A “REVOLUÇÃO FARROUPILHA” E O APAGAMENTO DA HISTÓRIA NEGRA NO RIO GRANDE DO SUL
Retratro de um Lanceiro Negro, óleo de Juan Manuel Blanes

A “REVOLUÇÃO FARROUPILHA” E O APAGAMENTO DA HISTÓRIA NEGRA NO RIO GRANDE DO SUL

É inaceitável que ainda hoje celebre-se essa história de mentiras e traições. A “Revolução Farroupilha” é um dos maiores exemplos da omissão e do apagamento da história de negros e negras no Rio Grande do Sul.

Desde 1978, o dia 20 de setembro é feriado no Rio Grande do Sul. A data celebra o início da “Revolução Farroupilha” ou Guerra dos Farrapos. Este é o evento mais importante na história do Rio Grande do Sul, envolto em mitos e omissões, constituindo-se quase que em um mito fundador da “pátria riograndense”. Até hoje, milhares de gaúchos reúnem-se em acampamentos na Semana Farroupilha para celebrar as “virtudes” daqueles que lutaram por “Liberdade, Igualdade e Humanidade”. Os líderes dessa revolução fracassada são homenageados em monumentos, prédios públicos, ruas e escolas. São cantados e contados em histórias. Os CTGs (Centros de Tradição Gaúcha) constituem espaços de memória que perpetuam as versões do heroísmo.

Porém, por trás de todo romantismo e ficção, há a história real, a história regional da infâmia, para usar a expressão do escritor e jornalista Juremir Machado que dá nome a um de seus importantes livros sobre a história do Rio Grande do Sul.

O mito conta que a “Revolução Farroupilha” foi a guerra travada pelo povo gaúcho contra a tirania imperial. Seria uma luta por Liberdade, Igualdade e Humanidade. Conta que os revoltosos eram abolicionistas e queriam construir uma República livre na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. A história real diz que foi uma guerra travada por uma elite estanciera, charqueadora e escravista que contou com um grande contingente de escravizados que lutaram sob a promessa de liberdade, mas que não aparecem nos relatos oficiais. Essa elite tinha interesses puramente econômicos, sendo o principal, a diminuição dos impostos sobre o Charque gaúcho que beneficiava a produção da região do Rio da Prata.

Estima-se que aproximadamente metade do exército Farroupilha era constituído por negros escravizados roubados de estacieros monarquistas. Os farroupilhas prometiam liberdade para os escravizados por outros senhores, enquanto mantinham os seus. Os documentos da guerra mantidos pelo Arquivo Público do Rio Grande do Sul demonstram que ao contrário de benevolentes abolicionistas, os farroupilhas financiaram a guerra com a venda de escravizados em Montevidéu, como prova a carta de Domingos José de Almeida (um dos mentores intelectuais dos farroupilhas) à David Canabarro (importante comandante do exército Farroupilha) datada de 25 de outubro de 1845. Além disso, a constituição promulgada pelos Farroupilhas não previa a libertação dos escravizados.

Portanto, percebe-se como toda a história de heroísmo construída ao redor da guerra dos farrapos esconde os verdadeiros interesses e as práticas dos revoltosos. Porém, o ápice da omissão permanece sendo o Massacre de Porongos, a maior traição da “Revolução Farroupilha” aos negros.

Na madrugada de 14 de novembro de 1844, quando a derrota Farroupilha já era certa, um contingente de negros que lutavam ao lado dos farrapos foi surpreendido desarmado no Cerro de Porongos. Um dia antes, o comandante David Canabarro havia ordenado o desarmamento dos lanceiros negros. O suposto ataque surpresa, na verdade fazia parte de um acordo de paz entre David Canabarro e o Barão de Caxias, posteriormente, Duque de Caxias. As forças imperiais temiam a existência de negros armados e com experiência de guerra. Os farroupilhas aceitaram entregar os negros que prometeram libertar em troca de um acordo que contava com anistia e indenização. Mais de cem negros foram mortos nessa noite e aqueles que sobreviveram foram vendidos e mantidos como escravos no Rio de Janeiro.

É inaceitável que ainda hoje celebre-se essa história de mentiras e traições. A “Revolução Farroupilha” é um dos maiores exemplos da omissão e do apagamento da história de negros e negras no Rio Grande do Sul. Não se pode admitir que os operadores da traição sejam homenageados em monumentos públicos, ruas, avenidas e escolas, enquanto aqueles que lutaram por liberdade e foram traídos sejam esquecidos e apagados.

Se esses são os heróis históricos, seus atos servem como linha a ser seguida e aceita, além de repetida e perpetuada. Bento Gonçalves a exemplo de um grande herói da revolução farroupilha e da liberdade, morreu deixando escravos à sua família. Se essa era a sua proposta de liberdade, é preciso repensar o modo que ela foi contada, e suas farsas e injustiças precisam ser expostas.

Por uma Porto Alegre antirracista e livre de escravagistas!

No dia 18 de agosto, nós do Coletivo Juntos assumimos uma cadeira na Câmara Municipal de Porto alegre pelo mandato da Fran Rodrigues. Nosso mandato antirracista no período em que esteve naquele espaço apresentou um Projeto de Lei para que sejam substituídas as estátuas, monumentos e placas que homenageiam escravagistas na Cidade, como por exemplo a estátua de Bento Gonçalves, que foi quem liderou a guerra dos Farrapos.

O Projeto de Lei visa a ressignificação da memória histórica Porto-Alegrense a partir da luta do povo negro e indígena, grupos que historicamente foram subalternizados e que sentem até os dias de hoje problemas sociais por conta desses que a cidade homenageiam através de placas de ruas e estátuas. Nós queremos reparação histórica para o nosso povo, não aceitaremos que, após um ano do levante antirracista, Porto Alegre não seja um espaço que respeite a luta do povo negro.


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