Novo Vale do Anhangabaú e a privatização de espaços públicos em São Paulo
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Novo Vale do Anhangabaú e a privatização de espaços públicos em São Paulo

A requalificação e reurbanização do Vale do Anhangabaú é a cara da gestão de espaços públicos em São Paulo: concreto, privatização e soluções mágicas questionáveis. Algumas considerações sobre a polêmica.

Davi Barbosa 31 jul 2020, 19:26

Esse projeto de reforma foi gestado como meta do governo Haddad, saiu do papel e se tornou uma possibilidade de negócio na gestão Covas e, muito provavelmente, entrará na rota de privatizações de espaços e equipamentos públicos em breve. O problema, entretanto, é bem maior do que as fotos que circularam nas redes nos mostram: o vilão não é exatamente o projeto arquitetônico, mas sim o processo por detrás da nova esplanada concretada do Vale. A origem desse projeto está na doação, pelo Banco Itaú, para a prefeitura de SP na gestão Haddad, de uma consultoria de requalificação do Anhangabaú por um escritório de arquitetura dinamarquês. Essa doação foi aprovada pela burocracia municipal em tempo recorde e se tornou um projeto de interesse público. O Itaú vem cumprindo, desde aquela época, um papel de interferir no centro de São Paulo, através de licitações laranjas e parcerias com a prefeitura, e que muito se envolve com o polêmico projeto.

Apesar da consultoria gringa, urbanistas brasileiros finalizaram esse projeto, mas muito do que o Itaú tinha doado para a prefeitura se manteve: o edital de licitação pública do projeto já exigia uma forte exploração comercial do Anhangabaú (com quiosques, lojas, cafés, restaurantes) e respostas inconcretas sobre a questão da ocupação por moradores de rua no Vale. Foi mantido também o uso de mais de 850 fontes de água, e lá atrás, quando essa proposta foi apresentada, estávamos à beira da crise hídrica em SP.

Em 2019, a gestão Covas pegou a iniciativa para si e iniciou as obras. Orçado inicialmente em 80 milhões de reais, terminamos alcançando mais de 100 milhões de reais de fundo público usado. Como não houve uma publicização ampla do projeto, muitos foram pegos de surpresa com as obras já em fase final. Uma manutenção eficiente e preservação adequada evitaria gastar rios de dinheiro nessa reforma no mesmo período em que se aprova uma reforma da previdência municipal alegando o quê? Falta de dinheiro!

Os que hoje defendem o projeto tentam impor um fracasso ao antigo Vale, por conta da presença de moradores de rua, usuários de drogas, falta de limpeza e banheiros. Ora, tudo isso é função da mesma gestão pública que rapidamente derrubou e reconstruiu o Anhangabaú. E mais: desenho urbano não resolve por si só problemas sociais, como desemprego e falta de moradia que impõe a rua como único lugar de estadia, mas sim políticas públicas. Além disso, há anos se opera em SP o processo: sucateamento proposital > denúncia do sucateamento > privatização. É a cara do PSDB.

Para finalizar, em maio deste ano Bruno Covas abriu um edital de concessão privada do Vale. A empresa que ganhar o edital precisará pagar um valor irrisório pra prefeitura, e somente se tiver lucro com a exploração do lugar. O que isso acarretará será a transformação do Anhangabaú num grande shopping a céu aberto. Os que irão usufruir do espaço não poderão ser somente cidadãos, mas também clientes. Poderá haver ainda momentos, assim como nas festas da copa de 2014, de limitação do trânsito livre no espaço. É preciso mais do que denunciar o projeto arquitetônico, precisamos denunciar o processo de privatização.

Este modo de gerir a cidade como uma empresa, que destrói e reconstrói o espaço público ao bem querer da iniciativa privada, não foi interrompido durante a gestão Haddad e foi acelerado nas gestões Doria e Covas – e é o mesmo que privatiza equipamentos públicos e não interrompe a política cruel de reintegrações de posse, inclusive durante a pandemia, ao mesmo tempo em que se mantém um déficit habitacional gigantesco em São Paulo. O Vale do Anhangabaú é, portanto, somente a ponta do iceberg de uma política urbana privatista e fracassada na cidade.


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