Por mais rolezinhos: pânico é o que a PM faz na periferia
A criminalização dos “rolezinhos no shopping” tem exposto uma grave situação de São Paulo: os negros, os favelados não só não são bem vindos nos espaços de consumo, como são e serão expulsos a força, se assim for necessário.
Tatiane Ribeiro*
Nos últimos dias, São Paulo tem mostrado o que tem de pior: seu racismo mascarado de “medo”. É assim que tem aparecido nos jornais, todo fim de semana, as denúncias de que jovens da periferia (a maioria negros) têm “invadido” os shoppings da cidade para fazer os tais rolezinhos. A invasão normalmente é marcada em eventos no facebook e a ideia é simples: que tal ir até um shopping, onde negro nunca tem espaço se não for como funcionário (e normalmente da limpeza ou da segurança, porque dificilmente você será atendido por um vendedor negro em uma loja do shopping), e cantar, conversar, andar pelo shopping?
Essa, aparentemente, é uma ideia absurda, causa pânico (com direito a desmaio de funcionária) e é tão nocivo pra ordem das coisas que já tem até liminar proibindo os tais rolês. Aparentemente, o shopping (que apesar de não ser público – ou seja, de ser de um dono – é um lugar de livre circulação) pode selecionar quem serão os seus clientes. Esse é o entendimento do juiz que liberou uma liminar que prevê a multa de até R$10.000 para quem fizer rolezinho no shopping. Para garantir que a liminar seja cumprida, policiais e seguranças foram colocados nas portas dos shopping, revistando bolsas e selecionando quem poderia ou não entrar. Qual é o critério? Quem pode e quem não pode entrar nos shoppings frequentados pelas classes médias e altas (brancas) paulistanas?
O critério é claro: pode entrar quem tem dinheiro pra consumir. O pobre, o negro, o favelado não pode entrar e andar tranquilamente pelo espaço. Afinal, o que ele pode querer no shopping além de fazer arrastão, roubar, depredar? O mais confuso disso tudo é que, na verdade, nenhum caso de depredação ou roubo diretamente ligado aos rolezinhos foi denunciado. Mas, mesmo assim, a classe média branca está esbravejando nos comentários das matérias em grandes sites de notícia que “tem medo” e que o shopping não é lugar para essas pessoas. “Vá fazer rolezinho na sua casa”, comentou um homem em uma foto de um rolezinho na página do Estadão. Pois é, negro, pobre e favelado tem mais é que se trancar e não atrapalhar os cidadãos de bem que querem passear sem ter que dar de cara com as contradições da cidade.
Aí chegamos no ponto central dessa questão: a cidade de São Paulo segue vivendo um aparthaid social, em que a criminalização da pobreza ocupa o lugar das leis racistas (afinal, não dá pra falar que não quer um negro do seu lado, mas você pode dizer que ele é pobre e vai te roubar). Os negros, os pobres, os favelados não podem querer sair de onde estão: a cidade está organizada para que as periferias não tenham acesso a ela, e nada que possa ferir essa ordem poderia estar correto.
Aos que não podem ter acesso a cidade, que aguentem o rolezinhos (esses sim violentos e com vandalismo) da polícia militar, que faz visitas constantes às favelas, matam, batem, fazem o que bem querem. Nos shoppings, pra disfarçar, é só coronhada de cassetete, bomba de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Na favela, a bala é de verdade. Se prende, depois se pergunta. O pânico já está instalado na periferia: mas sobre isso ninguém quer falar.
Os rolezinhos parecem estar longe de acabar. É a maneira que a periferia encontrou de chamar atenção, de dizer que veio pra ficar (e que a cidade é deles também). E que muitos mais venham. Que os shoppings, os parques, cada canto da cidade se pinte de preto, se pinte de periferia. A cidade é de todos nós!
*Tatiane Ribeiro é jornalista, do Grupo de Trabalho Estadual do Juntos! SP e do Juntos! Negras e Negros