Ecocídio da Amazônia: construir o ecossocialismo é urgente
Uma reflexão sobre o projeto da “Eco” Rodovia Liberdade no Pará
1500 é o marco do início da destruição da Amazônia, de lá pra cá a exploração predatória de seus bens naturais e o desenvolvimentismo a qualquer custo representam os números recordes de desmatamento e queimadas atingidos em 2021. Esses projetos de grande impacto socioambiental fazem parte da realidade amazônica desde que os colonizadores viram na floresta uma fonte de riquezas mitologicamente infinitas, assim foi no período colonial com a exploração das “drogas do sertão”, a introdução da agricultura e da pecuária, utilizando-se de uma mão de obra escravizada indígena e depois africana; no final do século XIX e início do XX, com boom da borracha, com o incentivo da imigração em massa de nordestinos; com as construções das Usinas Hidrelétricas criminosas, como a de Tucuruí e Belo Monte; e as grandes rodovias que passam por cima de áreas de populações indígenas, ribeirinhas e quilombolas, assim foi o projeto de 50 anos em 5 que sonhou Juscelino Kubitschek com a construção da Belém – Brasília para escoamento de minerais nos anos 50, bem como a Transamazônica inaugurada no início da década de 70, durante a ditadura militar, uma grande ferida na Amazônia que abriu portas para o desmatamento, os conflitos agrários, o genocídio das populações indígenas e de projetos ecocidas disfarçados de integração nacional apoiado em discursos que retraram a Amazônia como um vazio demográfico e que se perpetuam até hoje na visão de como o Brasil nos enxerga e é enxergado.
A inserção caótica de corredores de exportação na Amazônia Legal por militares brasileiros, que por sua vez, perpetuaram a visão anacrônica de integração do espaço físico, advindo de um ideal imperialista de dominação e proteção do território, trouxe prejuízos socioambientais exponenciais. Tais como: devastações ambientais com a perda de até 90% da mata nativa nas áreas afetadas, degradação dos territórios de comunidades tradicionais, conflitos sociais e territoriais, prostituição e exploração sexual de menores de idade, tráfico de pessoas, especulação internacional imobiliária e fundiária. Nesse sentido, em consonância a essa historicidade vexatória, o atual governo federal assume a postura problemática de flexibilizar ações do Estado para atuação ambiental regulamentadora, assim continua promovendo desigualdades fincadas no passado.
Hoje em Belém (PA) está em construção o projeto da “Eco” Rodovia Liberdade, uma obra do governo do estado – comandado por Helder Barbalho, herdeiro de um trono que carrega diversos crimes ambientais – que inicia dentro da Universidade Federal Rural da Amazônia, passa por dentro do Parque Estadual do Utinga – área de preservação e território ocupado por comunidades ribeirinhas – e pela estrada que dá acesso ao Quilombo do Abacatal que resiste há 311 anos na região metropolitana de Belém e à todos os projetos que já existiram para apagar sua história, em um ato firme de racismo ambiental.
O fato é que o projeto de Helder cumpre de maneira fiel a regra do ecocídio na Amazônia: sem debate com a população, racismo ambiental e utilizando do enfraquecimento nacional de órgãos fiscalizadores. É perceptível ao decorrer dos dois últimos anos, o amontoamento de vários projetos de urbanização desenfreadas e criminosas na região norte, como rodovias para deslocar as produções do agronegócio. O projeto da Rodovia Liberdade existe desde 2016 e nunca houve consulta prévia com a população que será atingida e muito menos audiência pública com a sociedade civil. As notícias no site do governo informam o início das obras já para o próximo ano, mas até agora não apresentaram o EIA (estudo de impacto ambiental), muito menos a licença prévia, documentos que deveriam garantir a informação para as comunidades. Tudo isso está atrelado a lógica de crescimento urbano de maneira violenta e sem diálogo, rememorando a histórica prática racista e capitalista de construções de cima para baixo e sem reconhecimento dos povos amazônicos.
A Rodovia Liberdade que – rememorando a frase dita por Santana, liderança do Quilombo do Abacatal – “de liberdade não tem nada”, irá reafirmar o programa de país que a direita constrói para o Brasil e o MDB coloca para o Pará: a Amazônia como terreno fértil para privilegiar uns em detrimento de outros, visto que os “outros” são aqueles com menos direitos, menos poder, menos possibilidade de intervenção social, sem espaço para mudar essa lógica formal imposta historicamente pela colonização em que A sempre é igual a A, os povos da floresta, indígenas, quilombolas e ribeirinhos sempre foram impostos ao domínio por quem detém a hegemonia, então sempre permanecerão sendo assim. Passamos longe disso! A dialética existe quando é construída a luta na base de toda a opressão contra os povos, por isso, o programa que defendemos é radicalmente contrário a essa forma exploratória e opressora.
O ecossocialismo é a construção econômica e ideológica de que há outro caminho a ser seguido sem esse que vem sendo imposto desde o século XVI no Brasil. Não somos meros defensores dos dizeres da hashtag que ganhou o mundo “#prayforAmazonia” e do imaginário que carrega o mito europeu que conquistou a história: terra sem homens, inferno verde, vazio demográfico. Agitamos que em meio a toda devastação ao meio ambiente, o desmatamento feroz e a floresta em chamas, existem povos, populações inteiras que são dizimadas, comunidades que tem do poder público apenas o genocídio liberado para as mutinacionais. A Rodovia Liberdade é uma construção em plena metrópole, que por muitos pode ser vista como o espaço puramente urbano obrigatoriamente seguindo a tal modernidade vendida, mas que atinge povos históricos, sejam de Belém do Pará ou de Maiari Tupinambá.
Nos definimos ecossocialistas pois não há conciliação quando o meio ambiente, a floresta e seus povos são atingidos. Não há meio termo quando a vida está no balcão de negócios.