As fraudes não vão passar em branco! Por uma banca de heteroidentificação na USP
4 anos após a aprovação das cotas étnico-raciais na USP a universidade não concluiu 0,5% dos processos de fraudes no sistema de cotas. A luta por uma banca de heteroidentificação é urgente para garantir que os estudantes negros ocupem as vagas que lhe são de direito.
HISTÓRICO
A construção da sociedade brasileira se deu a partir da escravização de pessoas não brancas e acabou há apenas 133 anos. Esse fardo culminou na realidade em que a forma natural pela qual as relações se constituem, seja na dimensão política, social, jurídica ou econômica, favorece brancos em detrimento de não-brancos, a isso dá-se o nome de racismo estrutural.
Nesta sociedade constituída a partir da violência contra não-brancos e transpassada pelo racismo estrutural é possível identificar formas de discriminação, dentre elas aquela que deriva das instituições compostas hegemonicamente por membros do grupo dominante e que, a partir disso, servem à consecução de seus interesses, o que, de forma secundária, culmina no desfavorecimento de grupos minoritários.
Por isso, quando se pensa em uma instituição centenária, como é o caso da USP, e formada majoritariamente por uma elite racialmente branca, pode-se notar que o racismo institucional se faz presente, o que exige ação positiva voltada a enfrentar de maneira objetiva a forma natural como a instituição funciona e atacar diretamente a desigualdade racial naturalmente imposta.
Foi a partir do reconhecimento desta realidade que a USP, tardiamente, instituiu as cotas raciais de forma tímida em apenas alguns cursos no ano de 2017 e, no dia 04 de julho do mesmo ano aprovou a instituição da política para toda a universidade aos ingressantes em 2018. Esse processo foi fruto de muita luta e mobilização do movimento negro e estudantil, em mais de trinta anos de existência do Núcleo de Consciência Negra da USP, uma das primeiras entidades a debater a necessidade de implementação de ações afirmativas nas instituições de ensino superior no país.
HOJE
Quatro anos após a aprovação das cotas raciais a USP atingiu o número de 51,7% dos ingressantes provenientes de escola pública, sendo que 44,1% se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas (PPI), entretanto a inércia da instituição no combate às fraudes é um ponto a ser questionado.
Tendo isso em vista, os próprios alunos fundaram o “Comitê Antifraude USP” voltado à coleta de denúncias de fraudes no ingresso. Entretanto, isso não basta, pois é imprescindível a existência de políticas institucionais direcionadas ao tema, além da conclusão de processos abertos para averiguar denúncias de fraude.
Apenas 1 de 193 processos foi concluído, caso em que um fraudador branco se declarou pardo, mas foi expulso do curso após não comprovar a declaração. Estas informações servem à demonstração do completo descaso da instituição frente ao racismo institucional por ela perpetrado, que, nesta hipótese está no não fortalecimento da política de combate à exclusão racial e, por consequência, na manutenção da exclusão, posicionamento racista e inadmissível dado todos os avanços alcançados pelo movimento negro.
SOLUÇÃO
Neste sentido, é importante que haja mudanças na atuação institucional da USP como a implementação de medidas preventivas e repressivas. No primeiro caso, há a atuação da banca de heteroidentificação da UNICAMP, que em 2020 rejeitou 69 estudantes autodeclarados PPI. Acerca da repressão, exige-se maior celeridade na conclusão dos processos após as denúncias.
Fraudar cotas é crime de falsidade ideológica. Para além de tudo é uma prática racista e de não garantia do funcionamento da política pública de ações afirmativas. Quando aprovadas as cotas no Brasil, o STF já indicou a necessidade de mecanismos preventivos que foram instituídos não só nas universidades federais, mas também nos concursos públicos. Ou seja, nacionalmente as bancas de heteroidentificação são consideradas como o melhor mecanismo. Contudo, a não implementação demonstra a falta disposição e interesse político da reitoria da USP em seguir com um projeto de democratização da universidade que combata a perpetuação do legado de uma universidade elitista.
Portanto, visto que a normalidade da sociedade brasileira é a perpetuação do racismo, é relevante a mobilização estudantil voltada ao combate à perpetuação dessas violências, pois somente a partir da luta, alcançaremos a vitória. Assim como conquistamos as cotas com luta, é só com luta que conseguiremos garantir a sua continuidade e seu funcionamento!