“Fazer humor é um ato político”: veja a entrevista de Gregorio Duvivier à Folha
Veja a entrevista de Gregorio Duvivier, do Porta dos Fundos, sobre o poder do humor!
Gregorio Duvivier, ator, um dos criadores do Portal Porta do Fundos e colunista semana do Jornal Folha de São Paulo, deu uma entrevista ao jornal em que fala sobre o poder do humor como arma política! Confira:
Folha – No Twitter, você usa a imagem de Eric Idle [como avatar]. Ele fazia as músicas do Monty Python. Ou faz, porque estão voltando.
Gregorio Duvivier – O Monty Python mudou a minha vida, quando descobri. Era bem novo, o [Fernando] Caruso e o [Rafael] Queiroga me apresentaram no Tablado um VHS do “Hollywood Bowl”, aquele ao vivo. O Eric Idle foi sempre com quem mais me identifiquei. Foi o lance das músicas e também o humor surreal, mas um pouco ingênuo. E ele gosta de jogos linguísticos, eu também. Adoro letras e brincar com a linguagem. É meu Python favorito, mas gosto deles todos. Nós cinco do Porta vamos lá [a Londres] ver a reunião em julho.
F – Já conseguiu ingresso?
GD – O [Fábio] Porchat disse que conseguiu, [ri] mas ainda não vi o ingresso.
F – O Porta de certa maneira reflete [o Monty Python]. Tem cinco integrantes e tem diretores, todo mundo escreve, atua. Foi consciente?
GD – Não foi, mas acabou influenciando muito. O humor é antes e depois do Monty Python. E tem muitas coisas, até filhas deles. Por exemplo, os desenhos americanos, “Family Guy”, obviamente “Simpsons”, “South Park”, que é o meu preferido. São animações, mas que não têm nada de infantis. “The Office”, o [seriado] americano e o inglês, esse humor de constrangimento.
F – Muitos dos esquetes do Porta, que Monty Python poderia fazer, por exemplo, aquele do Natal, geram controvérsia aqui. Por quê?
GD – É um mistério, até veio uma repórter da BBC entrevistar a gente. Eles o assistiram na Inglaterra, gostaram e disseram não entender por que aqui dá processo. Para mim tem a ver com o fato de que os religiosos no Brasil acreditam que são representantes legais de Deus, de Jesus.
Não são só fiéis: eles acham que o sagrado está dentro deles. Quando a gente é processado, é como se Jesus fosse casado, vamos dizer, com Marco Feliciano [pastor e deputado federal]. Como se ele tivesse direito de advogar em nome de Jesus. Isso é impensável num país civilizado. É impensável processar alguém por causa disso, danos morais inclusive.
F – Vocês estão sendo processados por Feliciano?
GD – Por ele, a gente teria ofendido a ele pessoalmente. Só que é estranho, nunca foi dito o nome dele, a gente nunca o citou. A gente agora tem advogado, infelizmente. Eu queria não precisar, mas a gente vai ter que viajar, o processo é em São Paulo, a gente mora aqui no Rio, então contratou um advogado. Ele já falou que não vai ter problema…
Ele [Feliciano] está tentando achar uma brecha na lei, que é da intolerância religiosa. Realmente existe essa lei, de que você não pode escarnecer da religião de outra pessoa. Só que a gente não está escarnecendo da crença. Jesus é uma figura histórica barra mitológica. Não é uma figura que possa processar.
F – A lei também prevê liberdade de expressão, em princípio.
GD – É, em princípio. Porque o Brasil tem brechas. Essa lei, por exemplo, quase se sobrepõe à liberdade de expressão. É contraditória com a liberdade de expressão. Por que você não pode escarnecer de um objeto religioso?
F – Depois veio a confusão com o esquete da polícia, em que estão Porchat e João Vicente [de Castro]. Isso vai se tornar constante, a cada três vídeos uma reação pesada?
GD – É uma pena. O objetivo não é esse, o que a gente gosta de fazer é comédia. A gente evita ao máximo perder tempo com polêmica.
F – Além do Porta, houve episódios aqui em São Paulo, envolvendo Rafinha Bastos e outros. Isso não reflete também o fato de que o humor nunca esteve tão forte?
