de maneira aguda, assim como o estatuto da USP, que preserva elementos da ditadura militar.
Hoje, podemos dizer que a velha estrutura de poder da USP está apodrecida. É verdade que ainda não conquistamos as diretas ou a estatuinte. O próprio ponto a que chegou a reitoria — golpeando um processo de negociação interno, militarizando a USP e reprimindo o movimento — demonstra o quanto a exigência de “democracia” lhes é cara. Mas, justamente por isso, o papel cumprido pelo movimento em 2013 é importantíssimo. Graças à nossa luta, toda universidade passou a debater um tema antes distante e a perceber a necessidade de democratizar a USP. A consciência dos estudantes avançou, e a percepção da sociedade também. As mudanças serão inevitáveis. Será cada vez mais urgente exigir e conquistar as diretas já e um novo estatuto na USP.
A nova cara no movimento estudantil: renovação e radicalização
Em comparação com as últimas greves da USP, certamente a de 2013 foi a mais forte. Mesmo sem a adesão de professores e funcionários, nossa greve chegou a atingir quase 40 cursos e 3 campi. Em muitos deles, nos orgulhou o protagonismo do Juntos, como no campus de São Carlos, em que fomos entusiastas da mobilização e greve construídas pelos estudantes desde o início. Estávamos presentes na greve local histórica, na ocupação da prefeitura do campus e nas vitórias do movimento.*
Após a experiência de junho, a vontade de participação e de luta cresceu exponencialmente. Muitos cursos sem “tradição” de movimento aderiram à greve ou realizaram paralisações significativas. Os métodos de luta — como piquetes, atos de rua, trancaços etc. — foram abraçados pelo conjunto dos estudantes, que a cada dia percebe que só a mobilização muda as coisas. Uma nova geração de lutadores surge no seio da principal universidade do país.
Aprender com as experiências: nosso movimento poderia ter tido vitórias
A força do movimento da USP foi tão grande que conseguimos, por duas vezes, derrotar a reitoria na Justiça, obrigar Rodas a abrir negociações internas à USP e, ainda, a conceder em várias reivindicações. No final de outubro, o movimento arrancou conquistas democráticas e de permanência importantes. Conquistas que poderiam abrir um novo período na universidade, mudar a vida de milhares de estudantes e, assim, fortalecer o movimento estudantil, mostrando que a luta vale a pena.
Mas essa oportunidade foi perdida. Na assembleia de 06/11, nós, do Juntos, junto com a gestão do DCE, defendemos a saída da greve e da ocupação por este motivo. Naquele momento, já com o pedido de reintegração de posse deferido, estava clara a postura golpista de Rodas e sua intenção iminente de atacar o movimento e criminalizar os estudantes. Vencer seria a melhor maneira de evitar essa situação.
Para o Juntos, um movimento só pode ter força na medida em que movimenta amplos setores estudantis. No momento de avaliar se seguimos ou não em uma greve ou ocupação — nossos métodos, e não fins —, o que está em jogo é a correlação de forças, elemento que envolve não somente nossa vontade, mas também aspectos objetivos. Sem ter essa percepção, em 2013, os estudantes da USP acabaram por sentir na pele o que será também uma característica do período pós-junho: o recrudescimento da repressão estatal e a perseguição dos movimentos políticos sempre que possível. Nossa greve, assim, também deve nos levar a conclusões a respeito das diferentes táticas que devem ser utilizadas na luta política, os momentos de avançar e de recuar, de consolidar vitórias, sempre pensando no fortalecimento do movimento.
Dentro disso, é necessário pontuar o papel anti-pedagógico e danoso cumprido pelo esquerdismo. Na USP, setores como LER-QI, Negação da Negação e PCO, trabalharam ao longo do processo conscientemente com uma política de desmoralização e derrota, buscando afastar o movimento de suas conquistas e desgastar, a qualquer custo e com os piores métodos, a direção do DCE. Hoje, essa política irresponsável e descolada da base dos estudantes demonstra sua verdadeira consequência: nosso movimento não pôde ter vitórias e, na prática, seguiu pelo caminho que mais favoreceu os interesses golpistas e repressores da reitoria. As consequências disso se refletem hoje, ainda, na resistência em se votar o encerramento de uma greve, quando esta, na prática, já se encerrou. A política e o método esquerdista, “radicais” na forma, na essência esvaziam e enfraquecem o movimento estudantil, afastando-o do que pode existir de mais radicalizado: enfrentar e derrotar nossos inimigos, acumulando forças para nossa luta. Esta tradição precisa ser superada no movimento estudantil da USP.
Lutar não é crime: seguiremos na luta por democracia e por um movimento estudantil democrático
Se a USP já não é mais a mesma, se a consciência dos estudantes avançou e se criamos toda uma nova geração de lutadores, uma coisa fica evidente: nossa luta apenas começou. E deve se fortalecer muito no próximo período.
De imediato, é necessário criar uma ampla frente democrática em defesa do direito da luta e contra a criminalização dos estudantes. Em particular, não podemos admitir os processos aos dois estudantes presos arbitrariamente. Chamamos todo o movimento estudantil nacional e a se envolver e se solidarizar a respeito do tema.
Além disso, em 2014 a luta por democracia na universidade deve ser mais forte do que nunca. O novo reitor que assumirá a USP, ainda com base às eleições indiretas, está, desde agora, amplamente questionado, e sofrerá as consequências disso.
Para estar à altura disso, nós do Juntos queremos seguir contribuindo com a construção do movimento estudantil da USP. Achamos que toda a experiência de 2013 deve servir para que aprimoremos ainda mais nossa organização no ano que vem. No DCE, vemos como fundamental a unidade política que construímos e consolidamos com diferentes setores. No movimento, a única maneira de superar suas atuais limitações é com a própria organização dos estudantes, democrática, pela base dos cursos e dos campi, dialogando com as demandas concretas e respeitando a participação de todos. O recado de junho pela democracia de base e participação direta tem que se fazer presente cada vez mais na universidade, pois confiamos plenamente na organização coletiva.
Queremos estar na linha de frente das lutas que virão.
Coordenação do Juntos-USP
Milhares de estudantes da USP realizam passeata na Avenida Paulista em 09/10
*Os militantes do Juntos foram questionados acerca da formulação inicial desse trecho, que dizia que o Juntos encabeçou as mobilizações em São Carlos. Viemos a público corrigir a escrita, pois fizemos parte dessa construção com muito orgulho, mas de modo algum queremos nos apropriar de conquistas e ações que não foram nossas isoladamente, e sim inegavelmente de todos os estudantes da USP de São Carlos.