Não Olhe Para Cima: Um Retrato do Negacionismo e dos Privilégios da Burguesia
Leia a resenha sobre o novo filme da Netflix a partir de uma perspectiva ecossocialista
O filme dirigido por Adam McKay tem dado o que falar no último período. Disponível na Netflix, “Não Olhe Para Cima” retrata uma cruel realidade marcada pelo negacionismo científico e pela ação dos mais ricos nas decisões sobre o mundo. A trama envolve dois astrônomos em uma descoberta catastrófica, em que um cometa está cerca de 06 meses de destruir o planeta. Kate Dibiasky (Jennifer Lawrance) percebe a ação durante seus estudos com o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), os quais, a partir de cálculos matemáticos, percebem a rota de colisão com a Terra em tão pouco tempo. Então, prontamente, alertam autoridades estadunidenses do fato em busca de pensar soluções para evitar o evento devastador.
Poderíamos tentar simplificar e resumir este filme como mais uma esquete ficcional de Hollywood, o qual versa sobre um cenário catastrófico em escala global. Como mais um entre tantos entretenimentos que colocam em exibição medos, aflições, conflitos, ideologias e dramas políticos e sociais diurnamente ignorados pelas “grandes potências mundiais”. Se assim o fosse, seria mais um entre tantas obras cinematográficas que dramatizam sobre os perigos das mudanças climáticas e do aquecimento global de forma estravagante e surreal. Todavia, estamos certos de que não.
Aparentemente, o filme “Não Olhe Para Cima” possui muita familiaridade com o nosso presente em vários aspectos, sejam eles de carácter mais cotidiano, político ou com uma anedota ou mesmo sermão. Analisar este filme, certamente, não é uma tarefa simples. É necessário estabelecer e compreender as relações entre os elementos cinematográficos com a realidade.
Apesar de parecer repetitivo, Adam McKay transcodifica o atual contexto político de crise que é possível visualizar no atual governo brasileiro nos aspectos político e econômico. A dialética entre ficção e realidade nos permite extrair do filme discussões importantes sobre conflitos sociais, emergências ambientais e, sobretudo, o atual modo de produção neoliberal desenfreado e incontrolável que coloca o lucro e o mercado acima de todos os outros problema do planeta terra.
Realçando a natureza incontrolável dos interesses econômicos presentes em Não olhe para cima, retrata como o negacionismo e a submissão da ciência e da tecnologia aos interesses privados e do mercado são parte de uma correlação de forças por projetos societários antagônicos. No contexto do filme, a disputa pelo destino do mundo evidenciam que a prioridade dos grupos empresariais é desqualificar, sistematicamente, as universidades, o conhecimento científico para que eles se apresentem como “salvadores” preferenciais do mundo assumindo integralmente a solução do problema.
O filme pode até ter um aspecto profético e assustador. Honestamente, talvez tenha sido este o objetivo do Adam McKay, o de tentar avisar os perigos diante da humanidade e do mundo. No entanto, este debate não é atual. Os alertas de que as crises que assolam o mundo está adentrando uma nova fase, inédita, marcada por um continuum depressivo como evidência nos sistemáticos estudos do marxista István Mészáros acerca da crise atual do capital.
Segundo Mészáros, o capitalismo experimenta, atualmente, uma crise estrutural impossível de ser negada por mais tempo. A situação global é muito mais complexa em relação a sugerida pelo filme. Não estamos diante de uma ameaça externa, ou melhor, extraterrena. Mas sim diante de uma crise incontrolável e profundamente destrutiva, especialmente por conta da constatação meszariana de que o capital, por não ter limites para sua autoexpansão, põe em risco a própria sustentabilidade da vida no planeta Terra.
Vimos em Não olhe para cima que a arrogância e a suposta onipotência dos interesses mercantis falham miseravelmente em dar conta, a seu modo, do evento cataclísmico que destruiu a vida na terra. E sugerir que, no plano não-ficcional, não seria diferente é fugir completamente à questão, pois não existe viabilidade no atual sistema econômico em solucionar, a longo ou a curto prazo, todos os problemas que afligem a humanidade. A lógica expansionista, na busca frenética pela maximização dos lucros, não vê outra coisa se não a necessidade de perpetuar o próprio sistema de exploração e opressão.
Todavia, por certo, a ironia presente no filme provém de um aspecto fundamental presente tanto na ficção de McKay como na realidade, que é justamente a existência de bilionários implacáveis no avanço imperialista de seus empreendimentos econômicos. A conexão direta entre empresário fictício de grande sucesso econômico e proprietário da Bash, Peter Isherwell, e Luciano Hang (Velho da Havan) demonstram, no caso brasileiro, a prioridade nas ações para obter lucro em detrimento da vida da população. A cena final do planeta prestes a explodir, enquanto os mais ricos voam para outro planeta, coloca a realidade da burguesia no capitalismo, em que deixa um cenário de mortes e mazelas para todos quando pode abandonar tudo e recomeçar em outro lugar.
Por isto, a campanha realizada pelo coletivo Juntos “Nem a Fome Nem Os Bilionários Deveriam Existir” é necessária para reafirmar que não há saída viável para a vida humana no capitalismo, pois, enquanto os mais ricos lucraram na pandemia, uma grande parcela da sociedade ficou desempregada. Os banqueiros lucraram absurdamente no período da pandemia, os bilionários aumentaram a sua renda mesmo em um período quando pessoas voltaram para o mapa da fome. Por isso, defendemos que estes bilionários arquem com a crise atual. Contra a fome, taxar os ricaços! Não existe saída dentro do capitalismo. Por fim, diante de tudo isso, torna-se indispensável a necessidade de uma ofensiva socialista. Para tanto, significa precisamente atualizar o programa socialista para um ecossocialista, numa tendência em toda sua complexidade histórica. Esta tarefa está longe de ser fácil e ingenuamente otimista. Mas ou a fazemos ou assistiremos o fim do planeta terra tal qual demostra o filme.