Quatro considerações sobre o fim do governo de Netanyahu
Uma analise pela perspectiva da militância árabe sobre a saída de Benjamin Nethanyahu do governo de Israel, considerando a nova ameaça aos povos árabes pela direita ultranacionalista de Bennett, o impacto na luta histórica palestina por legitimidade e sobrevivência e o isolamento de Bolsonaro na politica internacional
No dia 13 de junho, o parlamento israelense elegeu com uma pequena margem de diferença o candidato da direita nacionalista Naftali Bennett.
Com a alteração no governo israelense algumas considerações precisam ser feitas através de uma análise levando em conta a situação internacional, mas também os fatores de influência no governo Bolsonaro.
Para isso, enumero quatro considerações sobre a mudança na coalizão do governo israelense para uma análise crítica e radical.
1. A troca de ministros não altera as ocupações
Existem erros comuns quando debatemos a história dos povos oprimidos. Um deles é associar questões personalistas ao que na verdade é um fator do próprio Estado capitalista.
O principal argumento de Marx ao compreender a “Questão judaica” foi justamente esse, a atribuição de um caráter opressor maior por parte do Estado capitalista do que a simples criação de um novo estado que contemple as questões religiosas. Enquanto houver capitalismo, os estados necessariamente vão possuir algum tipo de violência lucrativa (guerra) entre as classes, por isso é fundamental alterar o sistema e não somente a localização.
Mais uma vez a análise de Marx é certeira. A criação do estado de Israel em 1948 alterou os atores de um novo massacre, gerando mais guerra no seio dos povos árabes, a chamada terra sagrada Palestina.
Desde então, ocorrem despejos e ocupações ilegais em territórios palestino. O mais recente foi o ocorrido em Silwan e Sheikh Jarrah, território de famílias palestinas despejadas de Jerusalém Ocidental em 1967.
Para além da crueldade de despejar centenas de famílias com base na limpeza étnica promovida por Israel, o estado ainda cobra taxas de despejo e demolição para as famílias palestinas que antes ocupavam essas aldeias que agora serão povoadas por colonos judeus. Tal injustiça comoveu as mídias de esquerda que denunciaram as ocupações ilegais e os ataques contra o povo palestino, levantando novamente a bandeira por uma palestina livre e soberana.
Bennet do alto de sua origem militarizada e religiosa, bem como sua composição de governo, não representam uma mudança, mas sim a afirmação da política armamentista. Com seu histórico como chefe religioso de um grupo de colonos judeus e seu envolvimento no massacre de Qana em 1996 matando 102 civis no Líbano não nos deixa dúvidas. Sua formação faz parte do mesmo projeto de Netanyahu.
Obviamente, Netanyahu é um inimigo do Estado Palestino. Sendo o ministro que permaneceu mais tempo no cargo, foi um dos líderes de chacinas e bombardeios promovidos contra os povos árabes. Porém, não podemos ser simplistas, o estado de Israel possui uma política de limpeza étnica contra os palestinos e vai continuar exercendo essa prática, independente do ministro. A eleição de um candidato da direita nacionalista como Bennet é a renovação da prática sionista.
2. Inserção do partido palestino na coalizão do governo
Um fator se altera na nova coalizão do governo Bennett: a inserção da Lista Árabe Unida, um dos quatro partidos árabes que existem em Israel. Contudo, esse não é considerado um momento histórico para os palestinos. Segundo Mansour Abbas, chefe da Lista Árabe, apenas será possível a tentativa de canalizar alguns fundos para os palestinos com cidadania israelense e formar uma comissão parlamentar para debater o reconhecimento de algumas aldeias de beduínos palestinos.
Apesar do esforço da Lista Árabe o partido estará isolado no governo, tendo em vista a aliança entre os partidos direitistas ultranacionalistas e centristas que conformam a relação de forças.
A possibilidade de ação e diálogo é pouca e apresenta muitas limitações. As principais pautas de reivindicação da luta palestina, como o fim das ocupações ilegais em Jerusalém e o novo tratado de cessar fogo em Gaza, não aparecem nem nas tentativas da Lista Árabe, o que nos mostra que a luta do povo palestino não será concretizada a partir de uma coalizão de forças em um governo ultranacionalista.
3. Avanço das manifestações de ódio aos árabes
No dia 15 de junho uma das maiores manifestações de ódio público aos povos árabes foi realizada durante a “Marcha da Bandeira” em Jerusalém. Em diversos vídeos podemos observar os colonos judeus proferindo cantos que desejam a morte de árabes e ridicularizando a imagem do profeta Mohammed (Maomé), líder sagrado na religião islâmica. Infelizmente, essas não são práticas isoladas e sem vínculo com o governo, uma das consignas dos colonos judeus dizia “A segunda Nakba (massacre) está chegando, podem esperar”.
Ameaças como essas são reflexo de dois fatores: as novas ocupações em Jerusalém Ocidental e a eleição de um ultranacionalista comprometido com a limpeza étnica. Bennet em entrevista para o Guardian afirmou que nenhum estado palestino se concretizaria sob sua vigilância, apresentando que tal estado seria uma ameaça à humanidade. Também afirmou que não existe problema nenhum em matar árabes, que já havia matado vários e continuaria caso fosse preciso.
4. Reflexos no Brasil
Precisamos ficar atentos ao isolamento de Bolsonaro na política internacional. A dura queda que a derrota de Trump representou ao seu admirador N°1, é intensificada pela derrota de Netanyahu, por quem Bolsonaro já declarou total apoio e uma notória admiração.
Sejamos honestos, Bolsonaro é a favor de qualquer tipo de genocídio, desde que tenha gênero, cor e raça, portanto nada mais conveniente que exaltar um estado armamentista e militarizado como os EUA e o estado de Israel. Aliás, fazer do Brasil uma pátria judaico cristã era um dos seus principais objetivos no discurso de posse. Lembro na hora dos olhares desolados entre os meus parentes, imigrantes libaneses, ao escutar essa afirmação.
Contudo, a aposta do presidente caiu por terra, com a derrota de seus dois ídolos, os acordos amigáveis e relações cordiais se tornam insustentáveis diante de novos governos e necessitam de arranjos diplomáticos mais complexos do que estava acostumado, exigindo do governo uma nova configuração. Não sejamos otimistas, tais arranjos se estabelecem com facilidade entre os países de economia dependente como o capitalismo faz do Brasil. O que podemos apostar é em um enfraquecimento das figuras de sustentação do Bolsonaro, bem como de seu “gado” de seguidores.
A nova configuração da política internacional e os desdobramentos traçados pelo governo Bolsonaro podem significar mais um empurrão para a derrubada do genocida. Todos os ventos sopram para que Bolsonaro caia, tanto na política internacional com a derrota de seus aliados pessoais, como na política nacional com a intensificação dos atos de rua.