Apagão do CNPq: uma tragédia anunciada
Sede do CNPq

Apagão do CNPq: uma tragédia anunciada

Hoje queimam os servidores do CNPq e a ciência brasileira, nosso dever é fazer queimar o bolsonarismo.

André Doz 29 jul 2021, 11:17

Desde sexta-feira (23/07) os sistemas Lattes, Carlos Chagas, entre outros ligados ao CNPq saíram do ar, impossibilitando sua utilização. Segundo o Ministério de Ciência e Tecnologia e Informação, o problema já teria sido identificado, no entanto, não há prazo para a solução. O apagão nos servidores de dados do CNPq, que está afetando todas as universidades e pesquisadores do país, é um reflexo direto do corte de verbas e da terceirização da área de TI.

O que ocorre hoje no CNPq, deixando milhares de pesquisadores e estudantes sem acesso a editais, serviços e pagamento de bolsas do principal órgão de  incentivo à ciência e tecnologia do país, não pode ser interpretado como um caso acidental. Ao contrário, a realidade enfrentada pela área de C&T no Brasil é de profundos cortes orçamentários, com outros órgãos ligados ao MCTI e MEC, como a CAPES e as Universidades Federais, enfrentando profundas dificuldades de continuarem existindo e cumprindo suas funções. 

A crise orçamentária criminosa e assassina de Bolsonaro

A crise orçamentária que vitimiza a ciência e tecnologia no país se tornou um assunto da mais alta importância devido à pandemia da COVID-19. Já no início de 2020, quando a doença era praticamente um mistério para a comunidade científica, já se sabia que a única forma de combater uma epidemia de um vírus novo seria investindo pesadamente na capacidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Se hoje possuímos vacinas extremamente eficientes e capazes de acabar com a pandemia aprovadas e testadas em tempo recorde nunca antes visto na história, isso se deve pelos pesados recursos públicos aplicados para tais pesquisas. Mas o Brasil de Bolsonaro escolheu outro caminho, o do negacionismo. Enquanto as Universidades Federais redirecionaram suas iniciativas para trabalhos complexos de monitoramento, como o realizado na Universidade Federal de Pelotas, desenvolvimento de EPIs mais seguros e eficientes, como uma nova máscara desenvolvida pela UnB, e até o desenvolvimento de vacinas como a da UFMG (!), o governo insiste em reduzir seus recursos, colocando em xeque toda a possibilidade de avanço na aquisição de conhecimentos que poderiam salvar milhares de vidas. 

As ofensivas à educação e a ciência no governo federal não são novidades. Desde 2019, Bolsonaro e seus ministros encamparam campanhas de ataque as universidades federais, o que levou milhares de estudantes às ruas contra o contingenciamento de verbas imposto sobre o bastião da “balbúrdia” e das declarações falaciosas do então ministro Abraham Weintraub, irmão de Arthur W., hoje investigado na CPI por liderar o gabinete paralelo negacionista da Saúde. O Tsunami da educação que derrotou os contingenciamentos de até 30% nas verbas discricionárias das universidades marcaram o primeiro ano do Governo Federal, mas os ataques seguiram. Em 2019, o governo seguiu cortando as verbas das universidades, cortando cerca de 13 mil cargos federais. De 2019 para 2020, o governo cortou quase 3 bilhões do orçamento destinado para educação e ciência, sendo que para 2021, o cenário é ainda pior, com um corte de 4,2 bilhões, sendo quase metade da atual verba, 6,4 bi, dependendo de aprovação de créditos suplementares, o que poderia aumentar o corte para a ordem de 10,6 bilhões de reais! 

O problema hoje enfrentado no CNPq é de uma gravidade que poderia ser considerada criminosa. Por meio de nota, o MCTI informou que já havia localizado o problema e estava trabalhando para resolvê-lo, sem determinar prazo nem informar o que havia acontecido. No entanto, entre os servidores do órgão circula a informação de uma possível queima do servidor que mantinha os sistemas do CNPq no ar. O mesmo equipamento estava já a 3 anos sem manutenção, já vencida também a garantia. As consequências não foram informadas também pelo ministério, mas especula-se que é possível uma perda considerável de base de dados de informação devido à falta de backup do sistema. Trata-se, evidentemente, de um caso gravíssimo, no qual, ao mesmo tempo que se tem a possibilidade de perda imensa de dados de milhares de pesquisadores e estudantes por todo o país, os processos dos editais e demais funções do órgão serão paralisados, por tempo indeterminado, incluindo o pagamento de bolsa para estudantes da pós e da graduação! 