GD – Acho que tem uma nova fase do humor no Brasil, talvez por causa do “stand up” e do improviso. O humorista dá opinião em primeira pessoa. Antigamente tinha o culto da anedota, que quase sempre era reciclada, nem era de autoria. A gente no Porta não tem tabu: religião, homossexualidade, palavrões, marcas, a gente fala de tudo. A única coisa que não faz é repetir anedota: o português burro, a loira burra. A gente não faz, pois vai perpetuar piada antiga. Que não tem graça, na minha opinião. Eu odeio anedota. Acho que isso é meio novo, o humorista deixou de ser um repetidor, um papagaio de anedotas.
Mas ainda existe uma dicotomia no Brasil, que acho muito burra, de que “você é um humorista, para de falar sério”. Quando a gente faz um esquete político, “vocês são humoristas ou são políticos?”. Como se você tivesse a possibilidade de não ser político. As pessoas não percebem que você não pode fugir da política. Fazer humor é um ato político. Você está o tempo todo se posicionando de forma política.
F – Nos Estados Unidos, o grande telejornal hoje é o “Daily Show”, de Jon Stewart.
GD – Perfeito. Os Estados Unidos sabem disso. O “Daily Show” é um puta jornal, que atinge a opinião pública de maneira muito engraçada, com muito sarcasmo. E os políticos morrem de medo do Jon Stewart, porque é muito poderoso mesmo. Esse humor ainda não tem lugar no Brasil direito. O Porta está mostrando um pouco, mas ainda existe quase um preconceito de achar que não pode ser político. O humor está sempre dizendo alguma coisa e tem importância social muito grande.
F – Mas aí tem um outro lado. O “stand up” foi marcado de alguns tempos para cá, em São Paulo, pelo preconceito. Carrega nas tintas em vários níveis, sexual, comportamental, até racial.
GD – Acho que o humor é muito ruim quando perpetua preconceitos. E acho que é bom quando puxa o tapete das certezas, quando vai contra o que é dito todo dia, toda hora, no jornal, na rua, pelo taxista reacionário que fala que “veado tem que morrer”. O reacionarismo já está nas ruas, o tempo todo. A gente vive num país especialmente reacionário. Muito religioso, homofóbico, racista, muito machista. A gente vive neste país.
E aí você vai fazer humor homofóbico? Eu acho ruim. Não que seja criminoso, porque acredito na liberdade plena de expressão. Agora, acho também muito importante ter responsabilidade fazendo humor. A gente tem responsabilidade política.
F – Você publicou um post sobre o caso Santiago. Qual é a sua opinião?
GD – Cara, eu acho trágico. Lamento muito a morte, muito, não só porque é a morte de uma pessoa, que estava trabalhando, que não tem nada a ver com isso. Mas também por tudo o que aconteceu depois, com o uso político dessa tragédia. Acusações infundadas por parte não só de advogados dos criminosos como também da imprensa. Esses rapazes são criminosos, têm que ser julgados, mas é muita ingenuidade… não tem nada de ingênuo, é o contrário… você achar que são contratados por partidos.
É um monte de gente inconsequente que, tenho certeza, tem que ser julgada. Agora, tem que parar de usar politicamente e desmerecer todo um movimento muito legítimo, que começou em junho, por causa da ação de criminosos. Que existem, mas são minoria. A grande parte dos manifestantes não é violenta, e a maior parte da violência nas manifestações partiu da polícia.
F – Está sendo esquecida ou ocultada a violência do outro lado?
GD – Exatamente. Esquecem os mortos pela polícia. É para investigar todas as mortes nas manifestações. Não é à toa que o maior homicida do Brasil é a Polícia Militar. É só isso que acho importante lembrar, antes de aprovar leis antiterrorismo e aumentar o poder e a truculência da PM. Essa não é a solução. O crime foi uma barbárie? Foi. Mas a pior solução para a tragédia é aumentar a rigidez das leis anti-manifestação. A gente vive num Estado democrático e é um absurdo punir manifestantes por um crime que quem cometeu foi uma minoria de imbecis.