Cidade integrada ou cidade sitiada?
Não é novidade alguma a ocupação militar em favelas do Rio com a justificativa de combater o crime e com a promessa de levar programas sociais aos moradores. A retrospectiva dessa medida e sua verdadeira intenção, porém, está muito distante do que anuncia o governador Cláudio Castro.
Iniciou no último 19 de janeiro na favela do Jacarezinho e da Muzema o programa “Cidade Integrada”, onde o governo do estado pretende ocupar favelas do Rio de Janeiro levando “dignidade e oportunidade”. Não é novidade alguma a ocupação militar em favelas do Rio com a justificativa de combater o crime e com a promessa de levar programas sociais aos moradores. A retrospectiva dessa medida e sua verdadeira intenção, porém, está muito distante do que anuncia o governador Cláudio Castro.
Em 2008, no auge da aliança PT-PMDB com o Rio de Janeiro comandado por Sérgio Cabral, deu-se início às Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Uma enorme promessa de marketing do governo Cabral, cujo legado pode ser conhecido no livro “UPP – a redução da favela a três letras” da ex-vereadora e militante do PSOL, Marielle Franco, assassinada pela política miliciana do Rio de Janeiro em 2018 e até sem respostas sobre os mandatários de sua morte. Não faltaram denúncias do que foram não apenas as ocupações militares nas favelas, quanto a “gestão” militar no cotidiano dos moradores. Invasões de casas, violações de direitos e até mesmo desaparecimentos, como o caso conhecido do pedreiro Amarildo no Complexo do Alemão em 2013. Mais tarde, revelou-se que Amarildo foi torturado numa UPP.
Foi também no Alemão a emblemática ocupação de 2010, sob grandes elogios do então presidente Lula, cuja história pode ser conhecida no filme “Alemão”, drama brasileiro lançado em 2014. A realidade é que as UPPs serviram de palanque para a reeleição do corrupto Sérgio Cabral, sem levar “paz” alguma aos moradores das favelas e deixando como legado o avanço da militarização sem garantia de direitos sociais. Mais do que nunca, a presença do Estado nas favelas se deu apenas pelos fuzis e tanques de guerra.
Em 2019, dá-se oficialmente o fim das UPPs, que já vinham reduzindo unidades desde 2016. No meio disso, o Rio de Janeiro também vivenciou intervenções federais, com a presença do Exército na Maré em 2014 para “garantia” de realização da Copa do Mundo e a anunciada em fevereiro de 2018, poucos dias antes do assassinato de Marielle, que usou sua voz para denunciar essa política de segurança pública de morte. Sua denúncia também foi para evidenciar a crescente expansão das milícias nos territórios e sua relação intrínseca com o Estado. Em 2019, um grupo de pesquisadores identificou que as milícias já controlam mais da metade do território do Rio de Janeiro, num vazio de políticas públicas, de empregabilidade e desenvolvimento social.
Após o impeachment do ex-governador Witzel, eleito em 2018, o atual governador Cláudio Castro elegeu como sua prioridade de segurança pública a mesma que foi desenvolvida durante esses últimos anos: a fórmula do confronto, das operações violentas contra as favelas, que desvendam sua principal intenção. Não à toa, após a chacina do Jacarezinho, a maior da história do estado, Cláudio Castro cresceu nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022. É que matar preto e favelado dá voto. Nesse contexto, não há propaganda midiática melhor para o aliado de Bolsonaro se tornar conhecido para sociedade do que o uso da violência e da segurança nas favelas como moeda de troca.
O programa “Cidade Integrada” é basicamente uma reciclagem das UPPs, que usa do discurso da falsa guerra às drogas para justificar a ocupação do braço armado do Estado nas comunidades. Ou seja, naturaliza o uso da violência policial para combater a criminalidade. Na primeira semana de implementação do projeto nas comunidades da Muzema, de Manguinhos e do Jacarezinho – prestes a completar uma ano da chacina defendida pelo Governador Claúdio Castro – podemos ver sob qual lógica esse programa vai funcionar, através da instalação do medo, da violação dos direitos humanos e do abuso do Estado.
O governador do Rio de Janeiro fala que o programa vai “livrar as comunidades das mãos do crime com investigação, inteligência e ação”. Portanto, sabemos que o buraco é bem mais embaixo. Não se restabelece o poder do Estado sem resolver problemas estruturais e oferecer uma outra perspectiva de vida para população, fazendo com que direitos historicamente negados como emprego, saneamento básico, educação, saúde, lazer e cultura sejam assegurados. O histórico de intervenções policiais fracassadas foram mais que suficientes para mostrar que a ocupação militar não é solução para acabar com a violência e só promove o controle e extermínio da população negra e favelada.
Além disso, a política de “segurança pública” parte de cima para baixo, sem diálogo com a população, colocando agentes contra moradores. Pobres contra pobres. Pretos contra pretos. Enquanto isso, os grandes barões que moram em condomínios luxo na zona sul e os milicianos continuam impunes. Cidade integrada para quem? Nessa tentativa de palanque político em ano eleitoral com uma pauta que segue repetindo os mesmo métodos racistas e anti povo, a grande afetada é a população que sofrerá com a militarização da vida, sem um projeto de desenvolvimento humano e econômico concreto nas favelas.
Precisamos combater essa lógica de política de segurança pública que tem como alvos vidas negras e aposta na letalidade como principal ferramenta de superação da criminalidade. A juventude negra e favelada não vai aceitar controle das nossas vidas como palanque político e como parte de um projeto que tem raízes desde a escravização. Queremos vidas pretas e faveladas vivas e com direitos assegurados!