Tira a mão do Jalapão!
Não à concessão de nossos parques estaduais e monumentos naturais
- GOVERNO, LEGISLAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO
O (des)governo do estado do Tocantins, liderado pelo então governador Mauro Carlesse (PSL), está usando de todos os meios institucionais, políticos e econômicos a fim de privatizar três parques estaduais e um parque arqueológico localizados no Tocantins. Nesse sentido, o instrumento utilizado foi o projeto de lei nº 5/2021, sancionado (após um dia) se tornando a lei nº 3.816, de 25 de agosto de 2021.
Nesta lei, é tratada a concessão do Parque Estadual do Jalapão, Parque Estadual do Cantão, Parque Estadual do Lajeado e o Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Estado do Tocantins. Lei essa tão genérica quanto curta e mentirosa, a norma, além de ser uma carta em branco para a privatização das unidades de conservação, não delimitou sequer a abrangência territorial da concessão, se contentando em informar que os territórios onde há comunidades quilombolas ou indígenas não serão afetados. O governador, o secretário executivo, parte da mídia e os demais que já compraram a ideia, reiteram que todos vão sair ganhando: sabemos muito bem quem vai ganhar o quê!
Antes de a lei ser sancionada, no início deste ano, o secretário executivo afirmou haver estudos direcionados para a viabilidade econômica da empreitada, os quais estavam em “fase inicial”. De repente, é pautado rapidamente a concessão e aprovada em tempo recorde pelos deputados estaduais, que não titubearam em, calados, entrar no ganha-ganha, e os que ousaram ser contra, tiveram um aviso do destino de quem contraria os interesses do capital na região.
O cinismo é tanto, que os estudos que “embasaram” a iniciativa do Governador de propor a lei, já considera o aumento do fluxo turístico nas áreas de conservação, implementando bangalôs com diária de quase R$ 1.400 reais e uma “experiência com as comunidades tradicionais” pela bagatela de R$ 65 reais por pessoa. O absurdo está também no fato de que a lei fala de não afetar as áreas dos povos tradicionais e indígenas, mas já colocou na conta o salário da exploração.
Mais impressionante ainda na lorota toda é que a iniciativa (privada) é espontânea e bem intencionada, com vistas a “trazer investimento e desenvolvimento” para a região, sendo que obviamente quer arrecadar com turismo em área de conservação, e o Estado, que sempre pôde investir e não o fez, agora abre mão de maneira rápida e silenciosa da proteção ambiental e cultural da região.
Vale destacar que esta não é uma prática isolada; em suma, o governo estadual está seguindo uma agenda de desestatização de unidades de conservação, parques ecológicos e arqueológicos que são norteadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) através do ‘’programa de estruturação de concessões de parques naturais’’.
Dos parques no Tocantins, o Jalapão é o mais conhecido deles, dotado de cachoeiras, praia fluvial, chapadões, dunas, fervedouros e outros atrativos naturais e grande importância ambiental, já que é formado pelo Parque Estadual do Jalapão, pelo Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, pela Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins, pela Área de Preservação Ambiental (APA) Serra da Tabatinga e pela APA Jalapão, tudo isso com raízes históricas de luta das comunidades quilombolas, fortemente ligadas ao artesanato feito de capim dourado e turismo ecológico. Se pontuarmos só o Jalapão, é uma área formada por 17 municípios que compõe o corredor ecológico, abrangendo 9 (nove) unidades de conservação e as áreas estratégicas que limitam essas unidades, além das áreas protegidas das comunidades quilombolas.
A medida foi informada de forma complacente pelos meios de comunicação mainstream e locais, tendo jornalistas da região e sites nacionais noticiado como fato consumado: A CONCESSÃO IRÁ OCORRER POR BEM OU POR MAL. No máximo tocam na participação das comunidades, que já se mostrou contrária ao movimento de “Passar a boiada”, porém até então ignorada.
Poucos veículos ativistas da causa ambiental ou ligados aos movimentos populares destrincharam mais a fundo o movimento que faz parte de uma onda de privatização patrocinada por interesses tanto econômicos – de fazer dinheiro em cima do meio ambiente sob o signo do “desenvolvimento sustentável” – quanto políticos, ligados, no caso do Estado do Tocantins, a deputados e membros do executivo, como o próprio Governador Carlesse (PSL) que já fizeram a conta dos lucros que vão ganhar na jogada de mestre e vem planejando e criando caminho fazer de puxadinho particular a resorts de luxo desses locais.
De acordo com o próprio BNDES, a intenção do programa é na “gestão” e proteção das Unidades de Conservação, o que significa falar no controle do território e da sociobiodiversidade sobre os 26 Parques Naturais – chegando a 100 – catalogados no programa.
No que tange ao controle do território e da sociobiodiversidade, ressalta-se que todos os parques estaduais são, predominantemente, geridos por povos originários e quilombolas, que utilizam a natureza como meio para existência e que serão duramente afetados por essa política entreguista.
