Quando o Bom Senso F.C. muda o senso comum, tudo pode mudar
futebol melhor pra todos

Quando o Bom Senso F.C. muda o senso comum, tudo pode mudar

Fernando Genro Robaina, ex-jogador de futebol profissional e militante do Juntos! escreve sobre a mudança do senso comum que o Bom Senso FC está produzindo no futebol e no Brasil.

Fernando Genro Robaina 6 dez 2013, 13:50

Fernando Genro Robaina*

Instigado pelo companheiro Bernardo Corrêa a escrever sobre a iniciativa dos jogadores de futebol no Brasil, o Bom Senso F.C, que reivindica, através de protestos antes dos jogos, melhorias nas condições de trabalho dos atletas profissionais, com o intuito de transformar “um futebol melhor para todos” (www.facebook.com/BomSensoFC14).


Neste cenário, refleti sobre o fio condutor que leva estes movimentos à política, pois vejo neles a consciência da importância organizativa na luta por mudanças. Assim como em junho no Brasil, quando o povo percebeu sua força, indo às ruas e colocando medo em quem não desejava mudar o status quo, os jogadores de futebol, agora, protestam por mudanças de bom senso. A pauta de reivindicações dos atletas, assim como em junho, refletem dificuldades particulares de movimentos distintos, mas que têm na sua essência dialética a estrutura das contradições do sistema como um todo. Por isso, o aprofundamento do debate no futebol é imprescindível para enxergarmos as potencialidade e debilidades deste novo clube brasileiro. O Bom Senso F.C expressa um novo paradigma do possível, revigorado pelos protestos nas ruas do país. Não é a toa que a grande mídia, os clubes ou a própria CBF, tentam ocultar ou minimizar a realidade contraditória do futebol. Neste caso, alguns chegam a dizer que não apoiam a iniciativa dos atletas por considerar uma luta de classes. Bem pensado, pode se tornar.

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O elo que conecta junho com os protestos perpassa pela necessidade do fortalecimento quantitativo, com a participação de massas e organização coletiva, até um salto qualitativo, no método de disputa, e no processo de construção do novo. Os protestos colocaram luzes que permaneciam apagadas, pois não havia ninguém questionando números de jogos ou férias, bastava o emprego. Hoje – os jogadores da primeira divisão-, cada vez mais cobrados pela mídia e pelas torcidas, se unem com os demais para batalhar em uma luta comum: querem o esporte condizente com a sua, com a nossa, condição humana. Não aceitam jogar a cada 3 dias, tarde da noite, depois da novela; querem férias para descansar com as famílias; entretanto, há quem não tenha tantos jogos, nem ao menos o emprego. As pautas contrárias trazem consigo um caráter particular, contudo se revestem das contradições do universal: enquanto uns tem muito, outros têm muito pouco. Estas contradições advêm de uma complexidade vai contra o próprio interesse do ” mercado futebolístico”, hoje regido pelo financeiro, colocando em xeque os negócios milionários do esporte. Portanto, nada mais óbvio que, assim como em junho, a exposição do real problema não chegue tão longe.


A iniciativa dos protestos é um alento para quem acredita na construção coletiva, mas é também débil (como expressão máxima de um protesto transformador real) se não expormos as contradições determinantes que se sustentam pelo mercado, numa lógica idêntica ao da coleção de mercadorias. A crise do futebol, em sentido técnico, ou apenas no seu entretenimento, tem um pano de fundo da crise de identidade da cultura popular, mas se expressa, de maneira concreta, nas condições de trabalho dos jogadores.


As debilidades deste movimento tem paralelo na política: a força necessária para transformar uma pauta concreta, particular, em universal. Colocar nela um sentido totalizante; ir além do possível, para si, e para os Outros. Nesse sentido, cabem os questionamentos dos contratos precários nas divisões inferiores; as condições de trabalho, no que diz respeito à infraestrutura; o acúmulo de jogos e a submissão aos horários da televisão; a contraditória lacuna salarial que vai dos 500 mil aos 500 reais; a destinação de verbas públicas aos grandes clubes, estando eles, ao mesmo tempo, quebrados? Se não quisermos ficar na superficialidade do fenômeno, precisamos questionar o todo do qual o futebol faz parte.

sentados em campo

Jogadores de Corinthians e Internacional sentam no gramado no início da partida em mais um protesto do Bom Senso FC

Escalar os cumes abruptos dos problemas no mundo do futebol é ir contra uma série de interesses. Acredito, contudo, que este processo de mobilizações e protestos nos gramados já um marco na recriação do futebol, pelo menos como esperança de algo melhor por quem é oprimido diretamente por sua lógica. Evidente, não é um partido político, e talvez por isso, seu caráter universalizante não prospere, e se esgote em pautas superficiais. Contudo, a luta particular, sendo radical, sempre cria um novo sentido a todas as lutas, e muitas vezes temos quebras de paradigma significativas. Por ser socialista, acredito na superação de uma utópica dialética, que tem na luta coletiva o eixo da luta particular, sem que ela jamais acabe. Esta utopia, no esporte, é a construção de uma cultura popular agregadora; de torcidas, jogadores e povos, e não a lógica posta hoje pelo mercado. O que me deslumbra no Bom Senso F.C é a ideia que ele contém uma força totalizante reflexiva que pode ser explorada, indo além da crítica do senso comum.

*Fernando Genro Robaina é estudante de Direito da PUCRS e militante do Juntos!. Foi jogador de futebol profissional pelo Grêmio e de outras equipes brasileiras e da Europa.


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