Na UFRGS, nossa luta continua!
Somos os herdeiros de Junho, mas também estamos disputando suas lições e novas concepções de movimento estudantil. Os 1.975 votos marcam uma das maiores votações da esquerda dentro da universidade e demostram a força que o projeto combativo, independente de governos e reitoria possui.
Nathi Bittencurt e Guly Marchant*
Na última semana ocorreram as eleições para o DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com mais de 6.000 votos, essa foi uma das eleições mais participativas da história da universidade. O resultado, porém, não deixa motivos para comemorações, uma vez que com diferença de 486 votos a chapa vencedora é a representante da ala mais conservadora do movimento estudantil nacional.
Cinco chapas disputaram a gestão do DCE da UFRGS, no entanto, apenas três possuíam chances concretas de vencer: A chapa 1, identificada com as mobilizações dos indignados de Porto Alegre, formada por muitos independentes e diversos Diretórios Acadêmicos, militantes do Juntos!, Vamos à Luta, Anel, Contestação e Tecer Amanhãs. A chapa 2, “DCE Para Todos” com o discurso governista sustentado por coletivos ligados à PTB, PPL, PDT, PC do B e PT (Mudança). A chapa 3, “DCE de Verdade – Meu Partido é o Estudante”, representante do conservadorismo elitista mais tradicional da UFRGS, ligada às organizações de direita que passaram pelo DCE em 2010, contou com apoio de representantes de diretórios acadêmicos declarados “apartidários”. O processo ainda contou com a chapa 4, “Amanhã Vai Ser Maior”, organizada pela juventude Rebele-se, e a chapa 5, “Novação”, composta por outros militantes ligados ao PT.
As Jornadas de Junho, que em Porto Alegre iniciaram nos primeiros meses do ano com a luta contra o aumento da passagem, bem como a presença de boa parte dos estudantes da universidade nas manifestações de rua, trouxeram novo significado para a representação do DCE e aumentaram o envolvimento dos estudantes no processo eleitoral, evidenciado pelo alto quorum. O espírito contestador de junho colocou em xeque a representatividade de governos, partidos, sindicatos e também entidades estudantis. Em suas proporções, o mesmo sentimento de contestação se expressou nas eleições do DCE. Inevitável. Uma vez que o mesmo saiu às ruas para questionar as atitudes dos políticos, seria previsível que a entidade fosse questionada por estudantes, e, nesse sentido, houve pelo menos três discursos diferentes.
Um dos principais discursos encontrados nas manifestações e eixo da campanha da chapa 3, vencedora, foi o “apartidarismo”. A negação das ruas se deve à experiência com os velhos partidos da ordem, que nada fazem para melhorar de fato a vida da população. O Juntos! não é um partido, ainda assim, acredita que a construção de alternativas partidárias ligadas às lutas das ruas e aliada à disputa dos espaços do parlamento é um caminho a ser seguido pelos jovens indignados. Portanto, contrapor o apartidarismo, tão sedutor ao senso comum, faz-se necessário, pois sabemos que a filiação partidária não é termômetro para conduta ética. Nas manifestações e na UFRGS, o apartidarismo foi usado por setores da direita reacionária que buscaram o diálogo com uma parcela dos estudantes que confundem partidos e suas ações, fazendo com que setores da esquerda combativa sejam igualados aos movimentos ligados aos governos que buscam frear as mobilizações estudantis por dentro das entidades.
Os movimentos governistas foram os principais derrotados na eleição, com a campanha mais cara e com discurso próximo ao da chapa 3 no que tange ao perfil de universidade elitizada. O projeto dos governos municipal, estadual e federal obteve 1.250 votos. Embora tenha se seguido a linha de enganar o estudante se escondendo atrás de boas propostas, esta foi a chapa mais caluniosa e mentirosa das eleições tendo seu material impugnado ao afirmar que o DCE não prestava contas. Não bastasse isso, teve a mesma atitude dos governos a que responde e criminalizou os movimentos sociais acusando a chapa de situação de não respeitar liberdades democráticas e realizar ações violentas. Já produzimos textos a respeito das ações diretas, portanto, nos limitamos a afirmar que quem participou dos atos percebeu a desproporcional violência utilizada pela polícia militar para coibir as manifestações. Mesma polícia que invadiu a casa de Lucas Maróstica, militante do Juntos e membro da chapa, sem provas contundentes e que agora, pode vir a fazer o policiamento dos campi como defendido pela eleita chapa 3. Desde já nos posicionamos contrários à PM no Campus por entender que esta não está preparada para realizar atividades de proteção e conhecer seu papel de repressão.
A expressividade limitada das duas chapas demostra dois equívocos recorrentes das organizações que a dirigiram. A chapa 4 “Amanhã Vai Ser Maior”, dirigida pelo Rebele-se, preferiu a autoconstrução a fazer parte da chapa da esquerda unificada, chapa 1, a qual não poupou ataques caluniosos e acusações falsas como sustentar que o financiamento da campanha havia sido feito com dinheiro da entidade. O que pode ser visto como um acerto, do ponto de vista prático, já que a esquerda foi derrotada, na verdade demostra um grande erro, uma vez que seus membros comemoravam junto aos membros das outras chapas a derrota da chapa 1 para direita. A atitude evidenciou a irresponsabilidade deste setor com a luta da esquerda dentro e fora da UFRGS, uma vez que setores da direita articulam-se nacionalmente, como no DCE da UnB e a oposição na USP, entre outras. A chapa 5 “Novação” foi a representação da contradição dos jovens que reivindicam uma universidade pública e de qualidade, que participaram ativamente de junho, mas que estão ligados aos governos que sucateiam a educação e reprimem manifestações legítimas. A votação destas duas chapas foi 266 e 134, respectivamente.
A chapa 1 trouxe a efervescência das mobilizações para dentro da universidade, fazendo uma linda campanha que tomou os campi de vermelho e teve apoio de rodoviários, Grêmios Estudantis, servidores da universidade e do músico Tonho Crocco, entre outros. O programa do ensino público e popular nunca esteve tão vivo. Somos os herdeiros de Junho, mas também estamos disputando suas lições e novas concepções de movimento estudantil. Os 1.975 votos marcam uma das maiores votações da esquerda dentro da universidade e demostram a força que o projeto combativo, independente de governos e reitoria possui. A universidade é um espaço sabidamente elitizado reprodutor de preconceitos e desigualdades, logo, onde a construção de um movimento estudantil de esquerda sempre encontrou obstáculos. Enfrentamos a contestação criada em junho através de quatro discursos diferentes, com interesses distintos, e mesmo assim conseguimos colocar o projeto de universidade pública e popular como segundo colocado a contragosto daqueles que reivindicam uma UFRGS para poucos. Teremos um 2014 cheio de lutas e reorganização do movimento. Não é só por 0,20 centavos, e não é só por um DCE. Nossa luta não começou ontem e não termina hoje. Sem dúvidas, nas ruas e na UFRGS, Nada Será Como Antes!
* Nathi Bittencurt é estudante de Jornalismo, do DACOM/UFRGS e do Grupo de os Trabalho Nacional do Juntos! e Guly Marchant é estudante de Jornalismo, do DACOM/UFRGS e militante do Juntos! RS