Um dos parceiros interessados do BNDES na pesquisa direcionada para a concessão dos parques estaduais, é o Instituto Semeia, que é financiado por Pedro Passos, sócio-fundador e conselheiro da empresa Natura, ex-deputado distrital do Distrito Federal, já condenado por corrupção passiva e ainda com processos em andamento na justiça, por venda ilegal de lotes. Em resumo, aprovaram o projeto sem consulta prévia às comunidades, sem um estudo conclusivo de impactos reais, pois nem especialistas do IBAMA, nem grupos de pesquisa, professores e profissionais das universidades foram sequer consultados, sem preocupação em distinguir o que é objeto de exploração econômica do que é unidade de conservação ambiental: calcularam somente o que podem ganhar enquanto as políticas de proteção ambiental estão desmontadas no desgoverno Bolsonaro. O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública pedindo a suspensão da concessão sem consulta às comunidades com base na Resolução N.169 da OIT e demais normas, porém teve liminar negada. Os movimentos sociais da comunidade jalapoeira estiveram em protesto nesse dia 02/09/2021 reivindicando seus direitos, e a comunidade acadêmica tem realizado um esforço para debater o tema com embasamento, desmontando a argumentação dos patrocinadores desse projeto.
2. TERRITÓRIO, NATUREZA E SOCIEDADE
Quando tratamos da relação entre as comunidades tradicionais e indígenas com a natureza, é importante recorrer-se ao conceito da ontologia, que evoca a percepção pela qual o sujeito percebe o mundo, e a qual ele se insere nesse mundo percebido. No caso desses povos, estamos tratando de outras cosmovisões e relações no qual ele estabelece suas relações com a natureza. E quando estamos lidando de ontologia relacionada a política ambiental e natureza, se torna ainda mais fundamental, visto que estas são resultados da ontologia, que na atualidade, estão inseridas em uma lógica da ética antropocêntrica que é predominante, que delimitam uma relação binária, dividindo sociedade e Natureza, ou seja, dualista, onde estas duas categorias se encontram separadas e como aponta Gudynas, também assimétricas, onde o ser humano tem o mandato de controlar e aprovar o meio ambiente.
Apesar do antropoceno ser a perspectiva ontológica predominante, não é a única, visto que os povos do campo, comunidades quilombolas e indígenas, demonstram outras cosmovisões, pelas quais se relacionam com a Natureza, mas que são impactadas e marginalizadas, a partir do momento que não se relacionam com o capital.
Atualmente, a perspectiva antropocêntrica traz muitas consequências para a relação que é estabelecida entre sociedade e Natureza, onde tudo se torna um “recurso” que o ser humano deve se apropriar para garantir o seu ideal de bem-estar. Essa perspectiva atravessa a própria ideia de conservação, na qual a única saída para se conservar, é demonstrar a utilidade do seu ecossistema ou de suas espécies vivas, como tem sido recorrente no debate atual sobre a preservação dos parques ambientais. A insistência da ideia da utilidade que têm se difundido, invade as interações sociais e deteriora as próprias culturas tradicionais das pessoas do campo, quilombolas e indígenas.
Mesmo quando lidamos com a concessão destes parques, por uma ideia de “preservação da natureza” e “conservação”, na verdade o que se percebe é que se trata de um processo onde a própria Natureza perde sua organicidade, se fragmenta, esses fragmentos são precificados e colocados a dispor de proprietários, que por fim se convertem em mercadorias. E nesse sentido, são inseridos no mercado a Natureza e as comunidades tradicionais que ali habitavam.
Importante ressaltar, que não se deve tratar a Natureza como uma ideia de “santuário” natural, em parques de preservação existem comunidades inseridas nesse espaço, que retiram da Natureza a possibilidade de sua subsistência, mas que não precisam destruí-la, e que, na verdade se inserem nessa lógica com a Natureza, reconhecendo a importância de sua preservação, para a manutenção do seu bem-viver dentro da sua lógica de cosmovisão.
As ações do capital sobre esses territórios, implica em uma violação da cosmovisão dessas comunidades para com a relação que as mesmas determinam com a Natureza, e onde se difundem categorias como “capital natural” e “bens e serviços”, onde não apenas os seres vivos e a Natureza são convertidos em mercadoria, mas também implica na comercialização das funções de um ecossistema. O estudo liderado pelo BNDES demonstra a intenção de se vender uma “vivência em comunidades tradicionais”, o que nada mais é do que a comercialização do próprio povo inserido naquele espaço junto à Natureza onde os mesmos habitam. Davi Kopenawa aponta que o mundo acredita que tudo é mercadoria, a ponto de projetar nela tudo o que conseguimos experimentar. Quando se desconsidera a vida local, do ecossistema a qual as formas de organização não estão totalmente integradas ao mundo da mercadoria, se põem em risco todas as outras formas de viver. O que se percebe, portanto, é justamente como a categoria do capital natural penetra e mercantiliza atê mesmo uma dinâmica social e a própria Natureza.
No caso da concessão dos parques em questão, o que se percebe é como o Estado aliado a lógica do capital, regulamenta e viabiliza a partir da violência institucional a marginalização dos povos que não estão totalmente inseridos na lógica do capital, para que a partir daí sejam inseridos na iniciativa privada, ou seja, o Estado mais uma vez, agindo conforme os interesses da burguesia nacional, que a ‘posteriori’, também se rende e compromete a soberania do território nacional a burguesia internacional.
Por fim, é importante salientar que quando se trata de política ambiental para estas regiões, em todo o território nacional, estamos tratando do reordenamento das relações e dos espaços, é sobre um novo entendimento de como essas relações serão admitidas com a natureza, mas não podemos nos colocar de fora dessa bolha já que nos integramos nesta teia, e devemos nos entender enquanto parte da Natureza.
A concessão já está em processo de implementação nos parques estaduais e no monumento arqueológico, apesar disso, cabe a nós, sociedade civil, deixar claro que a comunidade não foi consultada, que o projeto tem problemas sérios e interesses particulares em jogo. A comunidade não se calará! Essa terra é nossa!