Um projeto de longo prazo: acabar com a ciência e educação pública.

O fogo que consumiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro em 2018 já alertava para uma realidade latente: as ciências no Brasil estão em pleno ataque desde 2015. Os problemas enfrentados pelos pesquisadores e estudantes no país se tornaram ainda mais dramáticos ao nos depararmos com a crise da pandemia da COVID-19. Enquanto o mundo percebia que apenas pelas vias do desenvolvimento do conhecimento financiado com recursos públicos poderia se combater o coronavírus, o Brasil seguiu seu rumo de cortes e sucateamento das instituições de pesquisa, tais como a UFRJ, ameaçada de fechar caso não se reverta o atual cenário orçamentário.  

O que está por trás do que acontece hoje no CNPq é um projeto arquitetado e com anos de prática visando em últimas consequências a privatização das universidades e de toda a pesquisa e desenvolvimento tecnológico brasileiro. O principal órgão de financiamento de pesquisa em todo Brasil, que no ano de 2021 completa 70 anos de existência, “comemora” com o menor orçamento do século XXI. Com sucessivos cortes desde 2016, e com mais da metade de seu orçamento contingenciado nas últimas LOAs do governo Bolsonaro, o CNPq financia apenas 13% dos projetos aprovados pelo mesmo, ainda com possibilidades reais de impossibilidade de pagamento devido ao rolamento do orçamento, dependente de aprovação nas regras da Lei de ouro do Congresso Nacional. 

O projeto é evidente, de um lado, sucateia-se as Universidades públicas, principais polos de desenvolvimento de C&T no Brasil, de outro, reduz à exaustão os recursos do CNPq, CAPES e FAPs estaduais, para logo em seguida dizer que o financiamento da ciência exonera o Estado e não tem dado resultados, que apenas a iniciativa privada teria a “eficiência” necessária para dar cabo a essa tarefa. Os tubarões da Educação e a iniciativa privada possuem interesses diretamente ligados a esse projeto, não por menos, apoiaram o programa “Future-se” de Weintraub, que abria o caminho para a privatização das universidades, programa que foi derrotado a partir da força da luta do movimento estudantil com ampla rejeição em conselhos universitários por todo o país. 

A falácia da eficiência da iniciativa privada na educação e ciência poderia ser facilmente refutada pela simples observação dos índices avaliativos das Universidades do Brasil. Mas é necessário ir além nessa reflexão, está em jogo o projeto de educação e desenvolvimento científico que queremos para o país. Com o fim do financiamento público do conhecimento,toda a rede de Ciência e Tecnologia ficaria completamente dependente da iniciativa privada, literalmente privatizando a iniciativa de desenvolvimento científico ao interesse puramente econômico dos grandes conglomerados empresariais. Qualquer iniciativa que pudesse diminuir lucros, seja em qualquer área, ou problematizar os processos de exploração e opressão do capitalismo seriam simplesmente silenciados. Um gosto dessa lógica já é experimentado pelos estudantes que concorrem por bolsa na CAPES, que tem visto seus projetos recusados por motivos ideológicos. 

Nosso dever é defender a ciência e a educação

Nesse momento, é necessário reafirmarmos nossa defesa por uma educação e ciência plural, de todos e para todos, verdadeiramente popular e inclusiva. Fazer a defesa da ciência significa entender que os caminhos para garantir uma independência tecnológica e social do nosso povo passa pelo financiamento público das pesquisas, fortalecimento e reestruturação orçamentária do CNPq, CAPES e outros, capazes de fornecer bolsas de estudo e pesquisa com valores condizentes para todos os estudantes e pesquisadores que ingressassem com projetos em tais órgãos.

Sabemos que esse jamais será o interesse de Bolsonaro e do bolsonarismo. A concepção de mundo autoritária e negacionista exige o controle do conhecimento, exige a privação do conhecimento crítico à população que a faz questionar as bases mesmas de um projeto que não é do seu interesse. Hoje queimam os servidores do CNPq e a ciência brasileira, nosso dever é fazer queimar o bolsonarismo. 


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